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É inegável que a crise gerada pela alta sucessiva do preço dos combustíveis, que culminou na greve dos caminhoneiros, será utilizada como mote para o discurso de presidenciáveis durante o debate na campanha eleitoral deste ano. O impacto da paralisação que atingiu todo o país, segundo estudiosos ouvidos pelo LeiaJá, deve nortear, principalmente, a fala de candidatos mais radicais e conservadores, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) que tende a ser o mais beneficiado com os resultados do movimento. 

A tendência é salientada pelo professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Caldas. Na avaliação dele, o discurso de Bolsonaro abrange os insatisfeitos com o atual cenário do país, refletido nos 87% dos brasileiros que, segundo uma pesquisa do Datafolha, apoiam a greve; a parcela dos caminhoneiros que pede intervenção militar no país e a população que agora, com a acentuação do desabastecimento, prega a “ordem” e o restabelecimento das atividades. 

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“Isoladamente ele é o principal beneficiário. Até porque o movimento dos caminhoneiros é conservador, ninguém vê, por exemplo, a bandeira da CUT ou de outras centrais sindicais sendo levantada durante esses dias de protesto. Jair Bolsonaro é principal beneficiado, seguido por Marina Silva e Ciro Gomes”, projetou o estudioso. Segundo Ricardo Caldas, nomes como os de Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não devem ser beneficiados pelo protesto dos últimos dez dias.

Reforçando a tese de embasamento para os discursos eleitoral, apesar de não citar diretamente os candidatos, o também cientista político Antônio Henrique Lucena fez um panorama do cenário e observou que a crise é resultado de ações adotadas durante os governos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e do presidente Michel Temer (MDB). 

Na gestão da petista, Lucena lembrou que houve um subsídio, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que barateou a compra de novos caminhões aumentando a frota autônoma e reduzindo o preço do frete. Já na administração de Temer, o que acelerou a instabilidade foi a política de reajuste adotada para saldar a dívida de quase R$ 300 bilhões da Petrobras.

Com isso, o estudioso acredita que principalmente os candidatos com discursos populistas e opositores aos dois vão utilizar a greve para a disputa. “Essa greve vai ter repercussão nos debates eleitorais, e já está tendo agora, porque vários partidos estão tendo a visão de querer se beneficiar da crise. Adotando um discurso populista muito forte para tirar ganhos eleitorais em torno disso”, observou o especialista. 

“O presidente da Abcam [Associação Brasileira dos Caminhoneiros], inclusive, denunciou que membros de partidos políticos infiltrados estavam querendo reverter a greve em um ato contra Temer na tentativa de derrubar o governo. O que poderemos ver é um recrudescimento do discurso daqueles candidatos que buscam inferir ganhos políticos em relação a isso e principalmente contra o governo”, completou.

A greve e a sociedade

O levantamento do Datafolha, divulgado nesta quarta-feira (30), reforça que a manifestação foi benquista pela população. Os dados apontam 87% dos entrevistados a favor da paralisação e 56% defendendo que ela tenha continuidade. Questionado sobre o reflexo da mobilização na sociedade, a partir de um olhar político, o professor Ricardo Caldas disse que para o povo a manifestação grevista foi o “pontapé inicial” para as eleições deste ano. 

“A greve é o lançamento oficioso da campanha. Todos os candidatos estão se manifestando sobre o assunto e hoje não há brasileiro, do ‘Oiapoque ao Chuí’, que esteja indiferente a campanha política e partidária. A greve dos caminhoneiros obrigou todos os brasileiros a se posicionarem. Em função disso, acredito que vamos ter uma abstenção menor no pleito deste ano. Vamos ter um comparecimento maior do que o esperado, porque os eleitores não têm como ficar indiferente”, sustentou o estudioso. 

Já quanto a potência da mobilização, que membros do Governo Federal expuseram o medo de reviver as manifestações de 2013, o professor da UnB disse que os caminhoneiros têm até mais força do os movimentos explodidos naquele ano.  

 

“A diferença é que eles não estão tão politizados como esses movimentos anteriores que tinham uma mobilização anti PT. Esses componentes não estão presentes agora. Por exemplo, o MBL não apoia diretamente a mobilização. Não tem esse mesmo componente político e partidário”, comparou. 

O pedido de intervenção militar

Apesar da clareza de que não parte da maioria dos caminhoneiros, o pedido de intervenção militar trouxe mais uma vez à tona a discussão causando, inclusive, com a reação dos políticos que passaram a defender com mais contundência a democracia. Sob a ótica de Antônio Henrique Lucena, o argumento de que a volta do regime militar seja a solução para o país é um equívoco.

“Alguns caminhoneiros, de forma equivocada, estão pedindo a intervenção militar e parte da população também, como forma de solução para resolver os problemas. Não é. Até os militares acreditam que a volta deles ao poder não é a solução para a crise, os militares não querem pegar essa batata quente”, frisou. 

De acordo com o cientista político, o que os militares querem é manter a ordem e existe internamente uma movimentação para a eleição de candidatos militares, mas isso não reflete em intervenção militar. 

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