Em casa, Eduardo passa por readaptação. (Cortesia)
##RECOMENDA##“Onde é que eu estou?”. Quando finalmente os efeitos dos primeiros sedativos deram uma trégua, o autônomo Eduardo Silva não ouviu a voz da esposa ou o choro dos filhos. Ao abrir os olhos, a solidão do teto branco do Hospital de Campanha dos Coelhos, no centro do Recife, conforme explicou um vizinho de leito, só era preenchida pelo vaivém apressado de médicos e enfermeiros. Em pensar que uma simples distribuição solidária de marmitas para moradores de rua, regada a justos abraços e fotografias, poderia ter colocado sua vida nas mãos de um inimigo invisível. O novo coronavírus, que lhe parecia tão distante na tevê, então aparentava vencer a batalha a cada inspiração. “A médica ligou para minha esposa, disse que meu quadro estava muito difícil”, lembra Eduardo. Em 30 dias de internação, entre UTI e enfermaria, ele deixou partir, em seu lugar, um outro homem. “Nasci de novo, com valores diferentes”, completa.
Morador do pequeno bairro do Porto da Madeira, localizado entre Beberibe e Cajueiro, na Zona Norte do Recife, Eduardo admite que demorou a levar os sintomas a sério. Primeiro a tosse seca, que evoluiu para falta de ar, acompanhada por incômodas dores no corpo e febre. “Procurei um hospital perto de casa, a [Policlínica e Maternidade Professor] Barros Lima, em Casa Amarela, mas tinha muita gente na minha frente, aí fui na ‘upinha’ da Praça do Trabalho. Lá, passaram uma medicação e me mandaram voltar para casa”, lembra. Os medicamentos em questão, Dipirona e Tilenol, não melhoraram o quadro. “Procurei a upinha de Linha do Tiro, onde me receitaram azitromicina e amoxicilina, que também não adiantaram, e me mandaram voltar para casa”, completa Eduardo.
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Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco (SES-PE) informou que o médico tem autonomia para escolher o tratamento do paciente. “O paciente pode ou não ter comorbidades e as medicações variam de acordo com esta gravidade”, informa a nota.
Depois da sucessão de medicamentos infuncionais, Eduardo passaria a desenvolver a forma grave da Covid-19. “Voltei para a upinha quando já estava ‘nas últimas’. Me colocaram em uma maca e transferiram para o hospital de campanha de Campina do Barreto, onde passei apenas um dia. No final da tarde, fui transferido para o Hospital de Campanha dos Coelhos, ainda em abril”, lembra.
Experiência no Hospital de Campanha
São muitas as razões que mantém qualquer noção de tempo bem distante das portas de um hospital de campanha. Médicos e enfermeiros trabalham por até seis horas sem ir ao banheiro ou beber água, para não descartar máscaras e outros equipamentos de proteção. Pressa e paciência convivem juntas no esforço para salvar vidas. Cada instante pode ser o último de alguém ou, em outros casos, durar uma eternidade. “Passei 17 dias apagado, entubado na UTI e o restante [do total de 30 dias] na enfermaria. Acho que fui o paciente que deu mais trabalho aos enfermeiros. Eu estava muito nervoso, ficava tentando puxar meu tubo. A médica ligou para minha esposa e perguntou: ‘ele é brabo assim mesmo?’”, conta Eduardo.
Eduardo elogia atendimento dos profissionais de saúde do Hospital de Campanha dos Coelhos. (Júlio Gomes/LeiaJá Imagens)
Era por telefone, aliás, que os profissionais de saúde atualizavam a família de Eduardo a respeito de seu quadro. “É muito difícil, porque a gente está acostumado a acompanhar um paciente no hospital, mesmo dentro de uma UTI podemos ver nossos familiares por alguns minutos. Apesar disso, para mim foi muito reconfortante receber diariamente ligações dos médicos que acompanharam ele, me passando todos os detalhes”, lembra a dona de casa Marcela Moreira, esposa de Eduardo. De acordo com ela, a equipe de saúde também demonstrava preocupação com a situação da família. “Perguntavam se eu estava mentalmente bem, porque essa é uma doença que afeta não só o paciente, mas também a família. Foram muito atenciosos”, completa.
Distante da família durante um mês, Eduardo lembra que, diante das mortes ao redor, não havia outra opção que não fosse se concentrar na própria sobrevivência. “Vi o corpo de um senhor de cerca de 60 anos sendo carregado em uma maca. Tive uma sensação de impotência, poxa, o cara estava ali na mesma situação que eu e morreu. Eu só pedia a Deus proteção para sair daquele hospital e cuidar da minha família”, lamenta.
Por telefone, Marcela acompanhava diariamente o quadro do marido. (Cortesia)
“Um milagre”
“A primeira ligação que recebi quando Eduardo saiu da UTI e foi para a enfermaria foi a da nova médica que iria acompanhar o caso dele. Ele chorava enquanto lia o prontuário: ‘ele é um milagre’, me disse”, relata Marcela. Quando o tratamento na enfermaria foi concluído e dois exames apontaram para a cura clínica de Eduardo, ele recebeu alta do hospital, de onde saiu aplaudido de pé pelos profissionais de saúde. No dia 22 de maio, o retorno ao lar também foi festejado por vizinhos, amigos e familiares. “Estou me acostumando a estar fora do hospital ainda com dificuldades para dormir e tomando dois remédios, com acompanhamento médico. Para as pessoas que não acreditam na gravidade dessa doença, peço que se resguardem. Eu não desejo o que passei para ninguém”, alerta Eduardo.
Em recuperação e sem poder trabalhar, ele agora está recebendo o Auxílio Emergencial do governo federal, além da ajuda financeira de parentes para sustentar a esposa e um dos três filhos. Apesar disso, ele evitar pensar no futuro. “Vivo um dia de cada vez e procuro não pensar na dificuldade. O que eu tenho para dizer é que a gente deve se apegar mais com as coisas que são importantes na vida, como a família, que, por muitas vezes, a gente deixa de dar atenção. Ganhei uma nova chance de viver”, conclui.