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Francisco, eleito ao trono de Pedro em 2013 para reformar um Vaticano abalado por escândalos, tem ainda muitos desafios pendentes depois de quatro anos de pontificado, assim como muitos obstáculos a superar para que os resultados se apresentem em curto prazo.

Nesta segunda-feira, dia 13 de março, o sumo pontífice argentino completa quatro nos no comando da Igreja católica ainda despertando um grande fervor popular, com sua linguagem afável, simples, que o conecta com os mais humildes. No entanto, não desperta o mesmo fervor na Cúria romana, o poderoso governo central da Igreja, com quem teve duros confrontos, mostrando sua postura mais dura e autoritária.

Em dezembro, por ocasião da saudação de Natal aos cardeais e bispos que trabalham no Vaticano, o Papa enumerou a lista de de "antibióticos" para combate os males da Igreja, entre eles honestidade, "humanidade, racionalidade, bondade, respeito, lealdade e sobriedade. Segundo um bispo argentino próximo ao Papa, Francisco conta com o apoio de cerca de 20% da Cúria e apenas uma minoria se opõe abertamente a sua gestão.

Os vaticanistas recordam que introduzir mudanças na Igreja sempre foi um trabalho lento e que, em dois mil anos de história, a instituição soube sobreviver aos desafios e contradições.

A questão da pedofilia dos padres continua sendo um espinho no pontificado de Francisco e um dos problemas mais graves que precisa encarar. 

No início de março, Francisco perdeu uma aliada-chave na luta contra os abusoso sexuais cometidos por padres, a irlandesa Marie Collins, uma ex-vítima, que renunciou a fazer parte do grupo de especialistas criado por ele para combater o fenômeno. Collins denunciou principalmente as resistências, obstáculos e falta de colaboração por parte de alguns membros da Cúria, principalmente da Congregação para a Doutrina da Fé, guardiã do dogma e da moral.

Papa bom, Cúria má

"Acho que é preciso acabar com o clichê de que o Papa é bom e a Cúria é má", explicou o cardeal alemão Gerhard Ludwig Müller, conhecido por suas posições conservadoras e encarregado da influente congregação, conhecida no passado como Santa Inquisição.

O vaticanista Gianni Valente, da página especializada "Vatican Insider", sensível à mensagem do Papa, teme que "o clichê Papa bom, Cúria má" termine por afetar negativamente o pontífice, isolando-o. "Há muito mal-estar interno, como a dos meios de comunicação", explicaram fontes que ligadas à Cúria.

Outra reforma-chave que pretende por fim à desordem imperante por décadas na administração do Estado vaticano foi a de melhorar o emprego de recursos e garantir a transparência nas finanças vaticanas para ampliar seus programas de ajuda aos mais necessitados e marginalizados da sociedade.

A mesma Santa Sé reconheceu que ainda precisa de alguns anos para consolidar seu estado financeiro. "É difícil impor normas comuns de contabilidade quando não se faz nada há muitos séculos", ironizou uma fonte interna.

O encarregado por Francisco de limpar as finanças vaticanas, o superministro da Ecocomia, cardel australiano Goerge Pell, foi envolvido no escândalo dos padres pedófilos em seu país, e sua defesa da economia de mercado se choca com a mentalidade do papa latino-americano.

Sua permanência em um cargo tão importante gera muitas interrogações, e muitos observam com atenção a gestão do imenso patrimônio imobiliário do Vaticano, um verdadeiro tesouro, de um valor em torno dos 4 bilhões de euros, segundo o liro Avarizia de Emiliano Fittipaldi. 

"O papa inicia processos de reforma e termina por semear apenas desordem", comentou Sandro Magister, um dos vaticanistas mais críticos em relação a Francisco. "Está muito longe de cumprir com suas metas", afirma Magister, enquanto Valente recorda que um pontificado "não depende de obter resultados" e sim de sua missão humanizadora em um mundo globalizado.

O Papa Francisco completa neste domingo o seu terceiro aniversário de pontificado com dezenas de milhares de pessoas reunidas na Praça de São Pedro, reforçando sua mensagem de misericórdia e oferecendo 40 mil cópias Evangelho de Lucas, em formato de bolso, aos peregrinos que foram receber a bênção papal na praça.

"Trata-se do Evangelho de Lucas, que lemos nos domingos deste ano litúrgico. O livro tem este título: ‘O Evangelho da Misericórdia de São Lucas’", explicou o papa de sua janela do apartamento pontifício, após a recitação da oração do ângelus.

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Francisco começou seu pontificado em 2013, salientando uma mensagem de misericórdia, que ele tem enfatizado, em particular, durante o Ano Santo da Misericórdia.

