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Um direito digno de toda a sociedade brasileira é ser beneficiada com uma educação pública de qualidade. Pelo menos na teoria. Se na prática a boa educação não abrange uma totalidade do povo, é preciso valorizar e tentar manter vivas iniciativas que estão dando bons resultados e levando conhecimento a uma parcela da população, apesar dos problemas administrativos e governamentais que existem no Brasil. Muitos educadores, inclusive, apontam que a educação, seja ela pública ou privada, é a principal estratégia de mobilidade social. É por isso que o poder público, mesmo deixando a desejar em alguns aspectos e precisando melhorar bastante, investe em ações que buscam disseminar a educação escolar e social entre seu povo.
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Para destacar iniciativas que vêm apresentando bons resultados na educação pública, o Portal LeiaJá inicia nesta quinta-feira (6) a série de reportagens “Nossa Escola”. Cinco matérias vão mostrar programas e ações municipais do Recife que tentam melhorar a educação de crianças e jovens. As histórias serão publicadas todas as quintas-feiras e para abrir a série, conheça o ProLer. Trata-se de um programa que busca alfabetizar crianças das escolas municipais através de atividades lúdicas e interativas.
Em busca do letramento
As crianças chegam comportadas e em fileiras. Já almoçaram, brincaram e estão indo de volta para a sala de aula. O espaço é colorido, cheio de livros, ambiente propício ao aprendizado e para brincadeiras. Os pequenos, de 4 a 5 anos de idade, são os personagens principais de uma iniciativa que é municipal, mas que foca numa meta federal. Como o Plano Nacional da Educação (PNE) tem como intuito alfabetizar todas as crianças até o final do terceiro ano do ensino fundamental, a Prefeitura da capital pernambucana (PCR), por meio da Secretaria de Educação, criou em fevereiro de 2014 o Programa de Letramento do Recife (ProLer). Nele, os alunos começam a ter contato com a leitura aos quatro anos de idade, através de atividades que estimulam não apenas a leitura e a escrita, mas também a criatividade e a habilidade lúdica.
A proposta é boa, honesta e de direito. Mas os desafios são muitos. Em um deles, as crianças chegam à escola com diferentes bases de conhecimento, principalmente por falta de auxílio familiar no processo de letramento. “Algumas crianças chegam zeradas e isso complica um pouco o aprendizado. Aquelas que já tiveram experiência apresentam melhores resultados de início. Para passar o conteúdo de uma maneira que possamos atender a todo mundo, sem separar um aluno do outro, realizamos diversas capacitações com os professores, durante todo o ano”, explica a chefe de divisão e letramento da Secretaria de Educação, Cláudia Hellena Fragoso.
Na Creche Escola Iraque, localizada no bairro da Estância, Zona Oeste do Recife, o ProLer é realizado nas turmas do Grupo 4 da educação infantil. Nas mais de 300 escolas municipais da cidade, além desse público, são beneficiados alunos até o terceiro ano do ensino fundamental. Mas é justamente entre os mais novos, com idade de 4 a 5 anos, que o trabalho precisa ser feito com muito cuidado e atenção. É quando a alfabetização começa a tomar forma e a criança solidifica sua base de conhecimento. De acordo com a coordenadora técnica do ProLer, Valéria Marques, os recursos utilizados em sala de aula, como mesas de leitura, teatros, livros, canções e histórias, são ferramentas essenciais para tornar o aprendizado atrativo.
“Temos vários recursos importantes que chamam a atenção dos alunos. De uma forma bem natural, eles começam a tomar gosto pela leitura. Nossos professores também procuram trabalhar os assuntos de uma forma lúdica, seja usando um teatro ou contando histórias. Também sabemos que é natural recebermos crianças com níveis diferentes de aprendizado, porém, o objetivo da nossa avaliação não é medir conhecimento. Quando identificamos que algum aluno não está tendo êxito ou não está acompanhando os demais, começamos um acompanhamento intensivo com ele para tirar essa dificuldade”, explica Valéria Marques.
Na sala de aula do Grupo 4 da educação infantil da Creche Escola Iraque, a professora Andrea Araújo (foto abaixo), educadora há quase 15 anos, busca todos os dias trabalhar a oralidade, escrita e leitura entre as crianças. A tarefa não é tão fácil. A ânsia por brincadeiras faz alguns pequenos ficarem inquietos. Só que tudo volta ao normal quando a professor pega um livro e começa as dinâmicas. A educadora inicia a leitura e pouco a pouco as crianças vão acompanhando lendo trechos da obra.
