Tópicos | Kambiwá

“Se eu assumir, índio não terá um centímetro de terra” e “a reserva que eu puder diminuir o tamanho dela, eu farei isso daí” são algumas das frases que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) já manifestou sobre a questão índigena. O ex-militar também já defendeu fazendeiros acusados de participar de um ataque contra índios no Mato Grosso do Sul que resultou em um índio morto e seis feridos. “Aos irmãos nossos de Mato Grosso do Sul, esses cinco fazendeiros que estão aí, o que eu puder fazer por vocês, eu faço; reconheço o trabalho de vocês pela propriedade privada, e a forma como justamente vocês de defendem”, disse o futuro presidente em vídeo publicado nas redes sociais. Após a vitória de Bolsonaro nas urnas, um posto de saúde e uma escola em terra Pankararu, no Sertão de Pernambuco, foram destruídos. Muitos acreditam que o ocorrido tenha sido uma comemoração de posseiros à vitória de Bolsonaro e a Polícia Federal investiga o ocorrido.

Segundo a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), existem 12 povos indígenas em Pernambuco e somente um povo tem sua terra totalmente regularizada. Atualmente, 10 lideranças dos índios no estado estão no programa estadual de proteção aos defensores dos direitos humanos.

##RECOMENDA##

Diante desse cenário, o LeiaJá procurou conversar com algumas lideranças sobre as perspectivas do governo vindouro. Os índios demonstram temor com as medidas que podem ser tomadas pelo governo dos próximos anos e o crescimento das violências por um sentimento de impunidade por parte dos agressores. Além da questão territorial, há críticas à saída dos cubanos do Programa Mais Médicos e ao projeto da Escola Sem Partido. As informações sobre os povoados foram colhidas com os próprios índios, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fundação Nacional do Índio (Funai), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e Instituto Socioambiental (Isa).

A terra Pankararu foi demarcada em 1940 e homologada em 1987. Em 1993, a Justiça Federal determinou que Funai, Incra e União fizessem um levantamento e indenizassem os ocupantes não indígenas do território. Ao longo dos anos, houve conflitos fundiários entre indígenas e posseiros não-indígenas. Em 2017, em novo julgamento, foi determinado que os posseiros teriam 12 meses para deixar as terras de forma voluntária e gradativa a cada três meses, o que não ocorreu. O entrave com os posseiros continuou. Em 13 de setembro, foi executada parte da desintrusão pela Polícia Federal e Polícia Militar. A terra indígena Pankararu está localizada entre os municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no Sertão pernambucano.

Cacique Sarapó Pankararu, coordenador da Apoinme. “Eu vejo que o Bolsonaro é um risco à população brasileira, principalmente às populações mais pobres, aos nordestinos e indígenas, inclusive ele não esconde que não terá mais demarcação de terra indígena. Isso nos preocupa muito porque aqui em Pernambuco somos 12 povos indígenas e somente um povo tem sua terra totalmente regularizada. Essa fala de Bolsonaro incentiva a permanência e o retrocesso na política de regularização fundiária. Falta informações às pessoas, elas desconhecem a realidade indígena e acreditam que nós somos favorecidos pelo governo. Acham que a Funai nos sustenta, que queremos terra demais. E nós só queremos a terra para manter nossa sobrevivência, manter a nossa cultura, tradição e sustentabilidade”.

O povo Xukuru ocupa um conjunto de montanhas chamado Serra do Ororubá. Desde a invasão portuguesa, há registro de processos violentos de expropriação dos xukurus de suas terras. Várias aldeias foram extintas e registradas em nome de fazendeiros. No dia 20 de maio de 1998, foi assassinado Francisco de Assis Araújo, o cacique Xicão. Ele já recebia ameaças de mortes por sua luta em defesa da terra, além de ter sido a única testemunha do assassinato de um advogado da Funai. Acabou virando um símbolo da luta indígena. Em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em julgamento na Guatemala, condenou o Brasil a concluir a demarcação do território dos Xukuru.

