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*Por Alice Albuquerque e Jameson Ramos

"Eu sou bem sincera e como mãe de Miguel não estou satisfeita com o tempo de prisão que foi dado", disse Mirtes Renata, mãe do menino Miguel, em pronunciamento oficial nesta quarta-feira (1º), após a sentença de oito anos e seis meses de Sarí Corte Real. "Por mim, teria prisão perpétua", ressaltou Mirtes.

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Sarí Corte Real foi condenada a oito anos e seis meses de prisão pela 1ª Vara dos Crimes Contra a Criança e o Adolescente da Capital pelo crime de abandono de incapaz com resultado em morte, com as agravantes de cometimento de crime contra a criança em ocasião de calamidade pública. A decisão, dada na terça-feira (31), diz que a acusada vai cumprir a pena inicial em regime fechado, mas ainda tem o direito de recorrer em liberdade. 

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De acordo com a mãe de Miguel, que declarou não estar satisfeita com o resultado, a pena máxima que Sarí poderia pegar era de 12 anos. "Meus advogados vão recorrer. O que não me deixa muito satisfeita é essa questão dela poder correr em liberdade, o que está na lei, mas essa lei não é cumprida para todos. Ela teve esse privilégio de poder recorrer em liberdade". 

Mesmo abalada e apesar do resultado, Mirtes comemorou uma das grandes vitórias que envolvem a morte do filho. "O que aconteceu ontem é parte da nossa vitória. A gente só vai estar satisfeito mesmo quando Sarí estiver atrás das grades. Essa é a justiça que eu quero. Não só Sarí condenada, mas Sarí presa atrás das grades. Ela não é diferente, tem que estar lá também". 

-> Mirtes não está satisfeita com tempo de condenação de Sarí

"Quero agradecer as pessoas que me deram força na campanha enviando e-mail para a Vara da Infância cobrando a sentença de Miguel, isso foi muito importante para que a gente pudesse estar aqui hoje e ter a sentença. Que vocês possam continuar comigo até o fim, porque a gente não pode deixar o caso de Miguel cair no esquecimento", lembrou. 

Renata convidou, ainda, a população para participar de um ato em memória aos dois anos da passagem de Miguel. O ato acontecerá na Ponte da Boa Vista, mais conhecida como Ponte de Ferro, no centro do Recife, às 7h. 

O advogado de acusação de Mirtes, Rodrigo Almendra, chamou atenção para as "inverdades e maldades" que foram ditas a Miguel por Sarí e sua defesa. "Ora lhe atribuindo a expectativa de indivíduo auto-tutelável aos cinco anos de idade, que é um processo de adultização, ora lhe etiquetando como criança endiabrada, tinhosa, maldita. A condenada tentou desqualificar a educação recebida por Miguel". 

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A advogada do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) na assistência da acusação, Maria Clara D'Ávila, informou que vão seguir "acima de tudo, lutando pela preservação da memória de Miguel, que é o que mais importa neste momento, e lutando para que esse discurso da defesa seja, por fim, extinto, e Mirtes e sua família consiga seguir em luto, finalmente". 

Ativista e representante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), os quais Mirtes também integra, Mônica Oliveira pontuou que a condenação de Sarí é um marco histórico. "O Brasil não é um País onde se costuma ter esse tipo de resultado nesses processos. A condenação marca um caso que vem sendo tratado por nós como um caso emblemático. A morte de Miguel não foi um caso simples, incidente. É importante que isso seja reconhecido". 

Retrospectiva do caso Miguel 

No dia 2 de junho de 2020, Mirtes Renata Santana perdia o seu único filho, o menino Miguel Otávio Santana da Silva, que caiu do 9º andar do Edifício Pier Maurício de Nassau, mais conhecido como "as torres gêmeas", no Centro do Recife. O garoto morreu com apenas cinco anos de vida.

No momento do acidente, Miguel ficou com Sari Corte Real, então patroa de Mirtes, para que a empregada doméstica fosse passear com o cachorro dos patrões. Segundo investigações da polícia, enquanto Mirtes Renata andava pelo prédio com o animal, o seu filho queria encontrá-la.

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Imagens de câmeras de segurança mostram o garoto correndo e entrando sozinho no elevador de serviço. A patroa aparece nas filmagens aparentando conversar para que Miguel Otávio saísse do local. Sem sucesso, ela aperta um botão antes de abandonar a vítima sozinha no elevador. 

A perícia confirma que Miguel foi do 5º ao 9º andar só. No hall do nono andar, a criança vai até a área onde ficam peças de ar-condicionado, escala a grade de proteção e cai de uma altura de 35 metros. Ele não resistiu aos ferimentos. 

