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Desde que o mundo é mudo, as mulheres vêm perpetuando a tradição e o ofício de cuidar dos seus. Quando se tornam mães, é esperado que elas tomem à frente dessa outra vida responsabilizando-se por sua manutenção e continuidade, e assim vem sendo feito desde o início da humanidade. Com o passar das gerações, no entanto, as várias conquistas femininas - passando pelo direito ao trabalho, ao voto e a liberdade sexual e reprodutiva -, modificaram um pouco a maternidade agregando a ela novas funções e características. No entanto, a essência do cuidado materno é algo que não se altera e que pode ser visto e sentido de forma muito significativa e simbólica nos exemplos das grandes matriarcas da cultura popular. 

Cecília Maria de Oliveira, a Dona Cila do Coco, é um desses exemplos. Aos 82 anos de idade, a mestra coquista, não se esquiva de forçar a memória que, segundo ela, já aponta algumas falhas, para compartilhar todo o aprendizado acumulado com as experiências de vida. Neta de uma lavadeira e filha de uma doméstica, a pernambucana teve uma trajetória sem luxos e sem estudos. Foi vítima de violência doméstica, assédio; mas ressignificou suas vivências com a alegria característica que pode ser vista, hoje em dia, nos palcos mundo afora. 

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Dona Cila teve quatro filhos, Michel, Adelson e Aston, o quarto nasceu morto. Nenhum seguiu seu ofício de cantar coco, que ela aprendeu dentro de casa, com o  pai: “A zabumba dele era do bojo da macaíba e eu fui criada assim. Naquele tempo tinha gente que chamava a gente de macumbeira, porque fazia coco”, relembra a mestra; porém, todos sempre a apoiaram e incentivaram a tradição. “Ninguém era contra não, eu cantava, cantei muito depois de Michel - o pai de Michel me abandonou, eu grávida dele, fiquei jogada no vento mas fiquei firme, firme e forte”, diz a mestra.

A vida, que já não era das mais fáceis, não ficou menos difícil após Dona Cila ser abandonada pelo pai de seu primeiro filho. Ela conta ter recebido abrigo na casa de uma irmã e que lá cuidou de vários sobrinhos, além do próprio rebento, porém, precisou deixar o lugar pois era constantemente assediada pelo cunhado. “Foi um sofrimento muito grande, depois eu comecei a trabalhar de garçonete porque não tinha muita instrução, não podia trabalhar num emprego melhor”.

Nessa época, Dona Cila costumava cantar sambas pelos bares do Pátio de São Pedro, na região central do Recife. Lá, foi apelidada de Aurora e além de ganhar uns “trocadinhos” também conheceu o segundo companheiro. Um homem que lhe deu casa e mais filhos, porém, a fez conhecer de perto a violência doméstica. “Era muito ciumento, uma tristeza. Foi muito sofrimento, eu aguentei tudo isso, mas quando ele deu na minha cara eu deixei ele”. 

De volta à casa que havia sido da avó, Dona Cila tocou a vida, cuidando dos filhos, vendendo tapioca e fazendo seu coco. No início dos anos 2000 seus saberes e o seu samba de roda pernambucano começaram a dar frutos. Ela participou de projetos culturais, tocou em palcos importantes como o do Carnaval do Recife,  gravou com a Nação Zumbi, lançou discos - inclusive com a banda belga Think of One, e excursionou pela Europa. 

Com o fruto de seu trabalho, a mestra reformou a casa, ajudou os herdeiros - “negava nada a ninguém não”, faz questão de frisar -; e ‘arrumou’. muitos outros filhos, nascidos e criados a partir da sua cultura, aos que ela carinhosamente chama de “pupilos”, em homenagem ao baterista da Nação Zumbi que leva esse mesmo apelido. São aqueles que a buscam por seu conhecimento, ao qual ela não se nega em repassar. Humilde, Dona Cila diz que não ensina nada a ninguém: “Eles que aprendem e fazem, quando eles não estão fazendo certo eu tenho paciência de ensinar. Bem mãezona mesmo”, diz a mestra.

Gênese

Outra matriarca que dedica sua vida a cuidar dos seus filhos - os cinco “carnais” e os que o destino lhe confiou é Mãe Beth de Oxum. Musicista, comunicadora, gestora do Centro Cultural Coco de Umbigada, mestra coquista e Iyalorixá do Ilê Axé Oxum karê, ela, assim como tantas outras mães, se multiplica em várias para dar conta de todas suas atribuições. 

