Desde 1969, o dia 28 de junho é conhecido como o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, onde é levantado as bandeiras do conhecimento e tolerância para as causas de gênero e sexualidade. Comemorando seus 54 anos de história, a homofobia, bifobia, lebofobia, transfobia e muitos outros preconceitos ainda estão fortes na sociedade e podem afetar qualquer pessoa, em qualquer idade.
O ódio, a descriminação e o preconceito direcionado a pessoas trangêneros se caracteriza como transfobia e pode aparecer em discursos de ódio, em estereótipos, em bullying e até em violência física. Em 14 anos no topo da lista, o Brasil é líder em assassinato de pessoas trans, segundo dados do Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), a expectativa de vida de uma pessoa trans no país é de apenas 35 anos.
##RECOMENDA##O primeiro contato das crianças fora de sua família é com a escola, onde passa grande parte do seu tempo e, por causa disso, deixa de ser apenas um espaço de ensino, mas também de socialização e desenvolvimento. Com o preconceito enraizado na sociedade, muitas crianças podem acabar sendo vítimas deste tipo de violência dentro do seu próprio ambiente escolar.
Uma pesquisa feita em 2021, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), com 120 famílias que possuem crianças e adolescentes (entre 5 e 7 anos) transgênero aponta que 77,5% destes jovens já sofreram bullying dentro da sua escola.
Caso Peróla
No mês do orgulho, no dia 21 de junho, se tornou público um caso de transfobia com uma aluna da Rede Estadual de Pernambuco. Anne Pérola Canuto, de 15 anos, é uma travesti pernambucana e estudante do primeiro ano do ensino médio da Escola de Referência em Ensino Médio Joaquim Nabuco. Em vídeo, Pérola relata o caso de transfobia que sofreu por parte de uma professora da sua escola.
“Eu entrei na sala agora pela manhã e ela me chamou para conversar, após já ter sido transfóbica comigo e eu não ter aceitado isso, porque eu não aceito, eu não abaixo a cabeça para transfóbicos. Ela veio conversar comigo sobre isso e ela se referiu a mim como ele e eu falei ‘É ela’, e ela disse ‘Ele. vou me referir a você como homem, porque aqui é uma conversa de homem para mulher’, como se ela fosse a mulher e eu o homem”, narra a aluna.
Pérola menciona que a professora se recusou a chamá-la pelo seu nome social sendo desrespeitosa e utilizando pronomes masculinos propositalmente, mesmo após ter sido corrigida e solicitada que respeitasse os pronomes que a estudante utiliza. Com o apoio de seus colegas de turma, Pérola foi corajosa em expor sua história.
“Eu me sinto sentida com tudo isso que vem acontecendo e sem saber como reagir, sem nem pensar no que eu possa fazer. Comentários, ameaças e muito ódio de pessoas que, para mim, estão no século 18 e acham que o futuro será denominado por heteronormatividade e cisgenerabilidade. Essa caminhada será longa e com pessoas que me amam e que estão comigo, meu único medo agora é perder minha vida!”, declarou em suas redes sociais.
Pérola agradeceu o apoio dos seus amigos e demais internautas que prestaram sua compaixão com a jovem pela internet. Ela menciona que está sendo difícil processar tudo mas está grata a todos, pois ela não está só.
“A transfobia que eu sofri dentro da sala de aula foi totalmente radical e que são coisas que as pessoas não devem normalizar e romantizar, porque é totalmente ridículo”, finaliza a garota em seu vídeo.
O LeiaJá entrou em contato com a Secretaria de Educação e Esportes (SEE) de Pernambuco para saber uma resposta sobre o caso de transfobia dentro na escola e a Secretaria informou que está atenta ao caso da unidade EREM Joaquim Nabuco.
“Técnicas da Unidade de Educação para as Relações de Gênero e Sexualidades (Unergs) da pasta estiveram na escola para realizar a escuta das partes envolvidas e promover a mediação do conflito. A falha foi reconhecida e a unidade de ensino recebeu as devidas orientações para que o caso não volte a se repetir”, afirmou a SEE.
Escolas não trans-excludentes
Não ser preconceituoso, é um ato individual. Lutar para que não haja preconceito, é um ato coletivo. É nisso que se baseia o trabalho de tolerância e não exclusão de estudantes transgêneros nas escolas. Um ambiente trans-excludente possui normativas e práticas que ferem os direitos de pessoas trans ou não valorizam sua existência.
Uma escola trans-excludente é aquela que não reconhece e não protege seus alunos ou alunas que estão em situação de vulnerabilidade, de desrespeito ou de bullying por serem quem são. Como um espaço de diversidade, o ambiente escolar deve aparecer como forma de acolher e não afastar seus alunos.
O trabalho não trans-excludente deve aparecer com atitudes de conscientizar os colaboradores e os estudantes da instituição escolar, estar dispostos a ouvir as dificuldades e situações de perigo que os estudantes se encontram e trabalhar a inclusão para que a escola não se torne um local de preconceito.
A secretária executiva de Gestão Pedagógica do Recife (PE), Ana Selva, contou ao LeiaJá que a Rede Municipal do Recife possui ações diárias para prevenção de transfobia dentro das suas escolas, além de ações formativas para enfrentar o preconceito não só com pessoas trans, mas com mulheres, pessoas pretas e LGBTQIA+.
“Dentro dos trabalhos realizados estão o programa “Recife: por uma cultura de paz”, onde os profissionais dessas unidades são escutados e, a partir daí, são desenvolvidas vivências para que todos se comprometam com uma convivência mais respeitosa diante das diferenças. As ações formativas voltadas para o enfrentamento dessas violências de gênero e raça, além do esclarecimento sobre sexualidade, precisam ser constantes”, defende a secretária.
“Os estudantes da rede também contam com o apoio do programa “Escola que Protege”, que oferece suporte psicológico quando solicitado. Para além dessas iniciativas, a política de ensino da Rede Municipal do Recife também aborda temas voltados para o respeito e a igualdade, temas que devem ser inseridos de forma contínua no currículo escolar”, finaliza Ana Selva.
A Secretaria de Educação e Esportes (SEE) de Pernambuco também afirmou, em nota enviada ao LeiaJá, que promove uma educação inclusiva através de ações, projetos e formações que “buscam acolher estudantes mediante as suas múltiplas individualidades, entre elas, as diferentes identidades de gênero e sexualidades.”
“Projetos e formações continuadas para estudantes e profissionais de educação, tais como o Grupos de Pesquisa e Práticas Pedagógicas em Gênero, Sexualidades e Currículo e a Mostra Andanças de cinema em gênero e sexualidades na sala de aula, buscam enfrentar mitos, tabus e preconceitos que envolvem a temática”, explica a SEE.
Além destes trabalhos, a rede estadual de ensino de Pernambuco possui uma política de uso do nome social desde janeiro de 2018. A Secretaria declara que segue normatizações que favorecem o enfrentamento à violência de gênero e à LGBTfobia.