Na portaria do prédio para pegar uma encomenda, Mirtes soube que alguém caiu. Ao chegar no local se depara com o seu único filho ensanguentado no chão. Ela disse na época que quando pegou o filho nos braços ele ainda dava sinal de vida, mas no Hospital da Restauração, para onde ele foi socorrido com a ajuda de Sarí Corte Real, a vítima não resistiu aos ferimentos e morreu pouco tempo depois de dar entrada.

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A patroa chegou a ser presa em flagrante na época da morte, acusada de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. No entanto, ela foi liberada após pagar fiança de R$ 20 mil. 

Em julho de 2020, depois de 30 dias de um processo de investigação com 452 fases e 21 pessoas ouvidas, o inquérito do caso foi concluído pela polícia. À época, o delegado Ramon Teixeira anunciou que Sari seria indiciada por abandono de incapaz. 

A primeira audiência de instrução e julgamento de Sari Corte Real foi realizada no final de 2020, na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente. Por conta do crime, a acusada poderia pegar até 12 anos de prisão.

Nesta última terça-feira (31), Sarí Corte Real foi condenada a oito anos e seis meses de prisão pelo crime de abandono de incapaz com resultado em morte. Por decisão do juiz e titular da Vara, José Roberto Bezerra, Sarí vai cumprir a pena inicial em regime fechado, mas ainda tem o direito de recorrer em liberdade.

Na tarde desta segunda-feira (16), um protesto que leva o nome de “Ato-xirê contra o racismo religioso” está marcado para acontecer no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife (PE). Os manifestantes farão uma caminhada ao longo do Túnel da Abolição, onde um mural pintado pelos artistas negros Adelson Boris, Emerson Crazy e Nathê Ferreira foi alvo intolerância religiosa praticada por um pastor evangélico.

A mobilização é capitaneada pela Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), em conjunto com outros grupos do movimento negro, e visa cobrar posicionamento dos órgãos públicos frente ao episódio classificado como um exemplo de racismo religioso.

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O painel “Do Orum ao Aiye: Afrika Elementar” foi feito com incentivo da Secretaria-Executiva de Inovação Urbana, que através do projeto “Colorindo o Recife” passou a criar galerias de arte a céu aberto com a participação de artistas. A obra, inaugurada em julho, reflete elementos da cultura e religiosidade afro-brasileiras, funcionando como uma espécie de memória ancestral cartografada na cidade.

“É muito triste essa impunidade”

Ainda durante o mês de julho, o pastor Aijalon Berto, que atua na área de Igarassu (PE), na Região Metropolitana do Recife (RMR), usou as redes sociais para divulgar um vídeo, em tom impositivo, no qual proferiu ofensas aos artistas que compuseram a obra no Túnel da Abolição.

Apoiado no pressuposto da laicidade religiosa e da liberdade de expressão, Berto fala em “bruxaria” e “portal demoníaco” ao citar a obra, além de associar os orixás - divindades cultuadas nas religiões de matriz africana e afro indígena - à “feitiçaria”. O pastor usa ainda imagens dos autores do mural para incitar o discurso de ódio.

Para Nathê Ferreira, grafiteira e uma das artistas atacadas pela fala do líder religioso, além da violência presente no vídeo, há também o desejo de autopromover-se através da propagação de notícias falsas. A fala da artista reforça que “ele [Aijalon Berto] insistiu para que o argumento dele chegasse onde queria, e, inclusive ele inventou coisas que não existem”.

Embora o objetivo do mural seja ilustrar os elementos ar, terra, ar e água, o modus operandi do pastor foi apresentar informações inverídicas sobre as pinturas, associando todo o trabalho às representações de matriz africana. No vídeo, Berto chegou a inventar uma entidade inexistente.

“Por que isso não dá em nada? Por que ele não é preso? Por que ele não paga indenização a nenhuma das vítimas? É muito triste essa impunidade”, desabafou Nathê, que durante a fala também compartilhou o medo que o episódio de racismo trouxe. Os artistas estão recebendo apoio jurídico para levar o caso adiante.

Injúria racial ou racismo?

Segundo Priscila Rocha, integrante do setor jurídico da Articulação Negra de Pernambuco, que está acompanhando o caso, a intenção dos advogados à frente do processo é tipificar as declarações do pastor Aijalon Berto como racismo. Os profissionais estão atuando de maneira voluntária.

“O que acontece na maioria dos casos é que todo esse racismo contra uma pessoa ou contra uma religião de matriz africana e toda sua cosmologia é reduzido a injúria racial, que é um crime de competência privativa e exclusiva a um afeto próprio, um afeto particular. Quanto ao crime de racismo, ele é voltado a uma coletividade”, explicou Rocha.

