Bushra Shah finalmente realizou seu "sonho de infância": fazer a grande peregrinação a Meca. E ela fez isso sozinha, beneficiando-se da recente decisão da Arábia Saudita de permitir que as mulheres cumprissem esse rito essencial do Islã sem uma escolta masculina.
Este ano, o ministério encarregado da peregrinação, o hajj, autorizou as mulheres, sem distinção de idade, a irem sem um "tutor", ou "guardião", ou seja, sem um membro masculino da família, podendo partir em grupo.
"É um sonho que se tornou realidade. Meu sonho de infância era fazer o hajj", disse Bushra Shah à AFP.
Para essa mãe de família paquistanesa, passar pela peregrinação com o marido e o filho teria sido uma distração que a teria impedido de "se concentrar totalmente nos rituais".
Vestindo roupas brancas que cobrem todo corpo, exceto o rosto, ela é uma dos 60.000 residentes da Arábia Saudita selecionados para participar do hajj. Pelo segundo ano consecutivo, a cerimônia acontece em um formato reduzido, devido à pandemia da covid-19.
"Muitas mulheres também virão comigo. Estou muito orgulhosa de que agora somos independentes e não precisamos de um tutor", celebra, antes de se despedir do marido.
Seu marido, Ali Murtado, conta que a "encorajou muito" a viajar sozinha, após a decisão do governo de proibir crianças de participarem do hajj este ano.
Antes, as autoridades exigiam a presença de um companheiro do sexo masculino para todas as mulheres com menos de 45 anos. Isso impedia milhares de muçulmanas no mundo de participarem de um dos cinco pilares do Islã, o qual todo fiel deve seguir, se tiver capacidade física e financeira.
"Hajj sem guardião é um milagre", disse à AFP Marwa Shaker, uma egípcia que mora em Riade.
Em Meca, com três amigas, esta mãe de três filhos, funcionária de uma organização internacional, tentou várias vezes cumprir o hajj antes da pandemia. Não conseguiu, porque seu marido não pôde acompanhá-la.
- Abertura com muitas nuances -
Apesar do novo regulamento, cuja data de entrada em vigor não estava muito clara, algumas agências de viagens relutam em aceitar mulheres que viajam desacompanhadas de uma figura masculina, apurou um jornalista da AFP.
Desde a ascensão do príncipe herdeiro e líder de facto do reino, Mohamed bin Salman, a Arábia Saudita empreendeu reformas sociais, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres, na tentativa de melhorar a imagem internacional deste país ultraconservador.
Agora, as mulheres podem dirigir, ou viajar, sem um tutor masculino. Essa abertura é acompanhada, no entanto, de uma rejeição implacável às vozes críticas ao poder, com inúmeras ativistas dos direitos femininos detidas, ou na mira da Justiça.