Raquel Cavalcanti

Raquel Cavalcanti

Diário Internacional

Perfil: Jornalista e executiva de comércio exterior e relações internacionais..

Os Blogs Parceiros e Colunistas do Portal LeiaJá.com são formados por autores convidados pelo domínio notável das mais diversas áreas de conhecimento. Todos as publicações são de inteira responsabilidade de seus autores, da mesma forma que os comentários feitos pelos internautas.

Rafael quer ser Hugo

Raquel Cavalcanti, | ter, 28/08/2012 - 17:13
Compartilhar:

É o artigo 22 da Convenção de Viena que manifesta como inviolável uma missão diplomática. O tratado assinado em 1961, que discorre sobre as relações e imunidades diplomáticas, elucida que, sob hipótese nenhuma,  agentes de um estado acreditado, ou seja, do estado que acolhe uma representação, podem penetrar em uma embaixada sem o consentimento do Estado acreditante.

Dando prática à teoria, o governo britânico pode até não reconhecer o asilo concedido a Julian Assange pela embaixada do Equador em Londres, a legalidade e a legitimidade do ato político de Rafael Correa, contudo, é inalterável a nível internacional. E é com base no direito internacional que o presidente equatoriano utiliza-se das circunstâncias para a construção da imagem de líder anti-imperialista na região sul-americana.

A ambigüidade nas ações de Rafael Correa, que por um lado vive uma permanente relação de tensão com a imprensa equatoriana, não é, como sugerem alguns analistas, uma forma de suavizar internamente a má-reputação quanto aos temas ligados à liberdade de expressão. Correa, que atualmente enfrenta uma disputa judicial com o diário El Universo e com alguns jornalistas do país, tem mesmo é ambições chavistas e intenciona, com o atual recolhimento do chefe venezuelano, promover-se mundialmente como ícone da esquerda latino-americana.

A OEA (Organização dos Estados Americanos), na última semana, foi o terceiro bloco de países a reconhecer o asilo político concedido a Julian Assange. Uma clara demonstração da queda da influência americana na região, que teve apenas Canadá e Trinidad e Tobago colocando-se a seu favor.

O afastamento de Chávez dos holofotes globais, em decorrência do tratamento contra um câncer que ninguém sabe ao certo a evolução, abriu espaço para a ascensão da figura de Rafael Correa no falido papel de “paladino das liberdades”. O pouco interesse de Dilma e até mesmo a ausência de Lula, que teve suas ambições como presidente do Banco Mundial interrompidas por problemas de saúde (e também pelos do PT), são uma oportunidade para Correa.

O debut do equatoriano nas manchetes internacionais foi em grande estilo, em defesa de Julian Assange, tido como símbolo antiamericano. Assange é cidadão australiano, fundador do Wikileaks, site de vazamento (“leak”, em inglês) de informações, e oficialmente acusado de cometer “crimes sexuais” pelos tribunais da Suécia, que considera o sexo não consensual sem preservativo uma agressão. O australiano é ameaçado de extradição pela Inglaterra, país de Margaret Tatcher, que no passado concedeu asilo político a Augusto Pinochet.

Rafael quer ser Hugo e não entrou na briga pra perder. Com a opinião pública a favor de Julian Assange, Correa deixa a coadjuvância em um subcontinente para ganhar a simpatia mundial inata à garantia da liberdade de expressão.


O peso de uma medalha americana

Raquel Cavalcanti, | qua, 08/08/2012 - 11:28
Compartilhar:

A política fiscal será mesmo um dos temas centrais de discussão na campanha presidencial este ano nos Estados Unidos. É que o fisco norte-americano, sob a orientação democrata, não dá folga nem para os campeões olímpicos e cobra impostos até sobre as medalhas conquistadas pelos atletas vencedores.

Um atleta que ganhar o ouro em Londres, por exemplo, receberá do Comitê Olímpico uma quantia de US$ 25 mil. Já para aqueles que ganharem prata e bronze, os valores são de US$15 mil e US$10 mil, respectivamente. O imposto cobrado pelo tesouro estadunidense pode chegar até 35% do valor do prêmio concedido pelo COI. Se consideradas as 56 medalhas ganhas pelo país até o último domingo, serão, aproximadamente, mais R$ 2,1 milhões de receita para os cofres públicos do país.

A carga tributária incidente sobre a sociedade é historicamente uma fenda entre as correntes democrata e republicana nos Estados Unidos. Os republicanos, conservadores, são contra o aumento do volume de impostos. Já os democratas, em especial em momentos de crise econômica e desemprego, recorrem à política fiscal expansionista como ferramenta para o incremento de políticas sociais, como o plano de saúde e o auxílio moradia.

