A Focal Confecções e Comunicação Visual recebeu R$ 3,2 milhões de forma irregular da campanha presidencial de 2014 de Dilma Rousseff (PT) e pode ter sido usada para desvios de recursos eleitorais, informa laudo pericial contábil do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O documento anexado na ação de investigação eleitoral de cassação da chapa Dilma e Michel Temer (PMDB) será compartilhado com investigadores das operações Lava Jato e Custo Brasil. As duas forças-tarefas apuram corrupção e lavagem de dinheiro em negócios da Petrobras e via Ministério do Planejamento, respectivamente, em benefício do PT.
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"A empresa não possui controles adequados para subcontratação de empresas, deficiências nos registros contábeis e não apresentou documentos hábeis a comprovar que os produtos e serviços contratados pela chapa presidencial eleita em 2014 foram integralmente produzidos e entregues à campanha, não afastando, nessa hipótese, desvio de finalidade dos gastos eleitorais para outros fins que não o de campanha", concluíram quatro peritos contábeis do TSE, que analisaram gastos com gráficas da campanha de reeleição de Dilma.
Segundo maior fornecedor da campanha petista em 2014 - com recebimento de R$ 24 milhões, atrás apenas do marqueteiro João Santana, R$ 70 milhões -, a Focal pertence a Carlos Roberto Cortegoso. O empresário é investigado pela Polícia Federal e Ministério Público Federal nas duas operações - na Custo Brasil, ele é réu - por suposta ocultação de propinas. Indicativos de pagamentos sem causa e sem comprovação na disputa eleitoral em 2014 podem ajudar as apurações criminais, que buscam mais provas de que pagamentos de fornecedores de campanhas e dos partidos foram usados para lavagem de dinheiro.
Inconsistências
Os dados contábeis do TSE permitirão aos investigadores criminais o rastreio de possíveis valores ilícitos movimentados por Cortegoso, em favor do PT. "A análise da perícia contábil no fornecimento de bens e serviços da empresa Focal Confecção e Comunicação Visual Ltda à chapa presidencial eleita em 2014 apresentou inúmeras inconsistências", registra o laudo, que é de 22 de agosto, e está anexado à Ação de Investigação Judicial Eleitoral, 1943-58, do TSE.
Os peritos identificaram cinco frentes principais de problemas: pagamentos sem prestação de serviços, que podem ter servido para desvios de recursos; lançamento de nota fiscal que não foi registrada na prestação de contas da chapa presidencial, mas com contabilidade de recebimento em espécie pela empresa; registro de venda de materiais impressos de publicidade com quantia superior à entregue; problemas com subcontratações, comprovações de serviços; e incompatibilidade de valores lançados.
O documento tem 221 páginas e 16 anexos e foi elaborado pelos contadores Eron Junior Vieira Pessoa , Alexandre Velloso de Araújo, José Carlos Vieira Pinto e Thiago José Rodrigues de Queiroz.
Desvio
Um dos problemas destacados no pente fino feito na contabilidade da Focal é o pagamento de R$ 591 mil pela campanha sem a prestação de serviços e registrados como valores em espécie que entraram na conta da firma. A operação pode ter servido para desvio de recursos, destacam os contadores.
Foram identificadas quatro notas fiscais canceladas de serviços não prestados à campanha, porém remunerados pela chapa presidencial e registrados na contabilidade da Focal como pagamentos recebidos em espécie. "Ou seja, a empresa foi remunerada pela campanha por um serviço não prestado", concluem os peritos.
"Contabilmente, o cancelamento posterior das notas, sem o correspondente registro de estorno ou de devolução dos recursos, pode representar uma simulação de prestação de serviços, a fim de justificar o recebimento de recursos, em espécie ou por meio de conta bancária", informa o documento do TSE.
Subcontratações
Outro apontamento de interesse às investigações criminais é sobre as subcontratações feitas pela Focal. "A documentação fiscal apresentada pela Focal não comprova a efetiva e inequívoca prestação dos serviços e materiais produzidos na campanha presidencial em sua integralidade."
"Importa ressaltar que a Focal remunera suas subcontratadas por um valor muito inferior àquele que foi cobrado da chapa presidencial eleita em 2014. A Focal cobrou da campanha presidencial R$ 5,1 milhões em bens e serviços que foram subcontratados a outras empresas por R$ 1,5 milhão", informa o laudo.
PT
O crescimento da Focal acompanha a ascensão do PT no poder. No fim dos anos 1990, Cortegoso, um ex-garçom de São Bernardo, montou uma empresa de produção de camisetas e material de campanha. A Focal, que atualmente presta serviços ao PT, foi aberta em 2005 e tem sede em um galpão, no ABC paulista. Ela sucedeu a Ponto Focal, usada até aquele ano para prestar serviços ao partido. A empresa está registrada em nome da filha e de um funcionário, mas é de Cortegoso.
