Tópicos | Comunidade Via Mangue

No último dia 12 de dezembro, a comunidade Via Mangue, localizada na Vila Santa Luiza, no bairro da Torre, no Recife, foi atingida por um incêndio que destruiu cerca de 80 barracos. O incêndio chamou a atenção também para a parte não atingida da comunidade, que havia sido vítima do mesmo incidente em fevereiro deste ano.

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) pretende agora convocar o prefeito do Recife, Geraldo Julio, e secretários para dar explicações. “Certamente eles serão chamados para depor e dar explicações porque não tomaram providências visando evitar a reocupação do local”, explica o promotor Ricardo Coelho.

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O promotor se refere a uma recomendação do MPPE expedida na época do incêndio de fevereiro. No texto, Ricardo Coelho solicitava que fossem removidas as construções irregulares às margens do Rio Capibaribe e que a prefeitura realizasse a inclusão dos moradores em programas sociais de habitação e assistência social. 

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Na época, máquinas foram contratadas para derrubar os barracos que estavam sendo reerguidos ou haviam sobrado parcialmente. Algumas famílias, entretanto, construíram rapidamente a casa e não permitirem que ela fosse derrubada.  O próprio promotor, entretanto, desconhecia o fato de que a área de 200 barracos atingidos já estava toda levantada novamente e disse ter sido informado oficialmente pela prefeitura de que a mesma havia tomado providências para impedir o retorno dos moradores ao local.

No dia 8 de dezembro, o MPPE havia se reunido com secretarias da prefeitura como de Mobilidade e Controle Urbano, Meio Ambiente, Saúde, além da Guarda Municipal e Polícia Militar. O tema era justamente a comunidade em Santa Luzia e a discussão de como fazer a remoção das famílias – quatro dias depois, parte da comunidade foi atingida pelo fogo. 

“Essa recomendação permanece vigente. Não pode ser tolerado pela prefeitura o retorno à área pública e de rigorosa proteção ambiental. Se a prefeitura permite esse retorno, ela está incorrendo em ato de improbidade, o que é crime”, pontua Coelho.

O promotor ainda tentou convocar as secretarias para uma audiência na mesma semana do incêndio de dezembro, mas o encontro não aconteceu. Ele contou que, mesmo assim, a questão vem sendo debatida entre os promotores da área de habitação e meio ambiente. “É uma situação muito complicada. Não é só tirar e deixar na rua, tem que dar o auxílio no primeiro momento”, ele opina.

A secretária de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Recife, Ana Rita, afirmou no dia do incêndio que as famílias atingidas em fevereiro já estão recebendo o auxílio moradia. Algumas pessoas da comunidade, entretanto, discordavam da afirmação, alegando que apenas uma parte recebe a quantia.

Um morador que teve a casa atingida em fevereiro já reconstruiu uma nova moradia e desta vez quase que perdia o imóvel outra vez. “Estava complicado morar na casa da minha mãe. O pessoal começou a voltar e aí eu voltei também. Alguns venderam os barracos, mas eu preferi ficar”, disse. No mesmo barraco, moram ele, a companheira e duas crianças.

O LeiaJá entrou em contato com a prefeitura, que não respondeu mesmo o prazo para resposta tendo sido estendido pela reportagem. Abaixo, seguem as perguntas feitas: 

1- Por que a ocupação foi reerguida? Se a prefeitura respondeu que havia seguido a recomendação como ela está de pé novamente?

2- A prefeitura sabe qual é a situação desses moradores? São novas famílias que aproveitaram o terreno praticamente vazio ou as mesmas que voltaram?

3- Qual é a situação de inclusão das famílias atingidas pelo incêndio de fevereiro em programas habitacionais? Todos estão recebendo auxílio? Há alguma definição de habitacional que eles devem ser encaminhados?  Um morador disse que só metade recebeu, vocês sabem dizer quantas famílias de lá estão recebendo o auxílio?

4- Visto que a ocupação está de pé em um local de risco e de preservação, a prefeitura pretende fazer algo? Pretende retirar essas famílias? Qual é o prazo para a prefeitura tomar a medida que pretende?

Vigas de madeira formam o esqueleto da estrutura – geralmente as vigas são de tamanhos diferentes, precisando do apoio de tijolos para o nivelamento. Em seguida, há um envelopamento pouco cuidadoso com pedaços de madeira dos mais diversos tamanhos. A coberta é de telhas de fibrocimento, as populares telhas Brasilit. Uma porta na entrada, uma privada na quina do único cômodo. Em questão de minutos, toda essa construção pode virar cinzas, como puderam presenciar os moradores da comunidade Via Mangue, na Vila Santa Luzia, no bairro da Torre, Zona Norte do Recife, no dia 3 de fevereiro deste ano.

