No Recife, os banheiros públicos já possuem uma histórica reputação negativa. A população idosa ou com mobilidade reduzida sabe que pode não conseguir usar as cabines do banheiro no Cais de Santa Rita, pois lá são bacias no modelo turco, conhecidas como “aquele vaso que é um buraco no chão”. Nas imediações do Parque 13 de Maio, entre Boa Vista e Santo Amaro, os banheiros do próprio equipamento ecológico não dão conta da demanda e frequentemente não possuem itens básicos para sua utilização, como papel higiênico ou sabonete para as mãos.
Apesar de ser um direito e fazer parte da universalização do saneamento básico, o acesso a banheiros públicos é restrito e escasso em todo o país, sendo uma realidade latente também para os recifenses e pernambucanos. Em muitos dos equipamentos de lazer da capital, os banheiros são alvo de queixas e até mesmo evitados pelos visitantes, que relatam má experiência com a sujeira, utensílios, materiais de higiene, e, sobretudo, a segurança.
##RECOMENDA##Mulheres, gestantes, crianças, idosos e pessoas com deficiência (PCDs) são os mais afetados pela precariedade na infraestrutura dos banheiros. O LeiaJá visitou banheiros da capital e conversou com a população sobre a experiência de uso.
No bairro do Recife, é comum que os visitantes busquem locais como o Paço Alfândega, Livraria Jaqueira ou Paço do Frevo para conseguir acesso a um banheiro. O único banheiro público do Recife Antigo fica na Praça do Arsenal, atrás da loja de informações turísticas. Durante e após a pandemia, o espaço foi flagrado fechado ou com funcionamento restrito diversas vezes. Além dele, há apenas opções privadas, entre as que são gratuitas e as que acontecem sob custo simbólico, sugerido por comerciantes que abrem seus banheiros para o público por valores que variam entre R$ 1 e R$ 3.
No Cais do Imperador, na Praça 17, entre as pontes Maurício de Nassau e 12 de setembro, havia banheiros públicos. As estruturas, atualmente, estão fechadas por tapume e cercadas de lixo. No local, funcionava uma cafeteria, que fechou durante a pandemia. Ainda não há novidades sobre o destino do antigo desembarcadouro.
Estação Ecoturística Cais do Imperador em novembro de 2023. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
Depois da Ponte da Boa Vista, conhecida como Ponte de Ferro, há também um banheiro público desativado desde 2019. É a estrutura na Rua Doutor José Mariano. Com arquitetura antiga e cobogós únicos, a unidade exala mau cheiro e está coberta por pichações. O local se tornou conhecido por ser perigoso e também um ponto de assaltos.
Insegurança muda hábitos dos usuários
A dificuldade no uso dos banheiros públicos do Recife vai bem além do acesso em si. A insegurança nesses espaços também afasta a população. Há medo de furtos, brigas ou exposição à violência. Quando tentam usar os equipamentos, as pessoas tendem a não ir sozinhas.
Banheiro da Rua Doutor José Mariano está fechado há mais de três anos. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá
O Mercado de São José, patrimônio histórico tombado no Recife, é um dos mais famosos pontos turísticos de Pernambuco. Inaugurada em 1875, a estrutura ainda hoje tem um fluxo de pessoas intenso. Os banheiros no mercado sempre existiram e compõem a parte tombada de toda a estrutura.
Os dois pequenos casebres que comportam as cabines de banho e assentos sanitários do mercado sofrem com dificuldades para a manutenção e muita insegurança. Os banheiros do Mercado de São José são administrados por uma empresa terceirizada, parceira da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb).
No local, nota-se um padrão de administração das unidades. Uma mulher, funcionária terceirizada, toma conta do banheiro feminino, e um homem, também funcionário terceirizado, do masculino. Sozinhos, eles administram a entrada das 6h às 18h (horário de funcionamento do mercado), sem apoio de vigilantes privados, guarda municipal ou policiamento fixo. O papel higiênico é fornecido na entrada. A chegada de água se dá por meio de cisterna. Chuveiro, apenas no banheiro masculino. "Quase todo dia tem situação de furtos e brigas, até mesmo violência armada", destacou um frequentador do espaço, que preferiu não se ideentificar.
