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Entre os objetivos de Vladimir Putin ao invadir a Ucrânia, reduzir o déficit populacional da Rússia parecia um dos principais. O país vive uma crise demográfica desde o fim da União Soviética. Mas, se Putin vislumbrava ganhar mais habitantes com as anexações de territórios, o resultado foi o oposto. Hoje, a economia russa tem uma perspectiva sombria, com fuga da mão de obra qualificada e a morte de jovens que poderiam estar no mercado de trabalho.

Um levantamento da revista The Economist mostra que, com a mortalidade durante a pandemia, as baixas da guerra e a fuga de cérebros durante a mobilização militar, a Rússia perdeu entre 1,9 milhão e 2,8 milhões de pessoas entre 2020 e 2023. Essa projeção não envolve o encolhimento natural da população, resultado de uma taxa de natalidade baixa e de mortalidade alta.

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No ano passado, Putin anexou por decreto quatro províncias ucranianas: Luhansk, Donetsk, Zaporizhzia e Kherson. Em fevereiro, um deputado russo anunciou que Moscou forneceu 770 mil passaportes para pessoas que vivem na contestada região de Donbas.

Além disso, há relatos de que mais de 19 mil crianças ucranianas foram raptadas e levadas para a Rússia. A estratégia não é nova. Ao tomar a Crimeia, em 2014, a Rússia incorporou 2,4 milhões à sua contagem nacional, elevando sua população para 147 milhões.

Força de trabalho

"O impacto da baixa fertilidade na economia vem depois, quando o tamanho da força de trabalho não é grande o suficiente para suportar o tamanho da população que está envelhecendo", alerta Sunnee Billingsley, especialista em demografia da Universidade de Estocolmo.

Putin já vinha tentando nos últimos anos compensar o problema da baixa fertilidade na Rússia com trabalhadores migrantes da Ásia Central. A Rússia colhe hoje o impacto da baixa fertilidade após o colapso da União Soviética. "Desde então, não nasceram crianças suficientes para se juntar à força de trabalho depois de adultas", explica Billingsley. Mas o plano não foi suficiente e agora os migrantes dos quais muito dependia a economia russa desapareceram por causa da guerra.

No fim de 2022, Putin ordenou a elaboração de medidas para aumentar as taxas de natalidade e a expectativa de vida na Rússia. Nos últimos três anos, a expectativa de um homem russo de 15 anos caiu quase 5 anos, para o mesmo nível do Haiti.

Mas, poucos dias depois da determinação de Putin, veio o anúncio do Ministério da Defesa de que a idade em que os homens russos seriam recrutados para o serviço militar obrigatório passaria de 18 para 20 anos e o limite máximo de idade para recrutamento passaria de 27 para 30 anos.

"Isso significa que jovens seriam convocados após obter seus diplomas universitários e especialistas treinados seriam retirados do mercado de trabalho para ter suas habilidades anuladas pelo serviço militar", explicou o analista russo Andrei Kolesnikov, em artigo publicado pelo centro de estudos Carnegie Endowment for International Peace.

Segundo o analista, há uma grande discrepância entre esses dois objetivos. "Se os homens vão para a guerra ou emigram em massa, em vez de procriar, de onde virão os filhos?", questiona em seu artigo. O efeito no mercado de trabalho também será grave. O recrutamento em uma idade tão produtiva suga a força de trabalho de uma economia que já deve perder de 3 a 4 milhões de pessoas de 20 a 40 anos até 2030 (em comparação aos dados demográficos de 2020).

"Seria um erro pensar que isso não afetaria os indicadores qualitativos e quantitativos do PIB russo, da renda familiar e da qualidade do capital humano. Há uma segunda guerra em curso em casa."

Algumas das razões para os problemas demográficos da Rússia refletem uma dinâmica histórica: o número de mulheres em idade reprodutiva está caindo e a idade média em que as mulheres têm filhos está aumentando continuamente em populações urbanas, bem-educadas e modernizadas, com tendência a ter menos filhos, como explica Kolesnikov.

