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Durante a pandemia da Covid-19, garotas de programa se viram obrigadas a se expor ao perigo de contaminação. Muitas não conseguiram o Auxílio Emergencial - que já é um valor muito abaixo do que costumam ganhar - e continuaram trabalhando na pandemia.



A UNAIDS, programa das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, afirma que a pandemia fez com que as profissionais do sexo em todo o mundo passassem por dificuldades, com perda total de renda e maior discriminação e assédio. A organização aponta que, como as trabalhadoras do sexo e seus clientes se auto-isolam, elas ficam desprotegidas, cada vez mais vulneráveis e incapazes de sustentar a si mesmas e suas famílias.

No Brasil, o governo lançou o Auxílio Emergencial para ajudar a população que foi afetada com o fechamento do comércio e outras medidas de isolamento para conter a Covid-19. No entanto, a Coordenadora da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e presidente da Associação de Prostitutas do Estado do Piauí, Célia Gomes, 54 anos, destaca que muitas profissionais não conseguiram o dinheiro do auxílio e se viram mais desprotegidas.

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“O governo acha que nós somos invisíveis. Só somos visíveis na hora de votar - aí nós somos gente, somos profissionais. A gente teve que ir trabalhar de outras formas, buscando as ajudas necessárias. Algumas das mulheres tinham o Bolsa Família, mas outras não tinham e nem conseguiram se inserir no Auxílio Emergencial”, explica Célia.

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A principal reclamação das profissionais do sexo é que o governo, seja ele municipal, estadual ou federal não desenvolveu políticas públicas voltadas para essa camada da sociedade que, rotineiramente, já é tão marginalizada pelo poder público.

“Foi uma situação que, para nós, foi pior do que para outros brasileiros. Nunca teve uma política pública para essa população, não seria agora que iria ter. A gente vem lutando por inclusão, mais respeito, mais políticas públicas. A gente participa de várias comissões, mas eles [os políticos] não querem olhar para nós”, salienta a coordenadora da CUTS.

Sem o apoio esperado dentro do seu próprio país, as profissionais conseguiram uma ajuda com órgãos internacionais. “A gente teve muita ajuda do pessoal de fora do país, que falava com a gente pelas redes. Aqui no Brasil a solidariedade apareceu, mas foi muito pequena. Durante todo esse tempo uma coisa bacana que aconteceu foi que quem tinha uma horta, um açougue eram as pessoas que mais ajudavam. Mas isso foi uma articulação das putas”, diz Célia.

Marcelly Tretine

Marcelly Tretine, 28 anos, profissional do sexo e secretária da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), lembra que o momento de maior dificuldade vivido pelas profissionais aconteceu nos primeiros meses da pandemia. Agora, com a queda nos registros de casos confirmados e óbitos, essas profissionais estão retornando a sua rotina de trabalho dentro do possível.

 "Nós conseguimos adaptar esta instituição para que pudéssemos possibilitar uma ajuda com a entrega de alimentos e kits de higiene. Conseguimos atender 400 pessoas porque a gente sabe o sofrimento de toda essa população", diz Tretine sobre a Amotrans.

"Já é difícil sobreviver na sociedade onde não se tem oportunidades. Como é viver na pandemia para essa população? É uma luta de sobrevivência. Tem que se expor, tem que trabalhar e tem que correr atrás. Eu tive a ajuda da minha família nesse período, mas nem todo mundo tem essa sorte", completa a secretária da Amotrans.

A UNAIDS aponta que organizações lideradas por profissionais do sexo de todas as regiões estão relatando falta de acesso aos planos nacionais de proteção social e exclusão de medidas emergenciais de proteção social. "Quando são excluídas das respostas de proteção social à Covid-19, as profissionais do sexo são confrontadas com a possibilidade de ter sua segurança, sua saúde e suas vidas em risco, apenas para sobreviver", diz a entidade.

A organização está apelando aos países para que tomem ações imediatas e críticas, baseadas nos princípios de direitos humanos, para proteger a saúde e os direitos das profissionais do sexo.

