Autoimune e incurável, a doença celíaca ou intolerância ao glúten traz dificuldades à alimentação dos portadores – não só pelo desconhecimento de grande parte da população a respeito dos sintomas e do tratamento, mas também pela escassez de produtos livres da proteína, presente em cereais como trigo, cevada, aveia, malte e centeio. A falsa impressão de que a doença só aparece durante a infância também prejudica os pacientes, surpreendidos com a enfermidade durante a fase adulta.
Segundo a nutricionista Danielle Barros, a intolerância ao glúten é genética e pode ser desencadeada em qualquer fase da vida. A doença surge porque, ao consumir alimentos que contenham a proteína, as vilosidades do intestino – já predispostas à doença – sofrem processo de inflamação e, por isso, não conseguem absorver os nutrientes do que é consumido.
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De acordo com informações da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), 1% da população mundial tem a doença e, dentro desse percentual, poucas pessoas já receberam o diagnóstico feito por um médico. No Brasil, existem associações dos portadores da doença principalmente nas regiões Sul e Sudeste. No Nordeste, a Fenacelbra conta com representações somente nos estados da Bahia e de Alagoas. Em Pernambuco, não existe uma associação ou um espaço físico destinado aos celíacos.
Diagnosticada há dois anos, Alice França é uma das administradoras de um grupo numa rede social em que pernambucanos que têm a doença conversam para tirar dúvidas e trocar ‘figurinhas’. Segundo Alice, a comunidade foi criada pela necessidade de troca de experiências a nível local. “Existe um grupo nacional, o Viva sem Glúten, em que os membros postam novidades todos os dias. Senti que as pessoas de Pernambuco queriam se organizar também e trocar experiências por aqui”, conta.
Cerca de 650 membros participam da comunidade e já chegaram a se encontrar pessoalmente para discutir sobre a doença em agosto de 2013. "Na internet, trocamos experiências, receitas e dicas de produtos e de lojas que vendam produtos livres de glúten, já que o mercado não oferece tantas opções. Para recomendar alguma coisa, é preciso que o produto seja gostoso. Também é importante que o consumidor não tenha tido nenhum efeito colateral", explica Alice.
SOLUÇÕES - Lara Marquim recebeu o diagnóstico há um ano e, desde então, procurou descobrir formas de contornar a proibição de doces, massas e alimentos que contenham trigo, cevada ou malte. "Fiquei muito triste quando soube da doença, achei até que estivesse com depressão. Larguei a faculdade de Administração porque só tinha vontade de ficar em casa, com medo de passar mal na rua. Depois, comecei a me informar sobre o tema, já que eu não sabia nada sobre a doença celíaca. Hoje em dia estudo Nutrição para ter mais condições de entender a intolerância ao glúten e para, futuramente, ajudar pessoas que tenham a doença", conta.
Na internet, Alice procura receitas adaptadas aos celíacos e afirma conseguir viver muito bem com a dieta sem glúten. “Já fiz bolos, biscoitos, pães, lasanha, pizza, crepes e panquecas que não levam farinha de trigo, que contém a proteína. O segredo é procurar levar a vida com naturalidade e encarar a doença sem alarde”, sugere. Apesar de escassos, os livros sobre o tema também trazem informações importantes a quem é intolerante ao glúten.
COMENDO FORA DE CASA - Para elas, encontrar restaurantes que sirvam alimentos glúten free é uma das maiores dificuldades da doença. Segundo Lara, alguns restaurantes afirmam servir alimentos sem glúten, mas determinados pratos podem conter ingredientes com a proteína na composição. “Alguns estabelecimentos usam trigo para engrossar os molhos e dizem que não usaram glúten durante o preparo dos pratos. Falta conhecimento em relação à doença porque muitas vezes as pessoas não compreendem que os efeitos colaterais podem prejudicar a saúde de forma séria”, desabafa.
Mais de 11 pessoas com grau de parentesco próximo a Alice são intolerantes à proteína. Sua tia, Maria Amália Costa, tem intolerância ao glúten e tem três filhos que também possuem a doença. “Moro em Euclides da Cunha, uma cidade no interior da Bahia, e lá é muito difícil de encontrar os produtos já prontos”, conta Maria Amália.
“Também não existem muitos restaurantes que sirvam comidas que sejam adequadas à nossa dieta. A sorte é que moramos no Nordeste, uma região com muitas comidas preparadas à base de macaxeira. A tapioca equivale ao pãozinho francês na nossa casa”, afirma.
Alice ainda complementa que, em Pernambuco, não há serviço de delivery e, no supermercado, as marcas com alimentos mais saborosos pesam bastante no bolso. “O pior de tudo é o preço das coisas. As marcas internacionais geralmente são as que produzem alimentos mais gostosos, mas em compensação os produtos são vendidos a preço de ouro”, reprova.
A nutricionista Danielle Barros também comenta sobre a dificuldade de encontrar alimentos livres de glúten e aponta alternativas: “No mercado, existem poucas indústrias que fabriquem alimentos isentos de glúten, mas alguns tipos de macarrão já estão sendo fabricados com um tipo de trigo especializado. Além disso, o consumo de frutas e tubérculos é liberado para os celíacos”, informa.
Danielle também ressalta a importância de procurar um profissional especializado: “Dietas feitas conforme a moda podem ser prejudiciais à saúde. É importante entender que a doença celíaca é séria e, caso não seja tratada, pode levar o paciente à morte. É possível ter uma vida nutricionalmente equilibrada mesmo tendo a doença e procurar um profissional da saúde é essencial para garantir a reeducação alimentar e a retirada do glúten da dieta do paciente”, frisa a nutricionista.