A proposta do presidente Barack Obama de beneficiar quem ganha menos de 250 mil dólares por ano e taxar quem ganha mais do que este valor colide com as expectativas da população mais liberal e é do desagrado dos conservadores. Já a lei de reajuste tributário, que ficou conhecida com “Lei Buffett” (declaradamente apoiada pelo milionário investidor Warren Buffet), propôs uma taxação mínima aos milionários norte-americanos e foi prontamente rejeitada pelo congresso.

Às vésperas das eleições, contudo, até os líderes democratas e o próprio Obama defendem um projeto de lei que tramita no congresso para criar uma isenção tributária para os que ganham medalhas nos Jogos Olímpicos. Não se pode brincar, afinal, com o sentimento patriota dos americanos ao ver suas estrelas nacionais, como Michael Phelps e a mais nova queridinha da América, Missy Franklin, encrencados com o leão.

Aliás, apenas o nadador Michael Phelps, caso a lei não seja aprovada, terá de pagar nada menos que R$ 82,6 mil pelos quatro ouros e duas pratas em Londres. Para Phelps, talvez, não fosse de todo mal a escassez de medalhas da delegação brasileira...

Casamento Internacional: o dote vem em Euros

Raquel Cavalcanti, | qua, 25/07/2012 - 09:23
Compartilhar:

Que o mercado de casamentos no Brasil movimenta milhões não é novidade. Só em 2012, a indústria de fornecedores de produtos e serviços para casamento deverá render para a economia brasileira cerca de 12 bilhões de reais.  A decoração, os doces, o buffet, o vestido perfeito, todos os detalhes para garantir uma noite inesquecível para noivos e convidados. O que não se podia imaginar é que um mercado matrimonial paralelo, e bem mais transacional, esta se formando no país. Pelo menos é o que conta o jornal espanhol “El País”, em matéria divulgada esta semana.

Segundo o periódico, com o aumento do desemprego na zona do euro, agora é a vez de alemães, espanhóis, franceses e ingleses buscarem uniões por conveniência no Brasil. No passado os brasileiros, em busca de uma vida melhor, tornaram-se conhecidos por recorrer aos mais variados esquemas para contornar as leis de imigração nos Estados Unidos e Europa. O aquecimento da economia e as oportunidades de emprego no país tem possibilitado, contudo, não apenas o retorno de expatriados, mas também estimulado os famosos casamentos de fachada para garantir dupla cidadania.

O El País destacou a história do publicitário Luis que, espanhol e homossexual, pagou um “dote” de três mil reais a uma empregada doméstica para garantir uma residência legal em São Paulo. Uma bagatela se comparada com os 10 mil euros que chegavam a valer um casamento “arrumado” na Espanha dos anos noventa. O estrangeiro, que contatou a “noiva” pelo Facebook, afirma conhecer três alemães e um americano na mesma situação no Brasil.

Em caso de pedido de matrimônio entre estrangeiros, a polícia federal busca formas de comprovar se o casamento tem mesmo fins “nobres”, estudando o histórico e fazendo vistorias surpresas à residência do casal. Quem não passar nesta inspeção e vier a ter comprovada a acusação de fraude, pode ser condenado por crimes como falsidade ideológica ou uso de documento falso.

A burocracia envolvida na retirada de vistos a na autorização para trabalho legal no Brasil é um determinante. O governo brasileiro, contudo, afirma ter interesse em profissionais estrangeiros bem qualificados em busca de trabalho. Já às empresas brasileiras é exigido que um mínimo de dois terços de sua mão-de-obra seja nativa. As corporações fogem da extensa papelada e dos trâmites necessários para a contratação de um estrangeiro.

No Brasil são registrados cerca de 19 mil casamentos por semana. Ainda de acordo com a reportagem, os pedidos de visto por matrimônio com brasileiros aumentaram 95% de 2009 a 2010. Em 2011, 3.479 estrangeiros pediram visto. Franceses, ingleses e espanhóis encabeçam a lista dos interessados em visto para morar no Brasil.

Apesar de todo o empenho estrangeiro, já é possível perceber uma desaceleração na economia. O Brasil apresentou, no primeiro semestre deste ano, o pior resultado na geração de empregos nos últimos três anos. Uma redução de 26% nos primeiro semestre em comparação ao mesmo período de 2011 e uma queda de 44% em relação a Junho do ano passado. Ao contextualizar os números numa perspectiva global, porém, a situação do Brasil é muito mais favorável. Foram mais de um milhão de novos postos de trabalho gerados, um sonho para qualquer país europeu.

