Do despertar para a vocação até a licença para conduzir celebrações e liderar uma paróquia, o percurso é longo. A trajetória dos padres da Igreja Católica Apostólica Romana requer anos de estudo e dedicação aos mais necessitados. Além do conhecimento acadêmico e da fé, é a missão pastoral dos sacerdotes que os habilita a seguir um caminho próprio, que lhes permite a capacidade de guiar os adeptos do catolicismo na trilha do Evangelho.
Aos 71 anos, sendo 40 destes como sacerdote, o padre Dervile Alonço explica que teve parte dos estudos abreviados por ter concluído o curso superior em Biologia, antes de descobrir que seguiria o caminho pastoral. "O passo normal seria cursar três anos de Filosofia e depois mais quatro anos de Teologia. No meu caso, fiz apenas a Teologia com algumas matérias da Filosofia, então tive uma formação acadêmica um pouco diferente dos outros", conta.
##RECOMENDA##Para Alonço, a convivência com os presidiários do Pavilhão 5 na extinta Casa de Detenção, em São Paulo, enquanto cursava a segunda faculdade, deixou claro que sua trilha seria de dedicação aos que vivem à margem da sociedade. "Durante três anos, tínhamos um grupo de estudantes da Pontifícia Universidade Católica [PUC] que se ofereceu para dar aulas no sistema Paulo Freire para os presos. Foi uma experiência muito interessante para a minha formação", conta.
O padre Dervile Alonço | Foto: Arquivo Pessoal
Formado por meio da Teologia da Libertação, Alonço acredita que todo homem possa se tornar padre. "Isso desde que tenha uma amorosidade, uma convivência com os mais pobres. Não é ser padre para fazer uma carreira eclesiástica, e sim para um serviço àqueles que mais necessitam da nossa assistência", alerta. "Com o passar do tempo, vejo que a maior preocupação de muitos dos nossos seminaristas é com vestes, com a condição da paróquia que vão assumir e se vão ser respeitados enquanto autoridade. Nós não somos autoridades, somos servidores dos excluídos da sociedade", complementa.
Juventude no seminário
Foi em 2017 que o seminarista Lucas Martins, 20 anos, decidiu que seu caminho seria trilhado a partir do altar. A influência da família católica sempre o fez admirar a figura sacerdotal, mas jamais havia pensado em seguir dedicando-se ministério religioso. "Sempre participei da vida da minha comunidade, mas até os 17 anos nunca tinha me visto como padre. Foi nessa idade que comecei a sentir o desejo de seguir o caminho do sacerdócio", recorda.
A escolha exigiu discernimento para prosseguir na missão. "No início foi difícil, mas sendo acompanhado, pude perceber que Deus estava me chamando ao seminário para fazer um maior aprofundamento vocacional", conta Martins, que é seminarista da Diocese de Governador Valadares (MG).
O seminarista Lucas Martins | Foto: Arquivo Pessoal
O cotidiano do seminário apresenta algumas novidades para Martins, como a convivência com pessoas que mostram realidades diferentes da que ele vivera até então. "A primeira dificuldade é desgarrar da família, depois o convívio com pessoas diferentes, uma rotina de estudo muito mais exigente. Porém, todas as dificuldades valem a pena quando percebo que elas te fazem uma pessoa bem melhor", comenta.
Apesar de muito jovem, o seminarista não teme a mudança rápida e constante do mundo atual. "Isso vai exigir muito de mim, mas creio que chegará um dia que tantas mudanças serão uma provação. O maior de todos os desafios é não esmorecer, não deixar a chama da vocação se apagar", diz Martins que quer ser exemplo para os jovens. "Entre tantos sonhos, tenho o de ser uma referência para os jovens, em especial para aqueles que desejam seguir essa vocação também", complementa.
Visão da Teologia
Para o padre e teólogo Antonio Manzatto, um dos maiores desafios para os sacerdotes da atualidade é a manutenção da fidelidade ao que Jesus Cristo apregoou. "Ter fama, riqueza, privilégios, continuam sendo propostas da sociedade que não se coadunam com a perspectiva de serviço, com a afirmação da igualdade e com a solidariedade, que são exigidos de quem quer ser seguidor do Evangelho, mais ainda como agente de igreja", considera. Segundo ele, ser sacerdote é uma aptidão. "Todos podem viver a solidariedade com os pobres, é claro, mas na sua radicalidade, isso é uma vocação. Não é um dom que se acrescenta de fora pra dentro, mas uma perspectiva de vida que afirma que o sentido da existência não está em outro lugar que não no serviço aos mais pobres", explica Manzatto.
De acordo com o teólogo, as normas da Igreja Católica devem ser cumpridas à risca. Entretanto, não há motivo para que o regimento em voga seja similar às praticadas na Idade Média. "Quem vai ser padre, vai sê-lo no mundo contemporâneo, mas não adianta colocar regras medievais para quem vai ser formado hoje. Há normas, porque ninguém vai ser padre à sua maneira e será membro da Igreja, mas as condições de vida presbiteral hoje em dia estão em sintonia com a sociedade onde vivemos", finaliza Manzatto.
Números
Segundo o Vaticano, até o ano de 2017, era 414,5 mil o número de padres em todo o planeta. No Brasil, o último levantamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 2019 mostra 27,3 mil sacerdotes no país.