A insegurança faz muitos usuários buscarem o outro banheiro mais próximo, no Cais de Santa Rita. A estrutura no entorno do terminal passou por reforma durante a pandemia e ganhou banheiros novos, maiores, mais arejados e com mais cabines. Apesar das críticas recebidas pelo modelo de bacias sanitárias, há uma preferência quando comparado ao do Mercado de São José.
No Cais, o movimento é menor durante o dia e as cabines são mais limpas. Há também menos relatos de furtos ou brigas no geral. Os comerciantes se dizem satisfeitos com a reforma. Para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, impedidas de usar os assentos turcos, há uma cabine única disponível. As chaves ficam com os zeladores e podem ser solicitadas para uso, no horário das 6h às 17h.
"O banheiro daqui está sempre limpo e eu gosto porque não tem muita gente o tempo todo, é organizado. Eu amei o banheiro [novo] daqui. Dou graças a Deus que não é que nem o do Mercado de São José, porque ali o pessoal se vira nos trinta pra conseguir cuidar", diz Guiomar Leite, comerciante de 43 anos, há quatro anos locada no Cais de Santa Rita. Ela é moradora de Olinda e vai ao Recife trabalhar diariamente, das 4h30 às 16h30, no restaurante que administra com o marido.
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Banheiros públicos na orla
Enquanto as unidades na área central da cidade sofrem com abandono, a Prefeitura do Recife comemora a requalificação dos banheiros públicos da orla de Boa Viagem, bairro nobre da Zona Sul do Recife. Duas estruturas já foram entregues dentro do Projeto Orla Parque. A área interna dos banheiros será composta por duas bancadas com lavatórios, quatro vasos sanitários e duas cabines, sendo uma delas com dimensões acessíveis a cadeirantes. Já na parte externa, a população vai contar um chuveiro e um assento de apoio para pessoas com necessidades especiais. A gestão municipal informou que está investindo R$ 4,8 milhões de recursos próprios neste serviço.
Praça do Derby
Na Praça do Derby, também na área central do Recife, há dois dos banheiros mais utilizados pela população em situação de rua na capital. A praça, além de ser centralizada e ter policiamento mais constante, acomoda boa parte da população vulnerável em trânsito entre as diferentes zonas do Recife.
Lá, os banheiros também são administrados por uma terceirizada, e dois funcionários cuidam, cada um, de um banheiro. No entanto, o chuveiro está disponível apenas no banheiro masculino, o que dificulta para as mulheres em situação de rua realizarem sua higienie e de seus filhos. Não há suportes ou ganchos para objetos pessoais, assim como vigilância municipal ou privada.
Banheiros sob responsabilidade da Emlurb
O LeiaJá entrou em contato com a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) para obter uma listagem completa dos banheiros públicos administrados pela gestão. A listagem, entretanto, não foi repassada. O órgão também não se manifestou sobre a situação geral dos banheiros.
A reportagem conseguiu mapear que, administrados pela Emlurb, há, pelo menos, 13 banheiros. São eles os da Praça do Derby, Mercado de São José, Cais de Santa Rita, Arsenal, Parque 13 de Maio, Dantas Barreto, Lagoa do Araçá, Rua do Hospício, Hipódromo, Praça de Campo Grande, Parque Santana, Parque da Macaxeira, e Apipucos. Somados aos da orla, são mais de 50 unidades.
Atendimento à população de rua
Há banheiros nos três Centros de Referência Especializado para População (Centro POP) da cidade, em Santo Amaro, área central da capital pernambucana, na Madalena, Zona Oeste do Recife, e em Boa Viagem, na Zona Sul. Neste último, a informação repassada pela administração do local é que ele funciona das 8h às 17h de segunda-feira a sexta-feira e que também é possível tomar banho.
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