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Todo mês de dezembro é tempo de migração. Dos bairros do Coque, Joana Bezerra, Santo Amaro, das comunidades de Olinda; os pequenos grupos familiares convergem ao Cais de Santa Rita, na área central do Recife, e se instalam. À espera das doações características do período natalino. Eles têm casas, têm onde morar, mas às vezes falta o básico nas vestimentas e na alimentação. “O povo passa de carro, xinga, manda ir trabalhar, chama de vagabundo. Se a gente está aqui, é porque precisa”.
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Ana Paula, 36 anos, foi quem primeiro falou com a equipe de reportagem. Não quis dizer sobrenome, nem tirar foto, mas a timidez ia embora quando se lembrava das afrontas sentidas na pele, na rua, “tratada como se fosse ladrão”. Confessou que frequenta anualmente o tradicional ponto de doação desde os 13 anos. Atualmente, está desempregada e sem receber o seguro. “A gente está aqui pra receber qualquer coisa. Quem sou eu pra exigir o que eu quero?”, comenta Ana Paula, grávida do décimo filho. Os outros nove acompanham a mãe no Cais.
Os “vagabundos” do Cais de Santa Rita – como são chamados por muitos – tiveram os pertences recolhidos pela Polícia, na última semana. “Sexta-feira (12) vieram aqui, não quiseram nem saber se tinha menino pequeno, já chegaram pegando nossas caixas, nossas coisas. Eu mesmo levei uma porrada nas costas (com um cassetete), porque subi no caminhão para pegar os sapatos novos que o marido comprou para os meninos”, narra Jéssica Maria de Lima, moradora de Santo Amaro. Prestou queixa e ameaçou chamar a imprensa. Os produtos foram devolvidos.
São cerca de 150 pessoas – a maioria desempregada - alojadas entre os antigos armazéns do Cais. Quase do mesmo tamanho dos caixotes, as crianças correm de um lado para o outro, sem parar, mas nunca em direção aos carros, na pista. “Eles já sabem que carro mata”, diz Jéssica. Quando chove, se abrigam com uma lona preta segura por pregos fincados nas paredes do armazém. Ana Paula, por exemplo, não dorme à noite. “Fico olhando os meninos enquanto eles dormem. Só durmo de manhã, ou depois do almoço”.
A única que autoriza uma fotografia é Maria da Penha da Cruz, mãe de Ana Paula, avó dos nove que perambulam pelo Cais. “É a delegada”, se intitula a senhora de 64 anos. Apesar da brincadeira, lamenta o modo como são tratados. “Na minha idade, se eu não precisasse, eu estaria em casa repousando, fazendo qualquer outra coisa”. Além das doações que costumam ser feitas à noite, os inquilinos temporários do Cais de Santa Rita lavam carros, catam lixo e pedem nos semáforos.
As mulheres garantem que os menores não fazem os serviços, mas a reportagem flagra o trabalho infantil nos sinais. Questionadas se levam as crianças para sensibilizar a população para as doações, negam. “Não temos com quem deixar. Todos da família, muitas vezes, estão aqui, então não tem parente para deixar as crianças”.
Às 18h30, um jovem passa e pergunta “que horas vai sair na tevê”. Jéssica explica que é “pela internet”. Despedem-se e torcem para que as doações aumentem, porque o ano está mais fraco do que o passado. Alguns saem para o outro lado do armazém. Um casal dorme, com um recém-nascido entre si. Falta uma semana para o Natal.