A Defesa Civil ainda está fazendo cruzamento de informações para confirmar quantos barracos foram destruídos no incêndio. No dia do fato, o secretário-executivo da Defesa Civil, Cássio Sinomar, disse que “muito mais de 50 barracos foram atingidos”. A fundadora do Centro de Ensino Popular de Assistência Social de Pernambuco Santa Paula Frassinetti (Cepas), Elza Nira da Silva, acreditava que as chamas destruíram aproximadamente 200 barracos.

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A comunidade Via Mangue é extensa – 550 famílias, segundo Elza Nira -, e o fogo destruiu apenas um trecho. Aonde o fogo não chegou, apesar de todos os riscos, famílias continuam vivendo nos barracos, com mesmas condições de moradia das pessoas que viram suas casas desaparecerem em minutos.

“Eu tenho medo de que tenha um novo incêndio, mas não tenho para onde ir. A gente tem medo que alguém chegue aqui e toque fogo, mas a gente tem que ir arriscar”, diz o autônomo Edvaldo José de Oliveira Neto, 31 anos, que hoje tem como vista um terreno de cinzas. “Já passava pela cabeça que podia pegar fogo aqui”, complementa. Mesmo que sua casa tenha sobrevivido, Edvaldo teve a geladeira e o fogão furtados na confusão.

O medo constante está presente também no discurso do morador Willian da Silva, 48. “Quem mora em comunidade já vive 24 horas na tensão de um incêndio”, comenta. Mais uma vez, apesar do medo, ele resiste. A casa de Willian, ao contrário das demais, era de alvenaria e conseguiu ficar de pé. Neste momento, sua moradia se destaca no centro de um local formado de restos incinerados da comunidade.

Antes das chamas do dia 3 de fevereiro, a comunidade Via Mangue já havia escapado de outras possíveis varrições. “O primeiro princípio de incêndio que eu lembro foi em junho do ano passado. Pegou fogo nuns dois barracos, o pessoal parece que estava bêbado, mas deu para a gente apagar. Mas por quê? Por causa da época que era chuvosa. E a segunda vez, eu estava trazendo material para casa, e no começo da favela, lá na frente, começou a dar um curto por cima dos telhados, pegou fogo, mas conseguimos apagar”, recorda Willian da Silva. 

A vendedora Ana Paula, 37, também perdeu a casa. No dia seguinte, ela já havia construído outra no mesmo ponto. “Peguei R$ 200 emprestado com meu irmão, comprei R$ 100 de madeira e R$ 100 das telhas. No outro dia, minha filha conseguiu uma porta”, relata. Ana diz não ter mais medo. “Eu acho que se o pessoal vir morar aqui de volta vão ter mais cuidado, porque viram o fogo que deu”, opina.

Para o morador Rosalvo Ney, 34, companheiro de Ana Paula, do jeito que a situação está, com poucas casas isoladas,  não há perigo. “O único barraco que tem aqui é o meu, o dele [Willian da Silva] e uns mais distantes. Se o fogaréu atingisse não ia prejudicar nem ele e nem eu, então a gente não está com aquele medo que a gente tinha”, explica.

A Polícia Militar e a Prefeitura do Recife têm aparecido na comunidade e impedido a construção de novas estruturas. O promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Ricardo Coelho, também recomendou que o município remova as construções irregulares às margens do Rio Capibaribe, mas que também inclua os moradores em programas sociais de habitação e assistência social. “A administração municipal deve atuar imediatamente a fim de evitar que os moradores voltem a construir casas nos locais atingidos pelo incêndio, garantindo a proteção dos direitos fundamentos da dignidade da pessoa humana e do meio ambiente equilibrado”, disse o promotor na recomendação. 

De acordo com os moradores da comunidade, estruturas que estavam sendo levantadas ou que estavam sem ninguém foram derrubadas. A Willian da Silva, teriam dito que não havia o que fazer já que sua casa estava de pé. Já Ana Paula implorou para não perder o barraco. “Eu disse ‘se forem passar o trator, eu me deito aqui e vocês passam por cima de mim”, aí eles disseram que não iam derrubar barraco com gente dentro”, lembra Ana Paula.

Para o major Edson Marconi, do Corpo de Bombeiros, viver em uma comunidade como a Via Mangue é estar rodeado de perigos de incêndio. “Há uma desorganização inicial na construção dos imóveis, não obedecendo uma distribuição geográfica lógica por ruas e quadras com afastamento entre imóveis. Esses locais são labirintos. O ar não circula de forma adequada e o fogo se expande”, salienta. 

