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A crise mundial de saúde causada pelo coronavírus tem alterado as rotinas de pessoas nos quatro cantos do planeta. Com o registro de mais de 200 mil casos - segundo a Universidade Johns Hopkins, que mantém uma contagem em tempo real -, a pandemia tem feito países inteiros se trancarem ‘em casa’ num esforço coletivo para frear a disseminação do vírus. Sendo assim, as mais diferentes atividades estão parando ou quase isso, e na área cultural não poderia ser diferente. 

Em todo o mundo, museus estão fechando as portas aos visitantes, a exemplo do Louvre na França, fechado por tempo indeterminado; feiras literárias, festivais e turnês de música estão sendo canceladas ou adiadas, como o Lollapalooza que adiou as edições do Chile, Argentina e Brasil para o segundo semestre; sem contar nos decretos governamentais, em diferentes países, que proíbem a realização de eventos de médio a grande porte.  Com tantas restrições, a cadeia produtiva da arte e cultura deixa de ser tão produtiva assim e artistas e produtores culturais, sobretudo os que vivem somente de sua arte, começam a se preocupar com a impossibilidade de trabalhar.

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Segundo o secretário de turismo de Pernambuco, Rodrigo Novaes, estima-se que cerca de 90 eventos estão sendo cancelados ou adiados no estado, entre a segunda quinzena de março e o mês de abril. Essa onda de cancelamentos e adiamentos mexe com  toda uma cadeia de economia criativa, uma vez que artistas, técnicos, produtores e outros profissionais ligados a área da cultura ficam impossibilitados de fazer sua renda. 

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O problema chegou sem aviso prévio e deixou os trabalhadores da cultura assustados. Para a produtora cultural Mery Lemos, a crise só comprovou um fato que já é bem conhecido entre a classe: “Os trabalhadores da cultura são os mais vulneráveis em qualquer situação de crise. A sensação é de impotência, mas temos a consciência de que vai passar e voltaremos mais fortes”. A cantora e compositora pernambucana Marília Parente também se assustou com a ‘avalanche’ e demonstra preocupação em relação não só a si própria mas como à sua equipe e demais colaboradores. “Isso tudo aconteceu muito rápido e a gente que trabalha com eventos, produz os eventos com muita antecedência, como manda a boa produção. Fora que quando a gente cancela um evento tem toda uma cadeia de pessoas que são afetadas. Eu tenho músicos que agora financeiramente têm a condição de não tocar nesse show porque não vai faltar comida pra eles, e tenho músicos que precisam se alimentar, que vivem só de música, que são autônomos, que não têm uma CLT pra fazer quarentena. Quarentena é pra quem tem, na melhor das hipóteses, carteira assinada e a empresa é muito boa e liberou, mas pros artistas, muitos são autônomos e acabam vivendo de bilheteria, no caso os independentes”. 

A própria Marília chegou a cogitar manter um evento de pequeno porte, que seria nesta semana, preocupada com a rentabilidade de sua equipe. Mas, com o desdobramento da situação no Recife, achou mais prudente optar pelo cancelamento. No entanto, como a cantora menciona, alguns artistas dispõem de uma situação mais confortável para lidar com uma crise como essas. É o caso da cantora Letícia Letrux, que chegou a comentar o assunto em suas redes sociais. Ela adiou toda sua agenda de apresentações de março e abril, totalizando o cancelamento de sete shows. "Do alto do meu recente privilégio em viver de arte, me vejo no olho de um furacão, e vocês sabem, o olho do furacão é até calmo. Com sorte, mãe e pai abençoados, economias de uma caprina, consigo dizer que mesmo não fazendo shows há um tempo, consigo sobreviver dois, três meses sem fazer show. Muitos e muitas terão problemas. Isso me preocupa", postou em seu Instagram. 

Igualmente preocupado está o cantor e compositor pernambucano Juvenil Silva.Vivendo exclusivamente de sua música ele já está na produção de um show a ser apresentado via redes sociais, para poder gerar alguma renda. “Eu, se passar dois meses sem tocar, sem fazer eventos, eu não pago aluguel nem boto o cuscuz com ovo na mesa. É uma questão que quem não trabalha com cultura e arte pode até não entender, certamente não vai entender 100%. Se eu não sair e captar uma grana, a gente não come, não vive, não paga boletos. Em breve eu vou fazer um show, vou vender pro Brasil todo, inclusive para outras cidades que estão com  uma quarentena maior. Vou fazer um show live para quem pagar um ingresso normal que eu cobro geralmente por aqui, entre R$ 15 e R$ 20. Então a pessoa vai pagar e ter acesso a esse show que eu estou montando”. 