Londres 2012 e a ignorância global

Raquel Cavalcanti, | ter, 10/07/2012 - 16:24
Compartilhar:

Faltam exatos 19 dias. Não precisa ter uma excelente memória para afirmar com convicção que a essa altura nas Olimpíadas da China, Grécia, Sidney e tantas outras nas últimas décadas, os brasileiros estariam testemunhando uma programação televisiva particularmente especial. Era provável que César Cielo fosse a estrela do quadro Arquivo Confidencial do Faustão, já Maurren Maggi poderia facilmente estar hoje se deliciando em um café-da-manhã ao lado de Ana Maria Braga.

Quem sabe a Globo News estivesse exibindo uma série especial sobre Londres, que a exemplo do “China: Além da Muralha”, apresentado durante todo o primeiro semestre de 2008, seria um excelente programa.  A Globo, contudo, simplesmente finge que o evento mais importante do esporte mundial não existe e confia no “Encontro com Fátima Bernardes” para tentar boicotar a audiência da Record bem no horário dos jogos. Até em um novo torneio de futebol já se fala. Entre os times participantes estariam Corinthians, Flamengo e o poderoso Barcelona.

A Globo é responsável pela maioria absoluta da audiência televisiva no país. Segundo a teoria do agendamento, ou o agenda setting, “em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos”. Há uma tendência à inclusão ou exclusão do próprio conhecimento humano, o objeto que o mass media inclui ou exclui de seu conteúdo. É natural que o público consumidor da notícia, considere mais importante os assuntos veiculados na imprensa.

É certo que não se esperava que a Globo fosse deliberadamente, e nem poderia sem sofrer punições legais, divulgar oficialmente o evento em Londres, uma vez que perdeu os direitos de transmissão por não cobrir a oferta da Record. O problema é que os Jogos Olímpicos não são `um evento` ordinário e há obrigações morais que, como formador de opinião, a Globo não pode se eximir.

Serão 259 atletas brasileiros competindo em 27 diferentes modalidades, o que para uma cultura monoesportiva como a do Brasil, é uma oportunidade única para a divulgação de esportes olímpicos menos acessíveis à população. Sem contar a importância destas Olímpiadas, por antecederem justamente aos jogos olímpicos  realizados no Brasil.

Se na Central Globo de Jornalismo a ordem é minimizar esta edição dos jogos, na TV fechada as Organizações Globo e sua Globosat deverá gastar cerca de R$ 1,3 milhão, oferecendo seis canais de transmissão exclusiva aos mais de 10 milhões de assinantes. O objetivo, contudo, longe de ser nobre, é reduzir alguns pontos da audiência da concorrência. 

Mercosul: dois pesos, duas medidas

Raquel Cavalcanti, | ter, 03/07/2012 - 10:40
Compartilhar:

O protocolo de Ushuaia, assinado em 1998 pelos países integrantes do Mercosul, esclarece como indispensável a condição de regime democrático para a existência e desenvolvimento de um processo de integração. E foi em cumprimento a esta convenção que Brasil, Argentina e Uruguai legitimaram, diante das denúncias de ilegalidade no processo de impeachment de Fernando Lugo, a suspensão do Paraguai do grupo Sul-Americano.

Controvérsias a parte quanto à licitude da destituição do presidente paraguaio, os dirigentes do Mercosul buscaram respaldo em princípios absolutos como a soberania, a liberdade e o Estado de Direito. A oportunista decisão de incorporação da Venezuela como membro pleno do grupo, contudo, vai de encontro a qualquer tentativa de aprofundamento democrático na América Latina e determina a máxima do paradigma recente da diplomacia sul-sul brasileira: “Dois pesos, duas medidas”.

Se na última semana o Paraguai foi penalizado por sofrer um “déficit democrático”, ironicamente agora é a vez do Brasil ser acusado de utilizar-se de pressões pró-Chavez e orquestrar um “golpe” pra garantir a aprovação biônica para ingresso da Venezuela. O país, que já teve aprovada sua entrada pelos Congressos dos demais países-membros, sofria com a ressalva apenas do Paraguai que, conservador, embargou durante anos o estreitamento comercial do bloco com a Venezuela.

