Expulsos do entorno do Empresarial Charles Darwin, na área central do Recife, comerciantes da Ilha do Leite se veem vítimas de uma "limpeza" feita pela Prefeitura do Recife após a inauguração de dois restaurantes de luxo no edifício. Os trailers eram parte da paisagem local e atendiam centenas de pessoas que passam todos os dias na região. Afastados dos clientes, os trabalhadores reclamam da queda nas vendas.
Dezesseis trailers foram retirados do local sob a justificativa de garantir a mobilidade de pedestres e motoristas no quarteirão do edifício. Os proprietários dizem que foram informados que a remoção seira uma medida para evitar a "concorrência desleal" com os novos restaurantes.
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Dona Maria da Paz disse que o novo espaço é apertado. LeiaJá Imagens
Comerciante mais antiga da área, Maria da Paz vende lanches há cerca de 14 anos na calçada e não esconde a revolta de ter sido jogada para o outro lado da rua. "Depois que inaugurou o restaurante lá em cima, o dono pediu que todos os trailers fossem retirados. Agora, o que eu tenho a ver com esse prédio?", questiona.
"Do nada expulsa a pessoa como se a pessoa não fosse nada. eu já pensei até em desistir disso aqui", lamenta Maria da Paz.O trailer laranja de Dona Da Paz ficava próximo ao posto, onde o veículo preto está estacionado. LeiaJá Imagens
No alto dos 35 andares do edifício espelhado, o Ruffo restaurante se apresenta como "um oásis de requinte que emerge para cativar os paladares mais exigentes". Com a proposta de ser um "refúgio de elegância nas alturas", o rooftop atrai o público de alto padrão para uma "vista deslumbrante". O apelo para o contato com a cidade limitado ao visual já se oferece no elevador panorâmico, de onde os clientes podem observar como a população do Recife reage em sua rotina.
Antes de alcançar o patamar do Ruffo, no térreo, está o Café Marie. Com a mesma proposta de alto padrão gastronômico, as duas casas custaram R$ 7 milhões aos mesmos sócios. O distanciamento entre os clientes e as pessoas sem condições de acessar os “refúgios” e assegurado pelos manobristas, que esperam no estacionamento do Charles Darwin para guardar o veículo de quem chega em uma das 800 vagas disponíveis.
Protesto trava Av. Agamenon Magalhães
Os comerciantes das calçadas da Ilha do Leite foram convocados pela Secretaria Executiva de Comércio Popular (SecPop) do Recife para uma reunião no dia 14 de agosto. Eles esperavam ser ouvidos ou que, ao menos, lhes fosse apresentada uma alternativa de readequação sem deixar o local.
"Também foi citado na reunião a questão da poluição visual e, nesse caso, eles poderiam padronizar todos os trailers, mas não retirar o local", sugeriu o comerciante Uiraquitan Gomes.
Uiraquitan disse que foi prejudicado pela distância que ficou de onde costumava receber os clientes. LeiaJá Imagens
O prazo para a saída foi determinado para os quatro dias seguintes, mas ele sequer foi respeitado, alegam os comerciantes. No dia 17, um dia antes do previsto, os trailers amanheceram interditados pela prefeitura.
Revoltados com o destrato, os trabalhadores travaram a Avenida Agamenon Magalhães na manhã seguinte. O protesto evidenciou o constrangimento da expulsão e apontava para os prejuízos dos negócios fechados.
Colocado na Rua Senador José Henrique, Uiraquitan e a maioria dos colegas só reabriu no dia 28. Desde então, eles convivem com o tombo nas vendas. "O movimento caiu entre 80% e 90%. Todos os comerciantes estão sentindo muito", apontou.
O trailer preto de Uiraquitan é um dos mais distantes após a mudança. LeiaJá Imagens
Para trabalhar na rua, os comerciantes da Ilha do Leite investiram em torno de R$ 20 mil nos trailers e pagam duas vezes ao sistema de estacionamento rotativo ‘Zona Azul’, equivalente a um gasto diário de pelo menos R$ 6.
Trailer de Fernando e Ana no Recife Antigo. Reprodução/Redes Sociais
A realocação foi a despedida de Ana e Fernando Américo, que vendiam artigos de moda feminina há seis anos no local. Fernando conta que ainda não desistiu de vender na Ilha do Leite, mas decidiu reforçar o modelo itinerante. "Eu saí de lá, mas meu desejo é que as coisas se resolvam para eu poder voltar", comentou.
A cerca de 10 quilômetros de onde costumava estacionar, quando não é visto rodando pelas ruas da capital, o trailer do casal para alguns dias da semana na Praça da Várzea, na Zona Oeste do Recife.
Prefeitura não enxerga prejuízos
Em nota, a Prefeitura do Recife observou que a mudança não causou prejuízo aos comerciantes e destacou o motivo da retirada dos trailers. "A Secretaria Executiva de Comércio Popular (SecPop) da Prefeitura do Recife informa que a retirada foi pactuada com os 16 comerciantes, que até o dia 23 de agosto serão relocados para uma área do entorno, sem qualquer prejuízo para a atuação destes. As estruturas foram retiradas por estar impedindo a mobilidade a pé e prejudicando o trânsito na área", apontou.