O técnico José Roberto Guimarães está promovendo a renovação na seleção brasileira feminina de vôlei, que iniciou a temporada com o título no Grand Prix e parte agora para o Campeonato Sul-Americano para carimbar sua vaga no Mundial do próximo ano, no Japão. Nesta entrevista ao Estado, ele fala sobre as mudanças na equipe, sobre o seu projeto em Barueri (SP) e deixa as portas abertas para o retorno de algumas bicampeãs olímpicas.
O que representa esse título do Grand Prix?
##RECOMENDA##
Já ganhei nove vezes, mas acho que o fato de ser a última edição torna a conquista especial porque a partir do próximo ano se chamará Liga Mundial feminina. A segunda coisa é que é o início de um novo ciclo, com uma nova geração, como foi em 2005, com o aparecimento de jogadoras mais jovens, não tanto conhecidas. Então o título é importante porque existe uma cobrança em função da história que o outro time construiu. Vencemos quando ninguém acreditava na gente. Foram circunstâncias importantes, pois por duas vezes quase fomos eliminados da competição. Em Cuiabá, precisávamos ganhar os três jogos e fizemos. Depois, perdemos para a China, ganhamos da Holanda por 3 sets a 2 e dependíamos da vitória da China para avançar. A Holanda teve seis chances de matar o jogo, mas não conseguiu. Isso criou no grupo uma energia muito forte. Quando você vê a morte de perto, a possibilidade de ser eliminado, isso te dá uma força muito grande. A gente queria mais uma chance, e ela nos foi dado. Então nos apegamos a essa possibilidade com todas as forças. Enfrentamos a Sérvia, que era favorita, na semifinal, e sabia que a gente tinha condição de brigar se atuássemos bem taticamente. E foi o que fizemos. Ganhamos por 3 sets a 1 e depois fizemos a final com a Itália, que era outro time que não tinha tanta credibilidade internacionalmente falando. O favorito era a China, que acabou sucumbindo.
Como tem sido essa renovação da seleção feminina?
Ela vem sendo pensada há algum tempo. Em 2015, a gente dividiu um grupo para o Pan e outro para o Grand Prix. Quando montei o time de Campinas da Amil, tínhamos Natália, Tandara, Suelen e Rosamaria, que hoje estão na seleção. Então alguma coisa já estava acontecendo. Essa renovação não foi feita forçosamente, vem sendo feita adequadamente ao longo dos anos.
Dessa nova geração, quem o torcedor deve se acostumar a ver com frequência?
Citar nome de jogadora é sempre complicado. Esse time do Brasil é de operárias, eu gosto desse termo. Isso quer dizer que é um time trabalhador, que vai ganhar como equipe. Não temos uma jogadora como Boskovic ou Mihajlovic da Sérvia, ou a Egonu da Itália, ou até a Zhu da China, que quando o jogo aperta são elas que vão receber as bolas. Nosso time vai ter de jogar muito junto, se ajudar, terá de ser versátil para que a gente consiga um bom resultado. Nosso time não é alto, então precisa ser mais habilidoso e mais regular do que é hoje. A gente sofreu no Grand Prix, com muitas oscilações, a gente ainda tem de melhorar muito.
Qual o legado que você viu dos Jogos do Rio-2016?
De uma certa forma, a Olimpíada ajudou porque vimos os melhores atletas do mundo aqui. O legado da estrutura é uma coisa que a cidade do Rio tem de pensar. Mas eu acho que muitos jovens, crianças, despertaram com o advento olímpico acontecendo no Brasil. O problema que vejo agora é a situação econômica que a gente se encontra de não investimento. Todos os outros países que receberam a Olimpíada em casa tiveram um investimento depois. Nós estamos na contramão. Tivemos cortes de verbas nas confederações e vamos pagar um preço por isso.
Você pretende contar com quais campeãs olímpicas para Tóquio-2020?
Todas elas têm ainda condições de jogar. No esporte mundial temos muitos casos de atletas mais longevos. O Zé Roberto, do Palmeiras, o Federer, que com 36 anos está quase voltando a ser número um do mundo, e tem vários outros casos. Isso está fazendo parte do contexto. Os atletas se cuidam mais, tem novas alternativas. Eu acho que elas têm condições de jogar, mas estão servindo à seleção há muitos anos e já manifestaram o interesse em não continuar. Foram os casos da Sheila, da Fabiana. A Jaque e a Garay ainda não se manifestaram. O mais importante para a seleção é ter uma gama maior de jogadoras disputando as posições. O fato de terem ganho a Olimpíada é muito importante, porém existe uma geração que está nascendo e que também vai brigar pelo seu lugar.
Como projeta sua carreira daqui para frente? Já pensou no momento de parar?
Minha família trabalha comigo, me ajuda nos projetos e gosta que eu esteja em atividade. Eu posso colaborar com o vôlei na base também. Meu sonho é transformar Barueri numa cidade referência nacional para o vôlei. Se alguém não fizer, isso morre.
O Bernardinho abriu mão da seleção para se dedicar a apenas um projeto e você fez o inverso, continua na seleção e está em clube também. Como tem sido isso?
De boca, meu contrato com a seleção vai até Tóquio. Por enquanto tem dado certo e estou conseguindo conciliar. Como os calendários de seleção e clube não batem, a não ser no Campeonato Paulista, então é mais tranquilo para poder conduzir esses dois processos. Acho importante porque conseguimos reconstruir a base em Barueri. A cidade sempre foi um polo importante como celeiro de atletas. Em 2016, a prefeitura decidiu acabar com o esporte de competição e logicamente as categorias de base foram extintas. Aí, coordenando as categorias de base da seleção, pude perceber que muitas jogadoras que hoje estão na base da seleção eram do projeto de Barueri. Vi que tínhamos de resgatar isso, existe um material humano importante na cidade e nos municípios vizinhos. Na peneira apareceram 463 meninas, das quais ficamos com 60 para o trabalho. Estamos jogando e disputando em todas as categorias.
Como você viabilizou o projeto do Hinode Barueri?
A criação do time da cidade era um sonho antigo meu. Entramos na Taça de Prata, depois Série B e agora estamos na Superliga. É um projeto muito importante para a continuidade do vôlei no Brasil, não vejo só como um projeto da cidade de Barueri. Acho que uma regra que poderíamos pensar em colocar na Superliga é que os times que participam teriam de obrigatoriamente ter categoria de base. É uma maneira de fomentar e investir na juventude para ter jogadoras que possam servir à seleção no futuro.
Você colocou dinheiro do bolso?
Sim. Somos um time intermediário e nosso objetivo é tentar ficar entre os quatro mais bem colocados, até porque será nosso primeiro ano na Superliga. Isso seria um feito fantástico. Mas ainda precisamos de um copatrocinador para dar sequência ao projeto que pretendemos no futuro. Um time que disputa um título de Superliga deve investir em torno de R$ 6 milhões ou R$ 7 milhões. O nosso orçamento é abaixo disso.
Na terça-feira vocês iniciam a disputa do Sul-Americano, que vale vaga no Mundial. Será outro bom teste para essa seleção?
Eu estou muito preocupado. O Brasil tem a hegemonia no campeonato há alguns anos, mas a América do Sul toda tem o Brasil como referência e todo mundo quer ganhar da gente. A Argentina, Peru, Colômbia, todas melhoraram. É só uma vaga e não fico tranquilo de maneira nenhuma. Vamos ter problemas e precisamos jogar bem para classificar.