É na ancestralidade que Mãe Beth busca a orientação que guia o exercício de sua maternidade. Nascida e criada na Barreira do Rosário, bairro periférico de Olinda (Região Metropolitana do Recife), a mestra cresceu em  um “quintal coletivo, sem muros” e guardou ensinamentos preciosos que recebeu tanto de sua mãe, Maria Alice, quanto de outras mães e Iás do candomblé. “Minha mãe era uma bordadeira - como a grande maioria das mulheres negras e afrodescendentes, que trabalham como bordadeiras, empregadas domésticas, lavadeiras, esse era o cotidiano dessas mulheres -, então ela tinha muita paciência. As nossas Iás, nossas mães, têm uma forma mais forte de tolerância, de respeito. Tem tolerância maior, do que você ter que cultuar seu orixá embaixo de uma mesa com uma toalha coberta e cultuar o santo branco em cima da mesa? Era proibido, o Estado entrava na nossa casa pra criminalizar, pra saquear; foi uma estratégia de sobrevivência, isso é resiliência”.

Outro ensinamento que a mestra coquista teve com sua própria mãe foi o do “cuidar”, o qual ela julga como de extrema importância. Mãe de vários filhos, Maria Alice era “enérgica” quando necessário, mas doce e brincalhona e cuidou de toda a prole sem jamais deixar de respeitar suas individualidades. “Me lembro perfeitamente que ela me ensinou a lidar com a diferença, porque você ter 11 filhos não é brincadeira não, tem que saber lidar. Quando a gente cria os filhos, a gente não pode ter privilégios de um em detrimento do outro, a gente aprende, a vida nos ensina, e dividir o amor é muito importante”.

Em uma família tão numerosa, e pobre em recursos materiais, os filhos mais velhos acabam recebendo a incumbência de cuidar dos mais novos. Um sistema que acaba preparando esses indivíduos para a vida além do seio familiar, como frisa Mãe Beth. “É uma tradição das famílias grandes e pobres, porque não tem babá. O menor é cuidado pelo maior. A elite devia aprender com o povo pobre deste país, a gente está sempre cuidando, protegendo um ao outro.  A sociedade ficou doente a partir do momento que se trancou num prédio, quando a humanidade começa a produzir mais do que precisa e começou o patriarcado e a herança, perdeu-se essa lógica do terreiro, dos povos indígenas, de você cuidar da comunidade, dos seus e dos outros. Não importa se o filho é seu ou meu, é nosso! Quando a gente perdeu isso e se fechou dentro de um prédio, a gente perdeu muito”. 

Mães da cultura

Além de cuidar dos filhos gerados no ventre, e também daqueles gerados pela fé e pelo convívio social, essas matriarcas da cultura popular também cuidam de um legado deixado há muito pelos seus ancestrais. São mestras coquistas, cirandeiras, maracatuzeiras, e de tantas outras expressões que detém a responsabilidade de preservar esses saberes e repassá-los para as novas gerações.

Mãe Beth de Oxum, explica que esse dom também é nutrido dentro de casa. “O brinquedo nasce dentro de uma família mas ele se materializa na comunidade, é a comunidade que dá sentido, dá capilaridade, que protege, inclusive contra o Estado, contra a violência policial. Eu acho que a força dessas mulheres está exatamente nisso, de agregar a comunidade, trazer a comunidade para dentro dos terreiros. O terreiro, que é esse espaço de louvação do orixá e da jurema sagrada mas também o espaço do brinquedo, da expressão artística, seja o coco, o maracatu, seja o cavalo marinho, enfim. Esse lugar é um lugar de acolhimento por parte das mães. Essas são expressões artísticas que se aprendem na família, você não aprende isso numa universidade, não aprende na escola, é dentro de casa, passando de mãe pra filho, de avô pra neto; é dentro dessa linhagem familiar, essa linhagem matriarcal. Os terreiros no país são matriarcais. ”.

Sendo assim, a essência feminina e do cuidado materno dentro da cultura popular, em suas mais diversas manifestações, se faz muito presente e determinante. Embora muitos homens ainda sejam protagonistas no meio, é através das mulheres, como diz Mãe Beth de Oxum, que as tradições e saberes têm sua manutenção e continuidade garantidas. São grandes matriarcas como Dona Olga Santana (Nação do Maracatu Estrela Brilhante de Igarassu), Dona Cila do Coco, Dona Glorinha do Coco, Dona Duda da Ciranda, e ela própria, entre tantas outras, que assumem essa função e a exercem de forma bastante orgânica.

Consciente da importância desse verdadeiro ofício, a matriarca do Coco de Umbigada vai além demonstrando como essas experiências poderiam ser transformadoras se abraçadas pela sociedade em maior escala: “Essa experiência de você ser uma ialorixá, ter um terreiro, cuidar de uma comunidade, cuidar das pessoas, é extremamente rica e importante. Começo e termino dizendo que a grande palavra é o cuidar, acolher e proteger. A sociedade tinha que entender essa dimensão do terreiro nessa perspectiva de você acolher o diferente, de você cuidar daquele que não é seu, daquele que você não pariu. O mundo precisa ser governado pelas mulheres. Porque a gente tem esse dom, não é só de parir, é de cuidar e de respeitar as diferenças”. 

