Um novo estudo sobre fósseis de 365 milhões de anos encontrados em 1987 no oeste da Groenlândia torna mais complexa a história da transição evolutiva dos peixes para os primeiros vertebrados terrestres. Os autores da pesquisa, publicada nesta quarta-feira (7), na revista científica Nature, reexaminaram detalhadamente os fósseis de tetrápodes - os primeiros vertebrados de quatro patas - do gênero Acanthostega. De acordo com eles, todos os animais encontrados em um mesmo local eram filhotes e tinham hábitos exclusivamente aquáticos.
A transição dos peixes para os tetrápodes é um dos principais eventos da história evolutiva dos vertebrados, segundo os autores. No entanto, vários aspectos da evolução e comportamento de animais como o Acanthostega permanecem desconhecidos, já que os fósseis de tetrápodes são raros e geralmente estão em mau estado.
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O grupo internacional de cientistas utilizou uma técnica não destrutiva, que emprega microtomografias com uso de luz síncrotron - uma intensa radiação eletromagnética produzida em aceleradores de partículas. Com isso, os pesquisadores puderam visualizar e descrever quatro membros anteriores de espécimes de Acanthostega coletados na formação de Stensiö Bjerg, na Groenlândia.
Nesse local já haviam sido encontrados mais de 200 elementos de esqueletos. Do conjunto de fósseis analisados, 20 animais morreram juntos, provavelmente como resultado de uma seca após eventos de inundação, de acordo com os autores do estudo.
Observando detalhes do padrão de desenvolvimento dos ossos, como elementos que indicam uma interrupção do crescimento, os cientistas mostraram que todos os indivíduos encontrados no local - mesmo os maiores - eram filhotes no momento em que morreram.
Segundo os autores, o início tardio do crescimento dos ossos dos membros dos Acanthostega mostra que os filhotes eram exclusivamente aquáticos. Com base nas análises dos ossos, eles sugerem que esses animais passavam por um longo estágio como filhotes e, pelo menos em algumas situações, formavam grupos sem a presença de adultos.
"Usando o poder tremendo dos raios-x de luz síncrotron, fomos capazes de avaliar detalhes microscópicos desses espécimes como se eles tivessem sido fatiados para análise em laboratório, mas sem danificar esses fósseis únicos", disse um dos autores do estudo, do European Synchrotron Radiation Facility, um dos maiores laboratórios de luz síncrotron do mundo sediado em Grenoble, na França.
Segundo os cientistas, os primeiros tetrápodes viveram no período Devoniano (de 419 milhões a 359 milhões de anos atrás) e são de grande interesse para a ciência, por serem os primeiros animais vertebrados a terem se aventurado pela terra firme, abrindo caminho para todas as formas de animais terrestres.
A mudança da água para a terra, de acordo com os autores, deve ter afetado inúmeros aspectos da biologia dos tetrápodes, mas até agora não há nenhum estudo conclusivo sobre sua evolução. Não se sabe por quanto tempo eles viviam, nem se eram aquáticos no estágio imaturo.
Se os fósseis de tetrápodes são, em geral, fragmentários, com as técnicas utilizadas pelos cientistas, as estruturas microscópicas dos ossos pareciam quase perfeitamente preservadas, de acordo com a coordenadora do estudo, Sophie Sanchez, da Universidade de Upsalla (Suécia).
"Como uma árvore em crescimento, o osso de um membro tem marcas deixadas por ritmos sazonais e apresenta anéis de crescimento anuais. Esses anéis, que podem ser vistos fósseis, nos dão informações sobre o desenvolvimento e a idade de cada espécime", explicou Sophie.
A análise, segundo Sophie, mostrou que as patas dianteiras dos Acanthostega ainda imaturos eram feitas de cartilagem. Ao contrário dos ossos, a cartilagem é elástica e, de acordo com a pesquisadora, frágil demais para permitir que o animal sustentasse o peso de seu corpo fora da água. A análise indica que a ossificação dos membros do Acanthostega começava tarde, quando o animal já estava quase em seu estágio máximo de crescimento.
"Isso sugere que esse depósito de Acanthostegas mortos representa um grupo de filhotes aquáticos que incluía poucos ou nenhum adulto", afirmou a cientista. Segundo ela, ainda não se sabe onde os Acanthostega adultos viviam, ou se havia segregação dos filhotes.
"Nosso estudo fornece um relance das características da vida de um dos primeiros tetrápodes. Planejamos agora realizar uma pesquisa mais completa sobre as histórias de vida desses animais, que poderão ter um impacto considerável nas teorias que são ensinadas nos livros escolares", disse Sophie. Participaram do estudo também cientistas da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e da Universidade de Copenhague (Dinamarca).