*Fotos: Júlio Gomes

É rotineiro falar de quantas pessoas pretas são mortas no Brasil por conta da cor de sua pele. O que não é muito comum neste País é a conquista da justiça para esse mesmo povo que é exterminado, ainda mais quando o culpado por essa morte é o Estado.

Pernambuco, segundo o último levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrou um salto das mortes causadas por policiais. Em 2015, foram 45 pessoas mortas pelos agentes. Em 2016, último ano da pesquisa, esse número subiu para 75 pessoas assassinadas pelos policiais.

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Entre elas está Mário Andrade de Lima, de 14 anos, morto pelo ex-sargento reformado da Polícia Militar Luiz Fernando Borges, no dia 25 de julho de 2016. Mario estava brincando de bicicleta com o seu amigo, um adolescente de 13 anos, quando ambos colidiram com a moto do policial, um motivo aparentemente fútil, mas que custou a vida do garoto.

Joelma Andrade de Lima, 36, é a mãe de Mario. Como toda mãe, ela recebeu a notícia da morte do seu filho e ficou em choque, sem acreditar no que ouvia. Sua família foi devastada e a sua filha mais velha quase entra em depressão. “Ela pedia para Deus levar ela porque queria se juntar com o irmão no céu (sic)”, relata Joelma.

Diante de todos esses problemas, mesmo sabendo que não é fácil conseguir justiça no Brasil, ainda mais quando se é preta e favelada, sem condições financeiras para contratar o melhor advogado, Joelma não esmoreceu e perseverou até ver o culpado pela morte de seu filho atrás das grades.

Foram dois anos e quatro meses realizando protestos no Recife, indo de encontro à Justiça e até ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado. Numa dessas idas, Joelma lembra como trataram o assassinato de seu filho. “Quando cheguei no Palácio mostrei 3 mil assinaturas colhidas para confirmar que meu filho não era bandido, porque o policial tinha dito que meu filho estava armado e iria assaltá-lo. Neste momento o secretário disse pra mim: ‘mãe, se a gente fosse dar conserto à todos os canos estourados na rua?’

Foi nesta comparação do assassinato de Mario com um cano estourado que Joelma, sem acreditar no que tinha ouvido, retrucou: “É, mas esse cano tem dona, e a dona dele sou eu. E já que vocês não podem dar o conserto, eu vou lutar para fazer”. E fez.

Depois de quatro audiências e várias manifestações, com a ajuda da população civil organizada, Joelma viu a Justiça condenar Luiz Fernando Borges a 28 anos e 4 meses de prisão pelo homicídio de Mario e pela tentativa de homicídio contra o outro adolescente de 13 anos, que foi baleado, mas conseguiu sobreviver.

Joelma Andrade furou o sistema e em dois anos conseguiu “solucionar” a morte de seu filho. E isso, infelizmente, também é exceção no Brasil, onde de todos os homicídios dolosos (com intenção de matar), apenas 6% são solucionados, segundo levantamento feito pela organização Sou da Paz.

“Nem eu sei de onde tirei força porque eu lutei contra o Estado. Sou um peixinho diante de um tubarão. Só que aí eu tinha um cardume ao meu redor”, exclama Joelma.

Depois da última audiência que condenou o ex-sargento, agora as advogadas de Joelma - que se propuseram a ajudar sem a mãe de Mario desembolsar um centavo, irão processar o Estado pela morte do adolescente.

A partir de sua história e de sua garra para “honrar” o nome de seu filho, como faz questão de falar, para que assim “ele descansasse em paz”, Joelma acabou se tornando um símbolo de resistência para a periferia que diariamente sofre com as barbáries social e, consequentemente, policial. Mas ela é humilde e não acredita ser a personificação da resistência.

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“Eu me vejo como uma mãe que lutou e que mostrou para as outras mães que a gente tem voz. Não é porque somos pretas, moradores da periferia que a gente deve ficar calado”, ressalta a mãe de Mario.

Tudo o que passou despertou o desejo para que Joelma ajudasse outras mães a partir da sua história. Agora, após o caso solucionado, além de querer se juntar à outros - retribuindo a força que se somou a ela, Joelma também tenta combater o mal que recebeu, devolvendo o bem para a sua comunidade e para quem ela conseguir estender a mão.

