Se alguém dissesse há alguns meses que Mohamed Morsi seria eleito presidente do Egito e logo assumiria as rédeas da transição política, enquadrando os militares, provavelmente viraria motivo de chacota na Praça Tahrir. Mais ainda depois que os generais, em junho, dissolveram o recém-eleito Congresso e, a um dia do segundo turno, emitiram um decreto limitando os poderes do futuro presidente.
Mas o improvável ocorreu: o político da Irmandade Muçulmana, sem carisma e ruim de palanque, firmou-se comandante em chefe do Egito. No domingo, Morsi destituiu a cúpula das Forças Armadas, que por seis décadas - e mesmo após a queda do ditador Hosni Mubarak - governou o Egito. Aguardou-se a hora em que os militares dariam o troco. Mas ele não veio.
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Foram para a reserva o marechal Mohamed Hussein Tantawi, ministro da Defesa (cargo que também ocupara sob Mubarak) e ex-comandante da junta militar, e o chefe do Estado-maior, general Sami Annan. As duas funções passaram a ser cumulativamente exercidas por um general mais jovem e tido como leal a Morsi, Abdel al-Sissi.
Os comandantes das três forças também caíram. O ministro da Inteligência e o chefe da polícia nacional - que fez o serviço sujo contra os manifestantes no levante iniciado em janeiro de 2011 - haviam sido demitidos na semana anterior.
Morsi nem mesmo foi a primeira escolha da Irmandade para disputar as eleições presidenciais. Ele entrou no páreo depois que a Justiça eleitoral, leal aos militares, vetou o nome Khairat el-Shater, um dos maiores empresários do Egito e figura querida entre os irmãos muçulmanos.
O primeiro presidente civil do Egito estudou engenharia nos EUA, foi preso pelo governo Mubarak e subiu na hierarquia da Irmandade atuando como burocrata, longe dos holofotes. As pesquisas de intenção de voto antes do primeiro turno colocavam Morsi em quarto ou quinto lugar na disputa - ele ficou de fora dos principais debates na TV.
Ao ser eleito, o político islamista indicou que trilharia o caminho do consenso. Prometeu relações respeitosas com Israel e melhores laços com os EUA. Seu gabinete não tinha nomes incômodos aos militares e várias figuras-chave do antigo regime foram inicialmente preservadas, incluindo Tantawi. Mas a crise na Península do Sinai, desatada após militantes islâmicos matarem 16 guardas egípcios, há duas semanas, chacoalhou o governo e deu ao presidente a oportunidade para derrubar os principais remanescentes da ditadura e reverter o decreto que limitava seus poderes.
"É importante notar que Morsi não pediu aos generais que renunciassem, ele mesmo os demitiu", disse ao Estado Mohamed Elmenshawy, colunista político do jornal egípcio Ashorouk. "E o fato de ter nomeado rapidamente os sucessores deixou mais claro o novo poder do presidente."
A vez dos jovens. Logo após as destituições, o Conselho Supremo das Forças Armadas, que após a queda de Mubarak assumiu o poder no Cairo, emitiu o primeiro sinal de que aceitava as alterações. Em sua página do Facebook, afirmou que se tratava de uma "mudança natural". "A responsabilidade foi transferida a uma nova geração de filhos do Egito", saudou o conselho.
Analistas, então, começaram a debater por que os generais acataram passivamente as ordens do líder de um movimento islâmico que, até pouco tempo, era tratado nas academias militares como a maior ameaça ao Egito.
Em condição de anonimato, um oficial egípcio disse ao New York Times que os generais grisalhos e metidos em política haviam perdido o respaldo dos subalternos mais jovens. Estes, reunidos em torno de Sissi, viam em Morsi a oportunidade de retornar à caserna, conseguindo melhores soldos e equipamento.
Paul Sullivan, estudioso dos militares egípcios da National Defense University, dos EUA, diz que o descontentamento dos quadros mais jovens aparentemente isolou a velha guarda. "Mas há dúvidas sobre a ideologia desses 'novos' oficiais. Eles são vinculados com a Irmandade? São bons estrategistas e economistas?", disse ao Estado.
Outro elemento que contribuiu para a moderação na resposta dos militares foi a forma como Morsi os destituiu, diz Sullivan. "Os generais da cúpula conseguiram postos bons. Tantawi e Annan viraram 'conselheiros' do presidente - algo que demanda pouco, não há muito conselho a ser dado nessas circunstâncias. O ex-comandante da Marinha virou chefe da Autoridade do Canal de Suez, outro general chefiará a companhia de produção de armas."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autores: ROBERTO SIMON