Cachê

A preocupação dos trabalhadores da arte anda emparelhada com a enfraquecida política cultural do país. Na contramão desse cenário de apreensão, a Alemanha tem prometido assistência financeira a artistas afetados pelos cancelamentos que também estão acontecendo por lá. Através de um comunicado, a ministra da cultura do país, Monika Grütters, assegurou o suporte aos profissionais da área informando que será elaborado um plano de assistência financeira sobretudo à instituições menores e artistas independentes. 

Por aqui, alguns músicos já pensam em recorrer à gestão municipal e estadual para tentar reverter a situação solicitando o adiantamento de cachês, especialmente os de shows realizados no Carnaval de 2020. “A gente tá querendo ver com o pessoal da prefeitura de Olinda, pra gente sentar e bater um papo pra tentar ver o aceleramento do pagamento do cachê do Carnaval que seria um alívio momentâneo para uma grande parcela de pessoas envolvidas com a produção de evento - e não são poucas, tem técnicos de luz, som, roadies, produtores, motoristas, iluminadores. E que a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado do estado também olhem pra cadeia produtiva da música e aceleram esses pagamentos porque é uma forma de suprir essa ausência de trabalho que só Deus sabe quanto tempo vai durar”, diz Rogério Rogerman, vocalista da banda Bonsucesso Samba Clube. 

Roger, que também cancelou um show de seu projeto solo por precaução, pensa em elaborar algumas lives durante o tempo de quarentena. Além disso, o artista pretende aproveitar a falta de shows e apresentações para criar coisas novas. Em tempo, ele deixa um recado: "É importante q o governo se mobilize para essa cadeia, óbviamente que o foco agora é a saúde e a população mais pobre, mais vulnerável, porém, a cadeia produtiva precisa ter apoio do estado porque são milhares de pessoas que estão perdendo sua capacidade de fazer dinheiro, o estado não pode simplesmente virar as costas." 

O que dizem as gestões

Procurados pelo LeiaJá, o Governo do Estado e as prefeituras do Recife e Olinda comentaram sobre a possibilidade de adiantamento de cachês e prestação de auxílio aos artistas locais. A Prefeitura de Olinda afirmou: "Acreditamos que quase nenhum Município dispõe de recursos para implantar algum tipo de auxílio financeiro para artistas. O Governo Federal sim. Dispõe de recursos e vamos inclusive encaminhar a proposta para a União". No entanto, confirmou que o prefeito Professor Lupércio já determinou que as equipes de análise de prestação de contas do pós-evento agilizem a tramitação dos processos. Estimamos que no mês de abril iniciaremos os pagamentos".

O Governo do Estado colocou que não só a cultura como o turismo, o setor de serviços e o comércio "todos eles têm recebido uma atenção do núcleo que envolve a tomada de decisões". Além disso, afirmou estar na fase de prestação de contas e liquidação de despesas para a realização de pagamentos dos cachês do Carnaval 2020. "São cerca de 600 processos de contratação e esse rito de pagamento precisa ser respeitado conforme a legislação"; e ressaltou que os projetos aprovados nos editais do Funcultura permanecem com sua execução garantida. 

Já a Prefeitura do Recife, explicou que "foi criado um Grupo de Trabalho, formado por seis secretarias, para enfrentamento das consequências sócio-econômicas das medidas restritivas dos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Contingência da Covid-19. Este Grupo de Trabalho está elaborando um Plano de Mitigação focado nos impactos da renda dos trabalhadores informais e autônomos, caso dos artistas. As medidas para mitigação serão anunciadas".

Mas, e agora?

Com a crise aumentando a  cada dia, devido à rápida multiplicação de casos de Covid-19 e a necessidade de se praticar o isolamento social, os artistas dependem, como nunca, do apoio do público. Verdadeiras campanhas já estão sendo compartilhadas pela internet sugerindo algumas alternativas para que os fãs possam ajudar. Algumas delas são ouvir as músicas nas plataformas de streaming, compartilhar os trabalhos com os amigos, comprar produtos de merchandising como camisetas e bonés, e não solicitar ressarcimento de compra de ingressos para eventos que tenham sido adiados, como tem pedido a própria Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape). Embora o período peça o máximo de reclusão das pessoas, a rede de solidariedade e empatia pode acontecer através das ondas da internet. Como diz o recado de Rogerman: “A gente precisa unir forças”

Imagens: Reprodução/Instagram

 

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