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Banhadas pelas águas do Rio Capibaribe, estruturas precárias abrigam gritos por uma cidade digna. Madeiras ou qualquer outro objeto que amenize os efeitos do sol e da chuva são utilizados em comunidades que resistem na história urbana da capital de Pernambuco, negligenciadas pela ausência de políticas públicas que pudessem garantir lares para centenas de famílias. O mesmo rio que embeleza nossa Aurora, cortado pelas belas pontes do Centro do Recife, também circunda barracos cheios de cidadãos que clamam por melhorias. Na Veneza Brasileira, as palafitas persistem e reforçam uma linha de desigualdade social tão clara aos olhos da sociedade e do poder público.

Há anos essas moradias significam a única opção de lar para muitos recifenses. O Recife das palafitas, sobretudo, sempre foi foco de intervenção municipal em diversas gestões, porém, nem todas as famílias foram contempladas por moradias bancadas pela prefeitura local ou governo federal. No bairro dos Coelhos, área central da cidade, várias comunidades ainda se utilizam das precárias estruturas construídas diante do Capibaribe, mas não desistem de cobrar ajuda em busca de lares dignos.

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Nem mesmo o calor, causado pelas lonas que servem para evitar goteiras, atrapalha o serviço de Maria José Pereira da Silva, de 55 anos. Na palafita onde reside há uma década, na comunidade Roque Santeiro I, bairro dos Coelhos, a senhora se aperta junto com dois filhos para caminhar entre a estrutura que representa a única opção de moradia da família. Ela precisa tratar os peixes que comercializa no Centro da cidade, afinal de contas, o sustendo dela e da família vem do trabalho, responsável por uma renda inferior a um salário mínimo. Em meio a tábuas e madeiras desgastadas pela ação do tempo, além de fiações elétricas expostas e um banheiro montado em meio a frestas que a qualquer momento podem causar acidentes, dona Maria luta, diariamente, a fim de garantir o mínimo de conforto para os filhos.

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Prática comum durante a construção das palafitas, um aterramento foi utilizado por dona Maria durante o levante da sua casa. Ela comprou o espaço por R$ 1.200 a uma senhora que não mais reside na comunidade. Da transação, Maria guardou apenas um recibo de compra. A estrutura precária, sempre banhada pelas águas do Capibaribe, instiga um alerta constante para as quase 240 famílias da comunidade Roque Santeiro. Como as palafitas podem cair a qualquer momento, resta aos moradores arrumar madeiras que servem de reparos contínuos. "Quando a maré sobe, a água chega a entrar em casa. Tem rato, barata, o risco de acidente é grande. Mas é o jeito, não tenho canto para morar em outro lugar. É melhor do que pagar aluguel, até porque não tenho condições", diz Maria José.

Nos becos estreitos da comunidade, as paredes de tábua se colorem em meio aos cartazes eleitorais que restaram após as últimas eleições. Também existem inúmeros cadastros da Prefeitura do Recife, que segundo os moradores locais serviriam, teoricamente, para fazer um levantamento de quantas pessoas precisam sair das palafitas para moradias dignas. Mas de concreto, o que há, até o momento, é o sofrimento de famílias jogadas à sujeira, entulhos, roedores, insetos, riscos de acidentes, além da falta de saneamento básico.

Auxiliar de serviços gerais, Larissa da Silva, 19 anos, cresceu entre as palafitas e até hoje assiste ao Capibaribe da janela improvisada do seu lar. Seria poético se o contexto representasse a apreciação do principal rio da capital pernambucana, mas a realidade é fruto da falta de habitação digna para a jovem e sua família. Ela tem um garoto de seis anos e também reside na Roque Santeiro, dividindo a estrutura de madeira com a irmã e sua mãe. O discurso de Larissa é de desapontamento, pois afirma que ouviu inúmeras promessas políticas, mas até o momento nada aconteceu. Em entrevista ao LeiaJá, ela e dona Maria José mostraram a dura e persistente realidade das palafitas do Recife:

Entre o ofício e a moradia precária

Bem próxima de um dos bairros mais nobres do Recife - Boa Viagem -, outra comunidade resiste ao tempo e aos malefícios da falta de saneamento básico das palafitas. Mais de 150 famílias vivem entre lixos, ratos, baratas, madeiras velhas, num local onde a esperança por uma vida melhor dá seus últimos suspiros. No bairro do Pina, Zona Sul do Recife, o Beco do Sururu – situado às margens de um estuário - acumula centenas de pessoas, a maioria pescadores, sedentas por uma solução concreta.