Cacique Marcos Xukuru. "Respeitamos a decisão da maioria dos brasileiros. A democracia é isso.  Mas é importante ressaltar que a chegada dele na presidência nos traz grandes embates. O mesmo tem posicionamento contrário a tudo aquilo que nós, povos indígenas, conquistamos. Antes mesmo dele assumir a presidência, começaram ações que vêm nos prejudicar. Por exemplo, no tratamento à saúde, quando há o rompimento do convênio Cuba-Brasil no programa Mais Médicos. Grande parte desses médicos estão localizados nas áreas indígenas do país. Os xukuru tinham três médicos cubanos, que já estão se desligando. Estão deixando uma desassistência de 12 mil pessoas indígenas aqui no nosso território. Como o governo vai suprir essa necessidade?"

Os Kambiwá foram expropriados para a implementação de fazendas de gado nos sertões pernambucanos. Eles tiveram que se refugiar em brejos e no alto de serras e negar a identidade para fugir de ataques. O povo Kambiwá convive com o clima seco e chuvas irregulares, sobrando como alternativa a agricultura de subsistência. O artesanato também é fonte de renda. Não há condições favoráveis para as culturas permanentes devido ao solo arenoso e à quantidade de formigas. A escassez de água é outro problema enfrentado pelo grupo.

Cacique Zuca Kambiwá. “Há um interesse da parte dele e de seus aliados de tirar alguns direitos. Inclusive na questão da terra, a gente sabe que quem já tem, sofre a ameaça de poder reduzir. Quem ainda não tem, ele deixou bem claro que não vai demarcar mais. Em relação a educação, a gente vê a proposta dessa Escola Sem Partido que eles pretendem colocar em prática dentro do país. Vão querer implantar esse modelo de escola, modelo esse que a gente já sabe que não atende às nossas especificidades, que vai trabalhar de encontro à nossa realidade, que vai trabalhar pra desmontar tudo aquilo que a gente já tem construído, no sentido de ter escola com educação específica e diferenciada e que fortaleça a identidade e as nossas lutas pela garantia dos nossos direitos. Eu vejo que o movimento indígena, mais do que nunca, precisa estar organizado, unido e pensando estratégias que possa nos possibilitar fazer o enfrentamento com relação a essas demandas deles que com certeza vão vir com muita força para cima da gente”.

O povo Tuxá ocupava a Ilha da Viúva, no Rio São Francisco. Com a construção da barragem hidrelétrica de Itaparica, os índios foram retirados do local e divididos em três grupos. Uma parte ficou em Rodelas, outra em Iboritama, ambas na Bahia, e a terceira em Inajá, Pernambuco. Eles acusam a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) de ter entregue menos da metade da terra prometida em acordo. Os tuxá não vivem em conflito com posseiros ou fazendeiros, mas cobram a entrega do restante do território.

Pajé Aline Tuxá. “A gente já vinha se preparando de certa forma para esse atual governo, né? A gente via nos nossos rituais que ia acontecer. Conforme os encantados falam, iria chegar os tempos de trevas. Sentimos, através de sonhos, que algo ruim estava por vir. Percebemos que era algo para toda nação indígena. A vitória dele como presidente é um retrocesso muito grande para o país. A gente vê na fala dele que ele quer destruir tudo aquilo que a gente através de muito movimento e sofrimento conseguiu. A gente se entristece, mas vai resistir”.

O povo Kapinawá se considera descendente direto de índios que foram aldeados na Serra do Macaco no século XVIII. O grupo ficou mais conhecido no final dos anos 1970, após procurarem a Funai e a imprensa recifense para denunciar a pressão que sofriam em suas terras por conta de invasores, violências da Polícia Militar e conflito de terra com fazendeiro e grileiro ligados ao prefeito de Buíque. Na década de 1980, a Funai identificou e delimitou as terras Kapinawá em 14 mil hectares. Apesar de possuírem território homologado, a luta atual é pela ampliação da terra, adicionando uma área que os Kapinawá sempre consideraram deles.