A Consciência no Alto, que é Preto

Contra as comunidades mais periféricas permeiam as dificuldades de raça - principalmente por ser habitada em maioria por pessoas pretas - acesso ao básico, violência, ação policial, tráfico de drogas. É lá onde pesa a desigualdade social.

Entendendo as consequências sociais por serem negros e favelados, o Coletivo Fala Alto, atuante nas comunidades do Alto do Pascoal e Alto Santa Terezinha, “coirmãs” da Zona Norte do Recife, se organizou na vontade de conscientizar essas comunidades, visando o entendimento de uma vida mais digna e reconhecimento do “eu” que representa cada morador das vielas que cortam a região que vive à margem da sociedade.

São 6 jovens. Tem MC, artesã, percussionistas, fotógrafo e estudante de direito compartilhando conhecimento na favela. É assim que eles conseguem conscientizar os seus.

São vários trabalhos que o Fala Alto elabora, mas as discussões sobre o que diz respeito à miséria, machismo, encarceramento e extermínio do povo preto é o que permeia esses encontros, sejam eles em cine debates, rodas de diálogos ou uma simples intervenção comunitária por meio da arte.

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“Diferente do que acontece em vários movimentos sociais, nossa discussão dentro da comunidade não se limita a discussão política (partidária), nem muito menos nos vendemos em épocas eleitorais para conseguir votos para determinado candidato. Esse não é o nosso papel aqui”, aponta Kayo.

“É a partir do que acontece na comunidade e o conhecimento de mundo dos adolescentes (maioria participante dos debates) que a gente tenta elaborar as discussões. A gente debate coisas que a galera saiba do que se trata, como por exemplo a violência policial que os jovens sabem que acontece (tendo muitos deles já sofrido tal repressão)”, relata a estudante de direito Carol Barros, de 22 anos.

O Coletivo Fala Alto, na sua bolha, tenta lutar contra as estatísticas do Brasil. Já que no país, sete em cada dez pessoas assassinadas são negras. Na faixa etária de 15 a 29 anos, são cinco vidas perdidas para a violência a cada duas horas, segundo aponta a Organização das Nações Unidas (ONU). Estando este extermínio totalmente voltado para as periferias.

O coletivo tenta burlar essas estatísticas, tudo por meio do diálogo e da conscientização de seu povo. São jovens que não entraram nas estatísticas de morte, unidos pela mudança social.

“O mínimo que a gente teve de espaço para conseguir sair, mesmo se arranhando pela brechinha, conseguimos pegar (conhecimento) lá fora e estamos trazendo pra dentro da comunidade”, salienta Kayo.   “Nossa discussão central refere-se a nossa própria vida, nossa própria existência”, complementa Carol.

O Fala Alto acredita que tanto a comunidade do Alto Santa Terezinha, quanto o Alto do Pascoal, são muito grande e passaram muito tempo sem esses debates que estão diretamente ligados com a sua existência. Por isso, confiam na força e consolidação desse movimento, que ainda é novo no bairro - tendo sido criado em abril deste ano.

“A gente quer defender o nosso povo negro que sofre, que é atendido numa casa que foi feita em posto de saúde porque a Upinha está sendo construída há 10 anos. O que queremos é que nossa população busque espaços de forma que ela se sinta representado, não só ter um Compaz (Centro Comunitário da Paz) pra dizer que tem, esse espaço tem que dialogar com a comunidade”, fala Kayo.

Enquanto movimentos sociais se firmam no centro e, juntamente com alguns partidos políticos se esquecem da classe operária que vive massivamente nas periferias, o Coletivo Fala Alto se articula para atender os anseios sociais da favela. É um ponto de resistência e, a cada encontro comunitário promovido para a discussão do que os assola, conscientizam a sua população negra que tanto é marginalizada.

“Não somos nós que moramos numa casa que tem porteiro e interfone para a polícia ligar e perguntar se pode entrar”.

*Fotos de Júlio Gomes e Rafael Bandeira - LeiaJáImagens

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