Fotos: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

 

A pandemia do novo coronavírus trouxe consequências irreparáveis à sociedade como um todo. Além das mortes e sequelas deixadas em quem passou pela doença, a crise econômica que se instalou no Brasil não poupou nenhum segmento. Os trabalhadores da cultura, primeiros a pararem em meio aos protocolos de segurança, sentiram na pele - e no bolso -, o reflexo da falta de trabalho. Sobretudo os fazedores de cultura popular,  que viram suas condições, geralmente já difíceis, piorarem.

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Para tentar reverter o quadro, várias iniciativas foram se espalhando pelo estado de Pernambuco, Uma delas, focou nos mestres e mestras que detém os saberes da cultura do tradicional coco pernambucano. O Sustenta Pisada tem feito uma campanha de financiamento coletivo, através da internet, para levantar recursos que possam ajudar  esses artistas durante esses tempos. 

Através de uma vaquinha virtual, é possível fazer doações que serão repassadas para 10 mestres e mestras, entre eles, Dona Glorinha do Coco, Mãe Beth de Oxum, Mestre Zé Negão, Zeca do Rolete, Mestra Ana Lúcia e Mestra Biu Baracho. A proposta é contemplar outros griôs da Região Metropolitana do Recife caso a meta de arrecadação seja superada. 

Além disso, para chamar a atenção para a empreitada, e incentivar as colaborações, também foi criado um perfil no Instagram, @sustentapisada. Nas postagens, alguns dos mestres aparecem mostrando sua arte e falando um pouco sobre a campanha.   

Retratando as guerras das famílias Bezerra e Araújo, além de abordar a política no sertão pernambucano, a HQ Luto será lançada neste sábado (18), a partir das 10h, no Museu do Trem, localizado na área central do Recife. 

Os quadrinhos mostram importantes questões, pouco conhecidas da cultura popular pernambucana, e conta com roteiro de Bruno Florêncio, edição de Gabriela Pimentel e ilustrações de Rafael Dantas, Milton Estevam, Téo Pinheiro e Rafael Anderson, que usaram técnicas de xilogravura e outros desenhos em cores. A capa é de J. Borges.

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Durante o lançamento haverá um debate sobre a obra com o roteirista Bj Fogueteiro, professor Bruno Alves, doutor em Educação e especialista em quadrinhos Fábio Paiva, com mediação da museológica Mariza Monteiro, com tradução simultânea para Libras de Diel Moura. Na ocasião, a HQ será comercializada por R$ 20.

Serviço

Laçamento da HQ Luto

Sábado (18)| 10h às 12h

Estação Central Capiba - Museu do Trem (R. Floriano Peixoto, s/n - São José)

Gratuito

O projeto Trocadilho chega a sua segunda edição em 2014. Com o objetivo de trabalhar a dança, teatro e cultura popular pernambucana, a iniciativa está com inscrições abertas até este sábado (15) para artistas-pesquisadores de todo o Brasil, que tenham pesquisas nesta área e desejam participar da programação do II Encontro Prático e Teórico Sobre Pesquisas em Danças Populares, que será realizado no Recife. 

Organizada pela pesquisadora Viviane Souto Maior, a segunda edição do Encontro tem uma programação dividida em cinco dias, de 22 a 26 de abril. Entre as atividades a serem desenvolvidas estão sete aulas espetáculos, duas oficinas, uma mesa redonda e duas exibições de documentários. As atividades são gratuitas.

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De acordo com Hudson Wlamir, produtor do Projeto Trocadilho, serão destinadas de quatro a seis vagas para os pesquisadores inscritos e duas vagas para convidados. Os selecionados, para apresentarem suas pesquisas, receberão cachê de R$ 2 mil.

Inscrições

Até o próximo sábado (15), pesquisadores de todo o Brasil, que tenham trabalhos desenvolvidos na área de dança, teatro e cultura popular pernambucana, podem se inscrever através do e-mail: vivianemaior@ig.com.br. Em anexo, deve ser enviado o currículo completo, release do currículo, carta de intenção, resumo da proposta a ser apresentada (aula-espetáculo ou demonstrações de trabalho), portfólio (contendo clipping referente ao trabalho proposto e no mínimo três fotos); e links contendo vídeos referente ao trabalho proposto.

No assunto do e-mail deve conter: INSCRIÇÃO TROCADILHO - IIᵃ EDIÇÃO. O resultado será divulgado até o dia 24 de fevereiro, na página do facebook . Os selecionados receberão a confirmação através do e-mail e terão até cinco dias úteis para enviar a documentação solicitada.

Selecionados

Os selecionados apresentarão sua pesquisa e farão parte da mesa redonda, além de participar das outras atividades do período da tarde. A seleção não inclui gastos com transportes, hospedagem e alimentação. O horário das atividades do II Encontro Prático e Teórico Sobre Pesquisas em Danças Populares será pela manhã, das 9h às 12h, e pela tarde, das 14h às 17h.

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