Mocinha Kapinawá, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). “Nós estamos preocupados. Todos os povos indígenas do Brasil. Ele [Bolsonaro], com a forma de falar dos povos indígenas, fere nossos direitos principalmente às nossas terras, porque a terra para nós, povos indígenas, é vida. Se ele tira ela de nós, mata todos nós. É assim que nosso povo fala: índio sem terra é índio morto”.

O povo Pipipã está localizado na zona rural do município de Floresta, a 400 km da capital Recife. A população média aldeiada é de 1940 indígenas. Os estudos de delimitação da Terra Indígena Pipipã foram publicados no Diário Oficial da União de abril de 2017 e sofreu três processos de contestação. O território possui aproximadamente 52 mil hectares, sendo cortado pelo eixo leste da Transposição do Rio São Francisco. Os Pipipã praticam a cultura de subsistência, principalmente no período de chuva. Criam pequenos animais, como caprinos, ovinos e bovinos.

Cacique Valdemir Pipipã. "Ainda que tenha botado na sua equipe de transição uma indígena, na verdade, ela é uma pelega, não nos representa. Não é uma indígena de luta, de base.  Não temos território demarcado e com esse governo, nós temos o risco de ficar sem a demarcação da nossa terra. Mostra ser um governo intolerante. Não respeita o diferente. Meu medo é dos seguidores dele, que também têm esse pensamento mesquinho, violento, truculento, de também partir em agressão aos povos indígenas”.





Poderes municipais, eclesiásticos e estaduais desapropriaram os Truká de suas terras. Atualmente, o povo luta pela conclusão do processo de reconhecimento oficial do território, expulsão de posseiros não índigenas e de narcotraficantes. É que os Truká estão localizados no chamado "Polígono da Maconha". Desde os anos 1990, traficantes ameaçam índios e funcionários da Funai.

Pretinha Truká, vereadora de Cabrobó pelo Partido Verde e graduada em Ciências Humanas e Sociais. “Os povos indígenas não têm nenhuma esperança de que ele vá respeitar os direitos, inclusive os já conquistados. Ele dará poder aos fazendeiros e posseiros porque os interesses deles são comuns: de usurpar o nosso direito à terra e dela extrair suas riquezas para enriquecer e favorecer o capitalismo. Mas nós vamos resistir. Temos uma história de resistência de 500 anos. Nós esperamos que ele possa mudar toda sua concepção, toda essa postura de preconceito com negros, indígenas, mulheres, movimento MST, comunidade LGBT. A gente chegou em um patamar de reconhecimento de direito muito grande. Negação de direito a gente não vai compactuar”.

[@#video#@]

O Projeto de Integração do Rio São Francisco está qualificando etnias indígenas para organizar e fortalecer a gestão administrativa de suas associações e cooperativas. Neste mês de maio, participaram das ações as comunidades Kambiwá, nos municípios pernambucanos de Ibimirim e Inajá, e Pipipã, em Ibimirim e Floresta. No próximo mês, serão realizadas oficinas sobre elaboração e gestão de projetos.

De acordo com o Ministério da Integração Nacional, responsável pelo programa, as atividades têm o objetivo de incentivar a organização da estrutura social, administrativa e fiscal das associações, explicitando o universo conceitual e prático dos temas. Valores, princípios, legislação pertinente, estruturação administrativa, tipos formais e informais e as características que diferenciam associação e cooperativa são alguns dos temas que foram abordados.

##RECOMENDA##

“Nós pretendemos aplicar o conhecimento para trazer melhorias para o nosso povo e com isso buscar projetos”, diz Berenice Pereira da Silvam da etnia Kambiwá, conforme informações do Ministério.

Projeto São Francisco - Considerada a maior obra de infraestrutura hídrica já realizada no Brasil, a construção levará água para mais 12 milhões de pessoas. As obras já mobilizam mais de 5 mil trabalhadores e 1,3 mil equipamentos.





Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando