Tópicos | Corticoide

O medo por trás das incertezas da Covid-19 fez com que substâncias corticoides também entrassem na lista do tratamento precoce ineficaz autorizado pelo Ministério da Saúde. Porém, especialistas alertam para os riscos neuropsiquiátricos e outros problemas em curto prazo associados ao uso das medicações sem acompanhamento.

Indicadas para tratar processos inflamatórios crônicos, como asma, alergias, artrite reumatoide, lúpus, problemas dermatológicos e oftalmológicos, a Dexametasona e a Prednisona são substâncias corticosteroides. Elas elevam o hormônio cortisol na corrente circulatória, mas nossas glândulas adrenais, localizadas acima dos rins, já o produzem para equilibrar o estresse.

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"Ele contribui para o funcionamento do nosso sistema imune, mantém os níveis de açúcar no sangue e tem certo controle sobre a pressão arterial", explica o coordenador do Laboratório de Neurofarmacologia Experimental da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia, Filipe Duarte.

Perda de neurônios

O risco está nos níveis elevados de cortisol no sangue, que intoxicam o organismo e matam neurônios em áreas sensíveis do sistema nervoso central, como o hipocampo e o córtex pré-frontal. Desse modo, é comum que pacientes apresentem alterações do humor, na cognição, no sono e no comportamento em pouco tempo de uso. Outros efeitos apresentados estão relacionados à osteoporose, glaucoma, aumento de peso, vontade intensa de comer, alterações na tireoide e úlcera péptica.

"Ele (cortisol) acaba promovendo modificações neuronais e induz um processo tóxico, promovendo a morte de neurônios na região do hipocampo do nosso cérebro", pontuou Duarte.

Uso contínuo

Tais reações são potencializadas pelo uso prolongado dos remédios, que adoecem a cabeça ao mesmo tempo que entrega o resultado esperado para a finalidade da prescrição. "A terapia em longo prazo com esses medicamentos tende a induzir, sobretudo, sintomas depressivos, e a bipolaridade também pode estar presente", reforça Duarte.

A coordenadora de psicologia da UNINASSAU - Centro Universitário Maurício de Nassau, a psicóloga clínica Márcia Costa, lembra que a depressão é um distúrbio mental caracterizado pela falta de prazer em viver. "Muitos médicos chegaram a relatar que alguns pacientes desenvolveram quadros neuropsiquiátricos durante o simples tratamento de uma dermatite de contato", relatou a psicóloga.

Psicose e agressividade

O neurologista e professor de medicina da Faculdade Tiradentes, Eduardo Maranhão, assegura que o quadro depressivo pode evoluir para casos de psicose e agressividade. “Surto psicótico seria o momento que o paciente perde as orientações e fica com comportamento delirante, que pode cursar com alucinações auditivas e visuais”, descreveu. Tais adversidades surgem ainda durante o ciclo do tratamento, conforme a vulnerabilidade genética do paciente.

Revertendo as reações mentais

“Tem que ter a consciência que não pode fazer uso por mais de duas semanas do corticoide e, após o período, ele tem que retornar ao médico para fazer o desmame”, acentua Maranhão.

Para reverter o quadro mental, é comum a indicação de controladores de humor e antidepressivos. Contudo, a desintoxicação de cortisol sintético também passa pelo uso dos ‘poupadores’ de corticoide, como o antimetabólito Metotrexato. 

“A gente sempre tenta tirar o corticoide a longo prazo e colocar uma medicação, que você vai fazer o máximo para diminuir a dose”, disse o especialista. “A partir do uso prolongado, ele afetou a via de regulação desse hormônio e, se o paciente retira de vez, é como se organismo da gente ainda não tivesse preparado a produzir esse hormônio”, complementou o neurologista.

A interrupção súbita do uso de corticoides não é adequada, reitera. O método mais seguro passa pela redução das doses, ao mesmo tempo em que o paciente, até mesmo com comorbidades autoimunes, se conscientiza sobre os perigos da susbtância.

Um estudo divulgado pela revista Jama Network mostra que a administração de corticoides em pacientes infectados pela Covid-19 causou a redução da mortalidade daqueles que estavam gravemente enfermos por conta do novo coronavírus. A meta-análise prospectiva reuniu dados de sete ensaios clínicos randomizados, que é quando nem o paciente e nem o médico sabem qual remédio está sendo administrado, avalia a eficácia dos corticoides em 1.709 pacientes em estado crítico causado pela Covid-19.

Os ensaios foram conduzidos em 12 países, de 26 de fevereiro de 2020 a 9 de junho de 2020, sendo a data de acompanhamento final 6 de julho de 2020. Os pacientes foram randomizados para receber dexametasona sistêmica, hidrocortisona ou metilprednisolona (678 pacientes) ou para receber o tratamento usual ou placebo (1.025 pacientes).

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Dos sete ensaios clínicos realizados, cinco relataram mortalidade em 28 dias, um ensaio com mortalidade em 21 dias e um com mortalidade em 30 dias. Houve 222 mortes entre os 678 pacientes randomizados para corticoides e 425 mortes entre os 1.025 pacientes randomizados para tratamento usual ou placebo.

Entre os seis estudos que relataram eventos adversos graves, 64 eventos ocorreram entre 354 pacientes randomizados para corticosteroides e 80 eventos ocorreram entre 342 pacientes randomizados para tratamento usual ou placebo.

O estudo concluiu que nesta meta-análise prospectiva de ensaios clínicos de pacientes criticamente enfermos com Covid-19, a administração de corticoides sistêmicos, em comparação com o tratamento usual ou placebo, foi associada a menor mortalidade por todas as causas em 28 dias.

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