Sabe uma coisa que me deixa puto da vida? Pisar em chiclete. Putzgrila! Estava na rua e, enquanto ouvia animadamente o novo álbum do Megadeath, piso em um chiclete. “Droga!”, penso eu. “Sabe de uma coisa? Não deve existir nada tão chato quanto pisar em um chiclete”. Mas há! Mais à frente, sigo distraído, cantando junto com o David Mustaine, quando em uma esquina piso em uma (acreditem!) merda de cachorro. E aqui vai um aviso a todos os donos de cachorros e cadelas por aí: recolha os dejetos do seu animal. Isso faz bem para o resto dos animais que estão zanzando pela rua. Pois é. Fétido, envergonhado e com os dois sapatos grudando no chão e fazendo aquele sonzinho desgraçadamente enervante (nheco-nheco, nheco-nheco) segui para casa, com uma única certeza: “Jesus! Não há nada mais terrível do que pisar em merda de cachorro depois de ter pisado em um chiclete”. Não sei quem Diabos (ou Jesus) me escutou pensando, mas algo lá no meu íntimo me fez ouvir: “Filho, olhe que há!” Tal qual não foi minha surpresa quando minutos depois, ao chegar à minha casa, vejo todos reunidos em frente à TV assistindo a um programa de um canal aberto? Tirei meus sapatos, levei ao quintal e, por curiosidade, passei a acompanhar por alguns minutos o que se passava na sala.
No ar a novela Sangue Bom, da Rede Globo. Os olhos vidrados na tela de meus companheiros de casa provavam o franco interesse de todos por aquilo que estava sendo exibido. Havia risos no final de uma piada (?) mega engraçada (??) de um ator (???) super famoso (????) do folhetim. Havia comoção, da primeira à quarta cena, na qual o mocinho e a mocinha olhavam-se felizes e beijavam-se brindando à felicidade, que no script já tem hora para ser ameaçada, talvez até acabar, mas voltar à tona no começo do último mês da trama. Havia milhares de diálogos auto-explicativos (e mais um, mais um, mais um e mais um), centenas de pessoas que falavam sozinhas, tramando planos diabólicos frente às câmeras, numa quebra da quarta-parede idiota e talvez nem percebida por público, ator e, quiçá, diretor. Havia erros crassos na montagem, coisas absurdas como o ator que entra na cena com a manga arregaçada e sai com a manga solta. Quebras de eixo, cortes sistemáticos de plano fechado para plano fechado quase idêntico, movimentos de câmera ininteligíveis (o que é isso? Um tilt? Uma pam? O que é isso meu Deus?), sem contar a nada forçada atuação de mais da metade do elenco e a mais forçada ainda trilha sonora, ostentando os maiores vendedores de disco do país. Pense lá na qualidade…
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Nós não somos soberbos, nem nada. Nem quero que pensem que somos, porque não somos. Somos pessoinhas legais como todo mundo. Mas é fato que tudo anteriormente mencionado aqui é perceptível no acompanhamento de apenas alguns minutos de uma bost… Quer dizer, um episódio de novela qualquer. E não digo uma novela isolada, como Sangue Bom, por exemplo. É qualquer novela. Se na emissora mais rica a coisa já é preta assim, se acompanharmos as produções da TV do bispo, é pedir para ele levar o dízimo, o trízimo, mas nos livrar de dois minutos de Rebelde (que graças a Deus, santa ironia, não passa mais). Voltando aos meus companheiros de casa, o que mais me impressionou foi o fato de que, ao encerramento dos quase sessenta minutos de trama todos saíram felizes, regozijados e satisfeitos, como se houvessem assistido ao melhor programa de suas vidas. Um historiador, uma pedagoga, um engenheiro da computação, um educador físico e uma socióloga se convenceram de que o que viram foi suficientemente bom e gustativo, ou seja, atingiu o que eles esperavam em termos de produção audiovisual, reproduzida e consumida na TV aberta.
Foi neste momento que tive o insight para o que me proponho a fazer aqui. Gostaria de, a partir de hoje, pensar no que o nosso povo anda vendo por aí. Não sei se apenas eu sinto uma grande ponta de pesar quando escuto dados do IBOPE afirmando que uma massiva e absoluta maioria dos televisores nacionais ficam o dia estacionados em programações vazias de conteúdo, tendenciosas, preconceituosas, religiosas (o dia inteiro rezando o terço: nouussa, que massa, hein?), de vendas de animais (canal do boi é paixão, eu sei), enfim, pobres de algo que leve a nossa sociedade a algum lugar ou que tenha capacidade, ao menos, de entreter com qualidade o pré-adolescente birrento que resolve ficar até tarde assistindo televisão. Vai ver o quê? A Fazenda? Programa do Ratinho? Pé na Cova? Eu sou mais meus dois pés enfiados um no chiclete e outro na merda, do que um dos meus olhos fixos nessa praga que contamina nossos pais, nossos filhos, nossos amigos, e se dermos bandeira (não duvide) pode acabar nos contaminando também. Sabe por quê? Porque a Xuxa fez um pacto com o Diabo. O Didi também. A Globo sacrifica animais a Belzebu antes de todas as novelas para que garantam a audiência. A Zona Aberta tem mensagens subliminares.
Ok, é muito provável que essas histórias sejam apenas lendas contadas para que as ovelhas dos bandos religiosos não troquem a igreja pelo sofá em frente à TV num sábado à noite, por exemplo. Mas de fato, o efeito que esses produtos audiovisuais (de baixa qualidade e calão) têm sobre o nosso povo, sem distinção de classes sociais, já que um certo desembargador, cujo nome não posso divulgar por motivos de vergonha, declarou-me ser fã de Carrossel e Amor à Vida, é uma coisa que até Deus duvida, e o Diabo se alegra, claro. Porque o capiroto deve gostar da desgraça alheia e é o que causa a exposição excessiva de indivíduos à coisas como Pânico na Band ou pérolas que virão a ser observadas de modo particular posteriormente, como o programa Balanço Geral, de São Paulo. Temos tão pouco tempo na Terra e é frustrante ver tanta gente perder horas e horas à fio, vendo mulheres de biquíni em um estúdio, num domingo à noite, enquanto alguém tenta emular um apresentador (já ruim) de um programa (também ruim) de uma outra emissora (pior ainda), com o objetivo de ter graça pela depreciação do próximo e pela violência à figura humana.
Teremos muita coisa a conversar e a compreender, nesta Zona Aberta, de nossa sociedade e de aonde chegamos, ou partimos, em nossa relação com o audiovisual. Afinal, se temos uma das três TV’s mais ricas do mundo, porque também não podemos ter – o que estamos longe – uma das três melhores programações televisivas do mundo? Quem é mesmo que se alegra por sermos conhecidos internacionalmente por nossas novelas? Eu? Lá fora mais alguém com o mínimo de bom senso, como você, caro leitor, está olhando para o episódio de Sangue Bom e dizendo: “Meu Deus, por que os brasileiros não enfiam o pé na merda em vez de fazer algo como isso?”