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Bola da marca 'Canarinha' marcou a infância de muitos amantes do futebol - Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

São quase três da tarde quando um menino franzino arrasta com dificuldades duas barrinhas de ferro encobertas por redes desgastadas. Adiante, um grupo de garotos aguarda inquieto a chegada das traves para mais um dia de futebol raiz entre amigos, em que pés descalços desfilam em um campo de barro batido e com pequenos vestígios de grama maltratada. Um dos garotos se arrisca ao subir em um telhado onde estrategicamente uma bola era guardada; dessa forma, após ser banhada em um recipiente com água, a redonda recebia raios solares durante todo o dia. Era assim que meninos humildes deixavam a bola de vinil mais resistente, evitando furos e fortalecendo um sonho em comum: ser jogadores profissionais.

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Dezenas de garotos partiam animados para o Parque do Caiara – na Zona Oeste -, um dos espaços da periferia do Recife que serviam para o lazer da criançada, que praticamente se resumia ao futebol. Há 15 anos, bola de couro era quase um sonho de consumo impossível para os meninos de subúrbio. Na ausência do cobiçado brinquedo, bolas conhecidas como “dente de leite”, feitas a base de vinil e com textura leve, supriam a alegria dos pequenos que aproveitavam suas tardes em partidas disputadas, tão acirradas quanto jogos profissionais. Afinal, o time perdedor era obrigado a bancar o refrigerante “Simba” para a equipe vencedora; ninguém queria perder, mas independentemente do resultado, todo mundo acabava se refrescando com refrigerante e comendo pães recheados de mortadela.

Nas peladas recifenses, uma marca imperava entre os garotos. As “Bolas Canarinha”, cuja embalagem estampava um sósia do ídolo Ronaldo Fenômeno, eram as preferidas da meninada, tanto pelo preço acessível – na época entre R$ 3 e R$ 5 -, quanto pela facilidade de encontrá-las. Qualquer lojinha de bairro oferecida o brinquedo. Hoje, porém, muitos desses garotos se afastaram diante das obrigações da vida adulta. Mas nas memórias de cada um deles, resistem momentos de uma época em que a infância pobre, porém feliz, reunia meninos em torno do futebol e de uma amizade contemplada pelas brincadeiras populares. Hoje adultos, eles dificilmente cravam a data exata da última vez que quando crianças saíram para se divertir no futebol com bola de vinil. Restam lembranças e muita saudade.

Emanuel França relembra da época em que jogava com os amigos no Parque do Caiara, Zona Oeste do Recife. Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

Rodrigo Barbosa, 29, e Emanuel França, de 28 anos, viveram essa fase quando crianças. Nascidos na comunidade do Caiara, no Recife, os rapazes estampam sorrisos ao recordarem da época em que as Bolas Canarinha eram o principal brinquedo dos garotos. Praticamente, todos eles não realizaram o sonho de se tornarem jogadores profissionais, mas nem por isso a fase de brincadeiras perdeu o brilho. “Era uma época boa demais. Todo mundo se reunia, brincava, era uma alegria só. Hoje você não tem mais isso. Diminuiu o número de crianças jogando bola na rua ou parques”, comenta Rodrigo, que assim como Emanuel trabalha na função de barbeiro. Ao falarem da infância, os jovens são pura nostalgia. Veja no vídeo

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“Bolas Canarinha, a bola que faz o craque”

Jacó Venancio Filho não temeu mudança. Inicialmente empresário do ramo de panificação, em Caruaru, Agreste de Pernambuco, Jacó resolveu mudar de segmento de maneira radical. Após conhecer um trabalho oriundo de São Paulo, o empreendedor abriu mão de vender pães para implantar uma fábrica de bolas de vinil. Há 50 anos, nascia a fábrica das Bolas Canarinha, na época com 12 funcionários, dois fornos e sete tipos de modelos do produto.

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A primeira sede da empresa foi na Rua Imperial, 1.526, área central do Recife. Posteriormente, mudou-se para a saudosa Rua da Aurora, também no Centro. Hoje, no entanto, o empreendimento está instalado no bairro da Mustardinha, Zona Oeste da cidade, resistindo ao tempo e aos efeitos da tecnologia que trava crianças em frente a celulares, enquanto que as brincadeiras de rua agonizam.

Filho de Jacó e atual dono da fábrica, Edmilson Barbosa recorda com nostalgia da época em que o pai arriscou seus investimentos no negócio de bolas. “A família abraçou a ideia, meu pai sempre foi um grande empreendedor. Saímos do interior e viemos para Recife. Somos pioneiros no Nordeste do Brasil”, diz Barbosa com orgulho. De acordo com o empresário, antes da fábrica pernambucana, as bolas eram trazidas de São Paulo para o mercado local.

Curiosamente, a marca ‘Bolas Canarinha’ surgiu em 1970, dois anos após a inauguração da fábrica. Foi uma estratégia para concorrer com outra bola chamada ‘Pelé’, líder de vendas no período. Inicialmente, a produção era de 5 mil bolas por dia; nos tempos de pico, o ritmo passou para 50 mil redondas diárias. Atualmente, devido à crise econômica que afeta o país e à concorrência do mercado chinês – que passou a produzir bolas para comercializar no Recife -, são fabricadas de 15 mil a 20 mil bolas por dia, dependendo da demanda de clientes.

“Em 70, quando o Brasil foi campeão da Copa do Mundo, surgiu a marca Canarinha. Uma bola que criamos para combater a bola Pelé, produto de vinil que mais se vendia no Brasil. A tecnologia é uma coisa presente em todo o segmento, e desde então a gente faz várias bolas, mais pesadas, mais maneiras, personalizadas, para eventos,  cliente é que diz o que quer. As regiões que mais vendemos são Norte e Nordeste. Temos grandes clientes, podemos citar o Atacado dos Presentes. No Centro do Recife, temos outros vários compradores. Podemos dizer que nossa bola é do povão, mas também estamos sofrendo bastante com a entrada do mercado chinês no Brasil. Para combater isso, investimos em qualidade e ficamos mais próximos dos clientes”, relata Edmilson.

O empresário confessa que a expansão tecnológica entre as crianças ofuscou em certa medida o gosto por bolas. “Prejudica muito. Lá atrás, todo sonho de uma criança era ter uma Bola Canarinha. Hoje, infelizmente, as crianças querem celulares. A bola é importante para o desenvolvimento de uma pessoa, principalmente na parte física. Além disso, com o aumento da população e a construção de prédios, muitos campos de futebol sumiram”, opina o empreendedor.

Hoje, a dúzia de Bolas Canarinha custa em torno de R$ 70 para revenda. No varejo, a unidade sai em média por R$ 8. 

A fábrica possui hoje 45 funcionários, passando para 100 no período de pico que vai de julho a novembro. Para uma bola ficar pronta para venda, o processo de fabricação gira em torno de 40 minutos. O percentual de unidades que se perdem por erros de fabricação vai de 2% a 3% do total.

Questionado sobre qual é o seu maior sonho como empresário, o dono das Bolas Canarinha vislumbra um país mais forte economicamente. “Meu maior sonho é que o Brasil venha a ter boa educação, segurança e trabalho para todo mundo. Antes de tudo, sou um empresário e gosto de trabalhar. O plano das Bolas Canarinha é continuar crescendo e atingindo outros nichos de mercado”, diz Edmilson.

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