Chavéz comemora a decisão do Mercosul como a “derrota do imperialismo e das burguesias”. O interesse do Brasil em conceder o upgrade ao status de participação da Venezuela é, entretanto, sobretudo comercial. Além de garantir acesso privilegiado e facilitado a países da América central, o estreitamento das relações com um país integrante da Opep, poderá render ao Brasil mais força na posição de potência energética.

A suspensão do Paraguai está prevista para ser revogada após as eleições presidenciais em abril de 2013 e, de acordo com a carta constitucional do bloco, a aceitação de um novo membro precisaria ser aprovada por todos membros plenos integrantes. Resta agora esperar e conferir como o Brasil vai fazer para sair de mais esse embaraço diplomático.

Rio, Brasil e o mundo + 20

Raquel Cavalcanti, | qui, 28/06/2012 - 12:09
Compartilhar:

Junho de 1992, o Brasil era pela primeira vez sede de uma grande conferência internacional. Palco também de uma das maiores turbulências políticas até então já vistas na história republicana. Foi com uma entrevista a Veja que, em Maio daquele ano, Pedro Collor de Mello denunciou o esquema PC Farias, levando, meses depois, ao impeachment do irmão Fernando Collor de Mello.

Ao fim daquele ano assumia a presidência do país o mineiro Itamar Franco, que apresentou, na função de Ministro das Relações Exteriores, o distinto sociólogo e futuro idealizador do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso. Um divisor de águas na história econômica do país, um mais do mesmo na narrativa política daquela recém-nata democracia.

Nas ruas, as ombreiras. A moda dos cabelos volumosos dispensavam as chapinhas. Nos esportes, a dupla de atacantes-congressistas, Bebeto e Romário, iniciavam o caminho em busca do tetracampeonato. Algumas coisas pareciam fazer mais sentido.

A luta contra a hiperinflação que ultrapassava 1000% ao ano e dizimava o poder de compra do consumidor, tornou expressões como “overnight” e “remarcação de preços” comuns ao dia-a-dia do brasileiro.

Na Europa, um novo e aprofundado conceito de integração regional era selado com a assinatura do Tratado de Maastricht. De “Comunidade”, a Europa passava a “União”. O Euro, que vinte anos mais tarde enfrentaria uma crise capaz de colocar em cheque a própria existência, teve as suas bases estabelecidas e foi celebrado como uma experiência inédita na história econômica dos povos. 

A ECO92 chegava ao país com a missão de desmistificar o conflito aparente entre desenvolvimento e proteção ambiental. A mensagem parece ter sido captada, ou pelo menos a importância dela. É o que sugere as mais de 30 empresas e entidades que, em 2012, foram patrocinadoras ou apoiadoras oficiais do evento no Rio de Janeiro. Meio-ambiente, sustentabilidade e responsabilidade social ganharam, dentro das corporações, o mesmo espaço e importância que as áreas de marketing, comercial ou financeira.

Na Rio+20, assim como na Rio92, pretendeu-se pensar o futuro. Pelas enormes surpresas que as últimas duas décadas apresentaram, não é difícil sugerir que esta seria uma tarefa um tanto ambiciosa para um encontro de pouco mais de dez dias. Apesar dos desentendimentos quanto a conceitos, o ganho em importância da PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) dentro da comunidade internacional foi incalculável. É possível estarmos diante da criação de um tipo de OMC do Meio Ambiente. Uma agência com autoridade para a governança ambiental global.

Os desafios para uma economia sustentável são cada vez maiores. Nos últimos vinte anos a população na terra pulou de 5,5 bilhões para 7 bilhões de pessoas. Em 2032 deverão ser 8,5 bilhões. A China passou de nona, a segunda economia internacional. Já os Estado Unidos repousa estático sobre a alcunha de principal poluidor per capita a nível mundial.

A Rio+20 esteve sub-representada pelas grandes potências mundiais. Barack Obama e Angela Merkel foram sem dúvida as ausências mais sentidas. Enquanto em 1992, o PIB mundial dos Estados representados ultrapassou os 70%, em 2012, ficou na casa dos 40%. As discussões foram fracas em metas e abundante em intenções. “Pouca ambição”, segundo a definição do próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon

O que esperar para os próximos vinte anos? Pode ser Neymar o novo prefeito da baixada santista ou quem sabe as ombreiras voltem a ser moda. Talvez seja a vez dos países do Mercosul partilharem de uma única moeda. A única certeza é que, em 2032, o tempo será um recurso ainda mais escasso.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

LeiaJá é um parceiro do Portal iG - Copyright. 2024. Todos os direitos reservados.

Carregando