Entre os riscos que o major destaca estão os materiais utilizados nas construções de barracos, como papelões e plásticos, altamente combustíveis; gambiarras, que geralmente são feitas com fios de pequeno calibre, que podem superaquecer; utilização de forno à lenha ou sistema de botijão de gás com mangueira ou registro fora do prazo de validade. “Há uma cultura religiosa muito grande nesses locais mais humildes e há a colocação de velas no pé do santo. Essas velas podem cair e iniciar um princípio de incêndio”, ressalta Marconi.

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Déficit habitacional – A Comunidade Via Mangue também já teve outro nome. Em 2008, parte da Comunidade Abençoada por Deus foi transferida para o Conjunto Habitacional Abençoada por Deus, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife. Naquela época, segundo a Secretaria de Habitação do Recife, viviam na comunidade 849 famílias, tendo sido transferidas 428 para o conjunto habitacional e 421 sendo inscritas no programa de auxílio-moradia. 

A Secretaria de Habitação contabiliza um déficit habitacional de aproximadamente 60 mil moradias na capital pernambucana. A expectativa é que 1206 unidades – 11 conjuntos habitacionais – sejam entregues até o final da gestão do prefeito Geraldo Julio (PSB), que termina no fim deste ano.  Até o momento, em mais de três anos de gestão, o prefeito entregou 594 unidades, distribuídas em sete habitacionais: Santo Antônio, no Arruda (128 unidades); Felicidade, em Água Fria (40 unidades), Beberibe 1, em Porto da Madeira (27 unidades), Conjunto R4, em Dois Unidos (oito unidades), Conjunto R17, em Porto da Madeira (35 unidades) e Pilar, no Recife Antigo (36 unidades). Ou seja, em seu último ano de mandato, Geraldo precisará entregar mais casas do que a quantidade entregue nos três anos anteriores.

Atualmente, as famílias que disseram ter sido atingidas pelo incêndio estão na casa de parentes e amigos ou em dois abrigos da Prefeitura do Recife. De acordo com a Secretaria de Habitação, ficou acertada a realização de um cadastramento social na área. Para isso, está sendo feito um cruzamento de dados entre o cadastro feito após o incêndio pela Defesa Civil e um outro já existente, realizado pela Autarquia de Saneamento do Recife (Sanear). O levantamento estaria sendo acompanhado por lideranças dos moradores e deve ser concluído em breve.  

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Após uma manhã desesperadora na Comunidade Via Mangue, dentro da Vila Santa Luzia, no bairro da Torre, Zona Norte da capital, moradores pedem doações. Na quarta-feira (3), um incêndio de grandes proporções atingiu os barracos da localidade e muitas famílias conseguiram salvar apenas a roupa do corpo e alguns documentos.

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De acordo com a ONG Centro de Ensino Popular de Assistência Social de Pernambuco Santa Paula Frassinetti (CEPAS), 550 famílias viviam na comunidade. Depois do incêndio, algumas famílias se mudaram para casa de parentes e quem não tinha para onde ir foi levado a abrigos da Prefeitura do Recife. 

No abrigo localizado na Travessa do Gusmão, no bairro de São José, 99 pessoas estão alojadas, sendo 51 crianças e 48 adultos. No segundo abrigo, no Engenho do Meio, Zona Oeste do Recife, são 50 adultos e 14 crianças. 

Na Travessa do Gusmão, as condições são precárias – com muitas moscas e um depósito de lixo ao lado - e as famílias já cobram o auxílio moradia para poderem alugar uma casa. Eles pedem a doação de roupas, repelentes, materiais de higiene e fraudas. Nos abrigos eles recebem acolhimento, alimentação e hospedagem.

Outro ponto que está recebendo a doação é a sede do CEPAS, localizada na Rua Souza Bandeira, sem número, na Vila Santa Luzia. “Estamos precisando de kits de higiene, colchão, alimentos e roupas”, explica Elza Nira da Silva, líder da ONG. O telefone do local é o 3226-0231.

A Defesa Civil contabiliza a doação de 400 cestas básicas e 600 colchões. Nesta manhã, profissionais da Defesa Civil fizeram a contagem de barracos atingidos. “Vamos fazer uma análise com o número de cadastrados, para que as pessoas que realmente merecem o auxílio não deixem de receber”, explica o secretário executivo da Defesa Civil Cássio Sinomar. 

“Queremos o auxílio moradia para alugar uma casa e viver como todo mundo vive. Se não voltamos para barracos de novo”, explica Priscila Eduarda, 22, faxineira e uma das moradoras da comunidade Via Mangue. “Quem mora em favela já sabe que um dia vai haver um incêndio”, ela lamenta.

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