Guerra

Billingsley, que também é diretora de Estudos de Doutorado do Departamento de Sociologia e da Unidade de Demografia da Universidade de Estocolmo, afirma que a Rússia precisaria que as famílias tivessem dois filhos para compensar minimamente as perdas. "Seria desastroso se o compromisso das mulheres russas em ter o primeiro filho também enfraquecesse como resposta à guerra", disse. "Mas Putin tem o poder de promulgar políticas e espalhar propaganda que poderiam muito bem aumentar a taxa de natalidade."

A Rússia tem algumas das taxas mais altas de conclusão da educação entre os maiores de 25 anos, mas o êxodo de jovens com diploma pode anular essa vantagem. Segundo dados do Ministério das Comunicações, 10% dos trabalhadores - na maioria, homens jovens - deixaram a Rússia em 2022.

Nascimentos

Kolesnikov cita o diretor do Instituto de Demografia da Escola Superior de Economia da Rússia, Mikhail Denisenko, que projetou que um ano de serviço militar para os 300 mil homens mobilizados em setembro e outubro de 2022 significará 25 mil nascimentos a menos.

Esse número pode aumentar significativamente como resultado da emigração, do declínio de longo prazo nas taxas de natalidade e novas mobilizações de reservistas. Nesse contexto, sanções impostas pelo Ocidente podem levar o país à recessão e a uma turbulência econômica duradoura, que pode fazer com que as pessoas adiem ou até desistam de ter filhos. "A invasão (da Ucrânia) foi uma catástrofe humana - e não apenas para os ucranianos", conclui a Economist.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

No Brasil, a Covid-19 tem deixado rastros preocupantes nos índices demográficos. A pandemia alterou a qualidade de vida da quase totalidade da população, assim como aumentou taxas de mortalidade e diminuiu as de natalidade. São menos bebês nascendo. Aproximadamente 300 mil a menos só em 2020.

Segundo expectativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estavam previstos 2,9 milhões de nascimentos no ano passado, que chegou a pouco mais de 2,6 milhões. As projeções foram feitas por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE, à correspondente da BBC News no Brasil.

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Alves explica que essa redução deve se aprofundar ainda mais neste ano, porque os adiamentos de gestações provavelmente continuaram ao longo do ano passado e do primeiro semestre deste.

"A pandemia provocou uma queda na natalidade no mundo inteiro", diz. "Quem pôde adiar a maternidade, no caso de casais jovens, adiou. (...) Mesmo que tivesse havido mais sexo (entre pessoas quarentenadas em casa), hoje em dia existe uma separação entre sexo e reprodução. Houve muito medo de a mulher grávida ficar doente, medo de o hospital estar sobrecarregado. Basta adiarem-se 20% dos nascimentos para haver um impacto grande na taxa de natalidade”, explicou o pesquisador ao jornal.

Esse impacto já foi sentido em 2020, de gestações possivelmente adiadas logo nos primeiros meses do ano. Enquanto houve em 2019, quase 2,8 milhões de bebês nascidos no país, no ano passado esse número caiu para pouco mais de 2,6 milhões, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil. Considerando que a projeção do IBGE era de que o Brasil teria 2,9 milhões de bebês nascidos no Brasil em 2020, o país teve, na prática, 300 mil bebês a menos do que o esperado.

O aumento no número de divórcios (15% a mais apenas no segundo semestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019) e a queda no número de casamentos também contribuem para menos concepções de bebês.

Vale lembrar que esse fenômeno não é inédito: por exemplo, quando eclodiu a epidemia de síndrome congênita da zika em bebês, entre 2015 e 2016, também houve um recuo momentâneo na natalidade do Brasil, diante do medo das mulheres em engravidar. A expectativa, prossegue Diniz Alves, é de que, passado o coronavírus, a taxa de natalidade brasileira volte aos patamares anteriores à pandemia, na casa dos 2,8 milhões de bebês por ano.