O objetivo da assessoria jurídica das vítimas é apresentar uma "notitia criminis”, ou “notícia crime” para embasar a denúncia. “A partir dessa notícia crime, que vai reunir todas as representações sobre o caso, dos movimentos sociais, dos partidos políticos, dos movimentos negros, vai acontecer a apresentação à delegacia responsável pelo caso e para Ministério Público [MPPE], solicitando que uma investigação seja aberta e também que se faça a oitiva, ou seja, a ouvida das pessoas que foram ofendidas e do ofensor”.

Além disso, também haverá uma representação na esfera cível solicitando a retirada do conteúdo publicado pelo pastor das redes sociais, sob pena de multa, já que veiculam as imagens dos artistas de maneira não autorizada pelos mesmos. A advogada ressalta ainda que o grupo jurídico solicitará indenização por danos morais e materiais aos representados.

“Não vimos nos Evangelhos Jesus perseguir pessoas de outra religião”

Em nota, o Movimento Negro Evangélico (MNE) em Pernambuco afirmou que “repudia veementemente a publicação e postura de propagação ao racismo, ódio e desrespeito às tradições de matriz africanas à profissionais negras e negros da área do grafite, perpetrada pelo dito então pastor Aijalon Berto na sua página pública no Instagram”.

“O Evangelho vivido e ensinado pelo Mestre Jesus Cristo aponta para o caminho do respeito à dignidade e liberdade humana: A 1ª Carta de João 4.12-21 diz que aquele que diz que ama a Deus, mas odeia seu irmão é mentiroso. Não vimos nos Evangelhos Jesus perseguir pessoas de outra religião. Pelo contrário, Jesus admoestava e denunciava as condutas hipócritas dos da sua própria religião. Jesus não falava contra outras religiões ou profissões de fé”, continua a nota.

Para Jackson Augusto, Integrante da coordenação nacional do MNE, a importância do posicionamento diante do mais recente episódio é “dizer que existe uma outra forma de construir a experiência da fé evangélica que não seja baseada no racismo, que vai construindo a lógica em toda a sociedade, inclusive na religão, e que olha para tudo que pertence ao povo negro, que tem o protagonismo negro, como ruim, como feio, como profano, como diabólico”.

“Existem sim formas de olhar para a fé evangélica e de construir a fé evangélica de uma maneira não só que tolere o diferente, o outro, mas que também promova e valorize a importância das religiões de matriz africana para a construção da negritude brasileira”, completou.

O que diz a Secretaria-Executiva de Inovação Urbana

A equipe do LeiaJá questionou a Secretaria de Inovação Urbana sobre o futuro do projeto “Colorindo o Recife”, já que no dia 2 de agosto, de acordo com o Diário Oficial, o secretário da pasta, Tullio Ponzi, foi exonerado do cargo.

Nós também perguntamos se a saída de Ponzi da pasta tem alguma relação com a polêmica gerada em torno do caso de intolerância religiosa. Confira a resposta da secretaria:

A Secretaria Executiva de Inovação Urbana do Recife informa que o painel do Túnel da Abolição, no bairro da Madalena, é mais uma das intervenções do programa Colorindo o Recife, que está ressignificando áreas e equipamentos públicos da cidade por meio da arte urbana.

A proposta do programa é fazer da capital pernambucana uma grande galeria de arte a céu aberto, trazendo mais cores e vida para a cidade e promovendo o protagonismo dos artistas urbanos. A Secretaria destaca ainda que os painéis do Túnel da Abolição foram criados pelos artistas Adelson Boris, Nathê Ferreira e Emerson Crazy, que escolheram a cultura afrobrasileira como inspiração. Os temas abordados em cada painel são frutos de uma construção colaborativa entre a Prefeitura e os artistas.

Todos os artistas do Colorindo o Recife são selecionados a partir de cadastro realizado através de chamamento público e terão sua liberdade de expressão asseguradas pela gestão.  A administração municipal reafirma sua posição contra a intolerância religiosa e em defesa da diversidade.

O programa Colorindo o Recife foi criado em 2013 e, desde 2017 se tornou política pública da cidade, fomentando a arte urbana e promovendo interação com os espaços públicos, reinventando o olhar de turistas e moradores da capital pernambucana. Criado sob a gestão da então Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer (Seturel), atualmente a iniciativa está sendo desenvolvida pela Secretaria Executiva de Inovação Urbana e já conta com intervenções artísticas em mais de 200 espaços urbanos da cidade desde sua criação.

A Secretaria Executiva de Inovação Urbana esclarece ainda que o Colorindo o Recife segue com suas atividades normais e que o ex-secretário foi exonerado, a pedido, conforme publicado no D.O, sem qualquer relação com o episódio citado.

 

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