A partir de 2003, o negócio cresceu rapidamente e ele virou o principal fornecedor do partido. Os primeiros negócios suspeitos com o PT surgiram em 2005, quando Cortegoso e a Focal foram citados pelo publicitário Marcos Valério na CPI dos Correios como destinatários de dinheiro de caixa 2 do mensalão. Os membros da comissão concluíram que a empresa teria recebido R$ 300 mil do esquema.
Mesmo alçado ao centro do - até então - maior escândalo do PT, Cortegoso não teve problemas para continuar como fornecedor do partido. Em 2006, na campanha à reeleição de Lula, o partido pagou R$ 3,9 milhões à Focal. Quatro anos depois, na primeira campanha de Dilma, os gastos do partido com a empresa quase quadruplicaram, chegando a R$ 14,5 milhões.
Desde a disputa de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, ele virou o principal fornecedor de estruturas de palanques e materiais de campanha, como faixas, placas e banners.
Incompatível
Apesar da Focal ser a empresa mais conhecida de Cortegoso, é outra empresa dele que aparece como peça central nas apurações criminais: a CRLS Consultoria e Eventos. Na Operação Custo Brasil, ele é réu por movimentação de propinas no esquema que identificou desvio de mais de R$ 100 milhões em empréstimos consignados de servidores federais, via esquema montado no Ministério do Planejamento pelo PT.
Conhecido como "garçom de Lula", por ter trabalhado como garçom em São Bernardo e ser ligado à família Demarchi, de amigos do ex-presidente, Cortegoso usa na Focal maquinário da CRLS e movimenta dinheiro entre as duas firmas.
Relatório da Receita Federal revelou que, entre 2010 e 2014, a CRLS Consultoria e Eventos movimentou quase R$ 50 milhões de créditos e débitos - um quinto do valor declarado de receita bruta no período. Os investigadores suspeitam de contabilidade "atípica" e caixa 2 com recursos provenientes do PT e de esquemas de propinas na Petrobras e no Ministério do Planejamento.
"A CRLS, segundo a Receita Federal, movimentou em suas contas cerca de R$ 25 milhões de entrada (crédito) e R$ 24 milhões de saída, mas declarou receita bruta de menos de R$ 10 milhões", afirmam procuradores da República da Custo Brasil.
Embora a CRLS não conste da prestação de contas da campanha de Dilma, a empresa atuou por intermédio da Focal. Investigadores da Custo Brasil e da Lava Jato verificaram que as duas empresas integram um mesmo negócio. Elas compartilham equipamentos e movimentam recursos, mostram relatórios da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Documento da Custo Brasil sobre contas de Cortegoso e das empresas registra ocorrências suspeitas como depósitos e saques em espécie "que apresentam atipicidade em relação à atividade econômica", "movimentação de recursos incompatível com o patrimônio" e "movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros".
A CRLS, alvo principal da Custo Brasil, foi aberta em 2009, um ano antes de Cortegoso comprar sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, preso pela Lava Jato por tomar empréstimo de R$ 12 milhões para o PT, em 2004. A transação também está sob investigação.
Defesa
Cortegoso foi procurado, por meio de seu advogado Marcio Decresci, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem. Em outra ocasião, ele negou ilícitos nas movimentações financeiras de suas empresas.
Já a defesa da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff contesta o laudo do TSE. Segundo o advogado Flávio Caetano, os peritos "não realizaram" todos os procedimentos de investigação necessários sobre os serviços de gráficas, como análise de documentos indispensáveis, realização de diligências e vistorias necessárias.
"Ao considerar o laudo pericial como insuficiente, incompleto e impreciso, a defesa de Dilma Rousseff requereu ao TSE que nova perícia contábil seja realizada e considere as 8 mil páginas de documentos juntadas aos autos e não examinadas pela perícia anterior."
O laudo divergente foi apresentado ao TSE e sustenta que as gráficas efetivamente prestaram serviços e que todo material foi entregue, com registros. O parecer contábil da defesa tem mais de 8 mil páginas, em 37 volumes de documentos.
"Após a análise de mais de 8 mil documentos, disponíveis em fontes abertas, e que não foram apreciados pelos peritos do TSE, o Parecer Contábil Divergente comprovou que os serviços contratados com as empresas Focal, VTPB e Red Seg foram devidamente prestados, inexistindo qualquer suspeita de que tivesse havido desvios de valores", informa a defesa.
O TSE negou nova perícia nesta sexta-feira e considerou a medida protelatória.
O advogado da campanha informou ainda que a Focal presta serviços de montagens de palanques e comícios em todo o País e que foi contratada formalmente e que realizou os serviços da forma combinada, com preço de mercado.