De acordo com o pescador José Carlos de Abreu, de 61 anos, a situação das palafitas é cada vez mais precária. Morador do Beco do Sururu há 25 anos, ele tenta manter a esperança por ações políticas que pudessem mudar a realidade, mas confessa que, aos poucos, a situação o deixa mais incrédulo. Ele diz que já ouviu promessas políticas dos mais diversos partidos, porém, nada saiu do papel.

“Aqui, o estado é crítico. Tem muito rato, estou vendo a hora pegar uma doença. Muitos políticos vieram aqui nas eleições, mas até agora só fizeram cadastro. As crianças correm o risco de cair entre as madeiras velhas. É horrível”, desabafa pescador.

Nora de seu José, a pescadora Josélia Francisca Lima, 23 anos, sentiu na pele os efeitos da estrutura precária. “Eu cozinhando aqui no barraco, de repente, a panela explodiu. Pegou fogo! A sorte foi que o vizinho viu e ajudou eu e meu filho a sair de casa”, conta Josélia. Por sorte, ela e a criança sofreram apenas pequenas queimaduras, mas na comunidade, não faltam relatos de acidentes e incêndios ainda mais sérios.

Além de seu José Carlos, outra moradora sabe bem o que é viver em busca de uma moradia digna. A marisqueira Ester Gomes, 49 anos, reside no Beco do Sururu há pelo menos duas décadas. Para ela, a melhor solução seria que a Prefeitura do Recife construísse outras moradias para acolher as famílias da comunidade, mas apesar da vontade de sair das palafitas, ela confessa que muitos moradores, por viverem da pesca, preferem um endereço próximo ao Pina. Confira, no vídeo a seguir, relatos do pescador José Caros e da marisqueira Ester:

PCR promete novas ações, mas empaca no governo federal 

Em nota enviada ao LeiaJá, a Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria Executiva de Habitação, informou que entregou, em junho de 2016, o Habitacional Travessa do Gusmão, situado no bairro de São José, área central da cidade. Na ocasião, foram entregues 160 apartamentos “destinados às comunidades residentes em palafitas localizadas às margens do Rio Capibaribe”. De acordo com a Secretaria, esse conjunto beneficiou parte do bairro dos Coelhos.

Já no que diz respeito ao habitacional Vila Brasil II, situado na Ilha Joana Bezerra, a Secretaria de Habitação diz que existem 320 moradias, mas as obras ainda não foram concluídas. Para isso, a Prefeitura “aguarda a reabertura dos financiamentos do programa federal Minha Casa, Minha Vida para dar início ao processo licitatório”.  Segundo a Secretaria, ainda não é possível estabelecer um prazo para a retomada das obras, justamente porque o procedimento necessita de recurso federal, entretanto, o local, ao ser concluído, poderá servir de moradia para os moradores da comunidade Roque Santeiro.

Procurada pelo LeiaJá, a Caixa Econômica Federal, que é a instituição responsável pelo programa “Minha Casa, Minha, Vida”, informou que a documentação inicial do empreendimento Vila Brasil II foi apresentada no início de maio deste ano pela empresa ganhadora do chamamento público realizado. “A documentação está em análise, aguardando complementação, para encaminhamento ao Ministério das Cidades”, consta na nota do banco. O prazo para esse procedimento, porém, ainda não foi definido. 

Em relação aos moradores do Beco do Sururu, no Pina, a princípio ainda não foi definido em qual conjunto habitacional eles poderão morar. Por outro lado, a Prefeitura do Recife destaca que, durante a atual gestão, 12 habitacionais foram entregues, sendo boa parte deles destinada a pessoas que viviam em palafitas.

 

“Na atual gestão foram entregues 12 Conjuntos Habitacionais com 1.346 unidades (casas e apartamentos). Cada residência é dotada com um novo padrão construtivo, com sala, dois quartos, cozinha, banheiro e área de serviço. Todas as unidades habitacionais contam com cerâmica nas áreas molhadas (banheiro e cozinha), além de equipamentos de acessibilidade”, informou a Secretaria de Habitação do Recife. 

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