Segundo Andrea, como o letramento virou rotina após a implantação do ProLer, os alunos criaram um gosto natural pelas atividades. “Dentro dessa proposta do ProLer, eles não enxergam o letramento como uma obrigatoriedade. Ocorre tudo normalmente, como se eles estivessem brincando. Uso letras grandes, figuras, músicas, brincadeiras... Tudo vai interagindo e proporcionando que, de uma forma pedagógica, eles aprendam a ler e escrever como se estivessem brincando”, relata a professora.
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O pequeno Iuriel Rafael Gomes da Silva, de 4 anos, demonstra no olhar o gosto pela leitura. O garoto fica fantasiado com as diversas obras espalhadas pela sala de aula. “Gosto de ler porque aprendo e vejo figuras. A professora é muito legal. Ela lê com a gente”, diz Iuriel.
Nas ondas da leitura
Se alfabetizar os alunos nos anos iniciais não é uma tarefa simples, continuar o processo de alfabetização com as crianças a partir dos seis anos também não é fácil. Os professores do ProLer continuam o desafio de manter o letramento como algo atrativo, dentro e fora da sala de aula. Uma das ações do Programa, além de trabalhar a própria leitura, estimula os alunos do ensino fundamental a se tornarem autores de obras literárias. É o projeto Ondas da Leitura, inaugurado também no ano passado.
Após a leitura, os alunos podem contar e recontar histórias. Depois desse processo e estimulado pelos professores, os pequenos podem trabalhar suas próprias produções textuais. Segundo a Secretaria de Educação, no final do ano letivo as produções textuais são expostas em eventos nas próprias escolas, contando inclusive com a participação dos familiares.
E se tem um ponto importante no processo de letramento da Rede Municipal de Ensino do Recife é o envolvimento com a família. De acordo com a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Miguel Arraes, situada no bairro de Areias, Zona Oeste da cidade, Simone Maria Jorge, a alfabetização dos pequenos se torna mais difícil quando as famílias não se envolvem e não incentivam a leitura dentro de casa. “A educação não é feita apenas na escola. Os pais são figuras importantes nesse processo também. É preciso chegar aos filhos e incentivar: vamos ler e escrever! Esse retorno familiar atrelado ao que se aplica nas aulas é fundamental para o sucesso do letramento dos alunos”, conta a coordenadora.
O politerapeuta Sérgio Franklin da Silva, pai de Vitória Maria da Silva, de 7 anos, também compartilha da ideia que a presença da família é importante. Para Sérgio, o Ondas da Leitura gera um benefício para o estudante, mas também reflete na família. “Hoje as condições de aprendizado estão bem melhores na escola pública e eu sempre fui um incentivador da educação pública de qualidade. Hoje as crianças têm uma gama incrível de atividades que ajudam a aprender. Minha filhar aprendeu a contar histórias através da leitura, por meio do projeto, mas também já tinha uma base familiar. Na minha casa, sempre incentivava ela. É por isso que eu acredito que a família tem um papel fundamental. Minha filha, de tanto tomar gosto pela leitura, já começou a influenciar meu filho mais novo, de três anos. Apesar de pequeno, ele fica muito ligado em livros”, relata Sérgio.
É dentro da sala de aula que tudo acontece. As crianças embarcam em viagens lúdicas através dos livros. O projeto, conduzido pelos professores, é realizado todos os dias do período letivo, alternando entre brincadeiras, teatros e a leitura de livros propriamente dita. Mikaelly Braga, 7, é um exemplo de como a leitura desenvolve a criança. “Começo a ler no colégio, mas também pego os livros em casa. É muito bom porque a gente aprende muito mais. Eu quero crescer lendo”, conta a pequena.
Há 17 anos ensinando para crianças da educação infantil e fundamental, a professora Letícia Souza acredita que o Ondas da Leitura deve ser reproduzido em escolas de todo o Brasil. Para a docente, a iniciativa é positiva e de fato ajudou a melhorar as aulas de alfabetização. “Eu achei o projeto extremamente positivo e importante para as crianças. Minha turma, por exemplo, está toda alfabetizada. Acredito também no poder da interação entre a família e a escola. Se isso acontecer, a probabilidade do aluno se tornar um leitor natural é bem maior”, opina a professora.
De acordo com a PCR, não existe um levantamento para descrever os índices de alfabetização dos alunos integrantes do ProLer. Segundo a Prefeitura, o que há é uma análise interna sobre os alunos que precisam ou não de um acompanhamento mais próximo, no que diz respeito àqueles que estão tendo dificuldade durante o letramento.
>> Leia também as outras quatro reportagens da série: A doença, várias crianças, uma classe e muitos sonhos; Os reflexos da robótica na educação municipal do Recife; O silêncio que não cala a educação e O jogo em que a educação sai vencedora.