Presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo tentou firmar um acordo milionário para garantir o silêncio da secretária, que, atualmente, move ação na Justiça contra ele por assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. A movimentação fracassou, porque a denunciante recusou a proposta. Os termos definidos na minuta obrigavam-na a revelar o nome de quem a teria orientado a gravar as conversas com o dirigente, proibia entrevistas a jornalistas e exigia que até os herdeiros e sucessores dos envolvidos mantivessem sigilo absoluto sobre a negociação.
Os documentos aos quais o Estadão teve acesso mostram que Caboclo estava disposto a desembolsar R$ 8 milhões dos cofres da entidade diretamente para a conta da vítima em busca de contornar a crise anunciada e, ao final do processo, ainda tornar sigilosas as provas obtidas pela funcionária, assim como a própria negociação em curso naquele momento.
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Se tivesse assinado o acordo, a ex-funcionária da CBF estaria concordando em "manter o mais absoluto grau de sigilo para todos os fins". As versões das minutas obtidas pelo Estadão datam do dia 17 de maio, apenas 18 dias antes de o dirigente ser afastado do cargo de presidente da instituição ao serem reveladas conversas em que ele chama a ex-secretária de "cadelinha" e oferece biscoitos de cachorro para ela.
Nesta quarta-feira, a Justiça do Rio ampliou os poderes concedidos aos dois interventores indicados pelo juiz Mario Cunha Olinto Filho, da 2ª Vara Cível da Vara da Tijuca, os presidentes do Flamengo, Rodolfo Landim, e da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro Bastos, para gerir a entidade até a realização de novas eleições. Eles terão o poder de indicar um dos oito vice-presidentes da Confederação e demitir dirigentes. Os nomeados ainda não responderam se aceitam a indicação e têm até o dia 3 de agosto para informar a escolha à Justiça carioca. A CBF vai recorrer da decisão.
Os dois acordos foram redigidos por antigos advogados de Caboclo. Nos documentos, a CBF entra como parte da negociação em vez do então presidente da entidade, o principal interessado no caso. Segundo a Confederação, a diretoria barrou a celebração do contrato por considerar que a proposta contida na minuta era de "assunto estritamente particular".
"A CBF informa que o referido documento foi produzido de forma unilateral pelo presidente afastado e não chegou a ser assinado, pois a Diretoria detectou que o mesmo estava em desacordo com as políticas de governança e conformidade da entidade, uma vez que o acusado pretendia utilizar recursos da CBF para resolver um assunto estritamente particular", declarou a instituição em nota.
No termo de rescisão de contrato proposto por Caboclo, os convencionais encargos trabalhistas pagos no ato de demissão ou afastamento de funcionários foram somados a R$ 400 mil de auxílio educação para a realização de um curso oferecido pela Fifa e mais R$ 2 milhões a serem pagos em 60 parcelas. A cifra milionária foi oferecida em uma cláusula "non compete", que obrigava a secretária a não atuar profissionalmente em "qualquer clube de futebol profissional, federação de futebol, de outros esportes ou atividades congêneres" pelo mesmo período em que receberia as repasses, de R$ 68.965,52 por mês.
Caso tivesse aceitado as condições de Caboclo, a denunciante dos abusos receberia o valor R$ 4,4 milhões já no ato de assinatura do contrato pelo seu silêncio. Os advogados de defesa ficariam com R$ 1,6 milhão em honorários, o equivalente a 20% do total, que somados aos demais valores chegam aos R$ 8 milhões prometidos pela CBF em três etapas de pagamento.
Além do dinheiro, o então presidente da Confederação garantiu à funcionária que o plano de saúde corporativo ficaria ativo até outubro de 2023 e ela teria direito a uma carta de referência "confirmando os bons serviços prestados à CBF".
Em troca dos valores vultosos e dos benefícios, a secretária teria "o dever de confidencialidade em relação" à CBF e seria obrigada a declarar que sempre manteve "relação profissional, respeitosa, íntegra e solidária" com Caboclo, de modo que jamais poderia mover ações trabalhistas, cíveis ou criminais contra os envolvidos - o mesmo valia para seus herdeiros e sucessores. Caso descumprisse o acordo, ela teria que pagar 50% do montante que viria a receber, o equivalente a R $4 milhões, além de responder por perdas e danos, inclusive na esfera penal.
O segundo documento que a ex-funcionária teria que assinar - intitulado "instrumento particular confidencial" - reforçava os itens propostos na rescisão do contrato e destacava que "Rogério não é parte mas é representante legal da CBF e interessado direto nos efeitos da referida transação."
A minuta exigia que a secretária entregasse, no ato da assinatura, "todas as gravações e degravações relacionadas à CBF e Rogério Caboclo, que estiverem em sua posse ou em posse dos seus advogados e terceiros". O instrumento ainda obrigava a denunciante dos assédios a delatar "quem (a) orientou e lhe deu suporte para realizar as gravações que diz ter em mãos".
Somado a isso, ela deveria declarar à imprensa, todas as vezes em que fosse procurada, que o seu afastamento da entidade ocorreu "exclusivamente por questões de ordem médica e psiquiátrica". O termo frisa que a "mídia" não poderia ser usada para imputar ao então presidente "qualquer ato ilícito ou não, mas que desabone a sua moral".
O documento ainda ofereceu um roteiro que ela deveria seguir quando os jornalistas a procurassem para comentar o caso, cabendo a ela dizer que sofria transtornos mentais: "como depressão aguda, síndrome do pânico e ansiedade, decorrentes exclusivamente de questões familiares, como o caso do falecimento recente de sua mãe com 58 anos de idade e de seu avô que era sua referência paterna". Dessa vez, caso o acordo de confidencialidade fosse descumprido, a multa fixada era de R$ 5 milhões.
Procurada pela reportagem desde terça-feira, a defesa de Rogério Caboclo não respondeu aos questionamentos do Estadão no prazo fixado para inclusão no texto. A notícia será atualizada assim que o jornal receber as respostas.