Diniz Alves analisou o comportamento da população brasileira no último ano e meio e identificou fatos importantes - alguns deles inéditos em um país que cresce sem parar desde que foi colonizado pelos europeus, cinco séculos atrás. Confira as demais observações:

Crescimento da população bem menor do que o previsto

Antes de a pandemia eclodir, o IBGE havia projetado que o Brasil veria sua população aumentar em 1,574 milhão de pessoas no ano passado. No entanto, diante da baixa na taxa de natalidade, das mortes por covid-19 e da sobrecarga do sistema de saúde, o país terminou 2020 com 1,159 milhão de pessoas a mais, segundo o Portal da Transparência do Registro Civil.

"Portanto, a grosso modo, podemos dizer que o impacto da pandemia foi reduzir o crescimento populacional em 415 mil pessoas em 2020", explica Diniz Alves.

Isso deve se intensificar neste ano: com ainda mais mortes por covid-19 do que no ano passado e menos nascimentos, "o Brasil deve ter 1 milhão de pessoas a menos do que estava previsto nas projeções do IBGE para 2021", prossegue o demógrafo.

Brasileiros vivem quase dois anos a menos do que antes

Em entrevista à BBC News Brasil em abril, a demógrafa Márcia Castro, professora da Faculdade de Saúde Pública de Harvard (EUA), apontou que a pandemia fez o brasileiro perder quase dois anos de expectativa de vida em 2020.

Em média, bebês nascidos no Brasil em 2020 viverão 1,94 ano a menos do que se esperaria se não tivesse havido a pandemia. Ou seja, 74,8 anos em vez dos 76,7 anos de vida anteriormente projetados.

A queda interrompe pela primeira vez um ciclo de crescimento da expectativa de vida no país que havia se iniciado em 1945, quando nossa esperança de vida era de 45,5 anos em média.

Será que essa queda na expectativa vai ser revertida no pós-pandemia? José Eustáquio Diniz Alves explica que alguns demógrafos acreditam que sim; outros, como ele, são mais céticos.

Há um alto número de brasileiros infectados com o coronavírus - mais de 19 milhões de pessoas -, e uma parcela deles pode sofrer da chamada covid longa, que são as complicações de longo prazo na saúde provocadas pela covid-19.

Esse impacto da covid longa na mortalidade é que vai influenciar se os óbitos vão voltar aos patamares anteriores, pré-pandemia, ou continuar a sofrer as influências dela, opina Diniz Alves.

Um possível impacto sobre a transição demográfica

Mesmo antes da pandemia, a população brasileira já estava em transição demográfica e tornava-se cada vez mais envelhecida - ou seja, está diminuindo a proporção de crianças e jovens enquanto aumenta a proporção de adultos idosos.

As projeções indicam que, por volta de 2047, as curvas de natalidade e de óbitos vão se encontrar. É a partir daí que a população brasileira deve começar a encolher: vai nascer menos gente do que vai morrer anualmente.

A covid-19 antecipou momentaneamente esse fenômeno, explica Diniz Alves, embora a expectativa é de que esse impacto da pandemia seja temporário, mas tudo depende de como e quando o vírus será controlado.

"O efeito da pandemia é conjuntural, mas pode manter os óbitos elevados e a natalidade mais baixa, dependendo do pós-pandemia - se ela acabar de vez, é uma coisa. Se (a covid-19) virar algo endêmico, daí o efeito na população pode ser mais permanente", afirma o demógrafo.

RJ e RS: os Estados onde a população chegou a encolher

Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, os Estados com maior proporção de população mais velha, registraram mais mortes do que nascimentos entre janeiro e maio de 2021. Foi uma variação breve e temporária - decorrente do pico de mortes por covid-19 -, mas muito importante: trata-se da primeira vez que isso acontece na história do país.

"É uma grande e inédita novidade para a demografia brasileira, (...) que tem uma história de 521 anos de crescimento demográfico contínuo e ininterrupto", escreveu Diniz Alves em artigo.

Eis os dados: segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, o Estado fluminense teve 79.038 nascimentos e 79.570 óbitos de 1° de janeiro a 29 de maio deste ano. Ou seja, houve uma redução vegetativa de 532 pessoas no período, explica o demógrafo. No Rio Grande do Sul, foram 53.832 nascimentos no período, e 54.218 óbitos. Na ponta do lápis, uma população com 386 pessoas a menos.

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