O papa contou à multidão a história bíblica da mulher adúltera a quem Jesus recusou-se a condenar. "Esta mulher representa todos nós, adúlteros diante de Deus, traidores de sua confiança. E sua experiência representa a vontade de Deus para todos nós: que não há condenação, mas a nossa salvação através de Jesus", disse ele. Fonte: Associated Press

O Papa Francisco abre no próximo domingo, no Vaticano, o segundo sínodo sobre a família, cujos debates, sobre temas espinhosos, como o divórcio, o concubinato e a homossexualidade, marcarão seu pontificado.

De 4 a 25 de outubro, cerca de 400 cardeais e bispos, provenientes de todos os continentes, debaterão pela segunda vez em um ano sobre os desafios encarados pela família católica, em crise diante das mudanças da sociedade moderna.

"A última palavra sobre todos estes temas é do Papa", esclareceu nesta sexta-feira em uma coletiva de imprensa o cardeal Lorenzo Baldissieri, secretário-geral do Sínodo. "Estamos no mar e há muitas turbulências", reconheceu.

Uma série de questionários enviados a pedido do Papa às dioceses de todo o mundo colocaram em evidência a distância entre a doutrina severa da Igreja e a prática dos fiéis.

O primeiro sínodo ou assembleia de bispos sobre a família, celebrado há um ano, revelou as profundas tensões e divergências que reinam dentro da Igreja católica, apesar de compartilhar uma série de conceitos básicos.

Os 360 "padres sinodais" convidados pelo Papa, desta vez sabiamente escolhidos entre conservadores e progressistas, debaterão sobre temas delicados, sem a obrigação de chegar a uma conclusão.

Pela primeira vez 18 casais participarão dos debates, que deverão apresentar sua própria visão como leigos diretamente envolvidos.

Para o Papa de origem argentina, a família tradicional está vivendo uma crise profunda, que afeta o conjunto da sociedade e em particular a Igreja, de cujas diretrizes oficiais muitos fiéis se afastaram.

"A aliança entre o homem e a mulher é a resposta aos desafios do mundo atual, sendo, por sua vez, modelo da gestão sustentável da criação", afirmou na quarta-feira o Papa durante a audiência geral no Vaticano.

Francisco, que se apresenta como um religioso aberto ao diálogo, disposto a ouvir as partes, é um conservador em assuntos doutrinários.

Embora tenha reconhecido recentemente que é justo e necessário que um casal se separe quando há violência, reiterou em seus quase três anos de pontificado a condenação ao aborto, ao casamento homossexual e à eutanásia, embora com um tom menos agressivo e reivindicativo em comparação com seus antecessores.

Choque de expectativas

O principal conflito que os bispos enfrentarão gira em torno dos divorciados que voltam a se casar.

Para a Igreja o casamento é indissolúvel e não reconhece o divórcio civil, razão pela qual não permite que os católicos divorciados que voltam a se casar recebam a comunhão.

Livros, petições, simpósios de um lado e de outro pedem de um lado maior flexibilidade e do outro exigem a inviolabilidade da doutrina.

Uma petição lançada há vários dias na página Change.org, a pedido de vinte teólogos de todo o mundo, solicita ao Papa e ao Sínodo que autorize a comunhão aos divorciados que voltam a se casar.

A petição já superou as dez mil assinaturas.

Reina um clima tenso, com príncipes da Igreja que se acusam mutuamente. Muitos temem que no decorrer deste ano tenha se constituído um núcleo duro, "dedicado mais a frear que a propor" reformas, afirmaram à AFP fontes religiosas.

No início de setembro, com um golpe astuto, o Papa simplificou o procedimento para a nulidade do casamento, que também será gratuito, resolvendo antecipadamente um dos problemas sobre o tapete.

A reforma democratizou o trâmite, mas não modificou os motivos que justificam as anulações, assunto que será abordado durante o sínodo. Alguns setores progressistas manifestaram suas dúvidas sobre o resultado do sínodo e temem que o Papa das reformas e da renovação acabe por decepcioná-los.

"Não entendo a estratégia do Papa. Por um lado encoraja o debate e por outro parece encerrá-lo", comentou recentemente um vaticanista americano. Os grandes temas que fazem muitos católicos sofrerem, como a comunhão dos divorciados ou a discriminação dos casais com o mesmo sexo, podem cair no esquecimento.

Francisco deverá elaborar, se assim decidir, um documento Papal que para muitos observadores marcará a direção que seu pontificado tomará.

O Papa dos pobres, das periferias, o pacificador da América por seu papel em Cuba, Estados Unidos e Colômbia, tem agora a tarefa de conciliar setores contrários dentro da mesma Igreja, além de oferecer perdão e misericórdia, como anunciou ao lançar o Jubileu ou Ano Santo a partir de 8 de dezembro deste ano.

O papa Francisco, o pontífice número 266 da história da Igreja Católica, já fez nove viagens ao exterior desde que foi eleito em 13 de março de 2013.

- Brasil -

Em sua primeira viagem ao exterior (de 22 a 29 de julho de 2013), apenas cinco meses depois de ser eleito, Francisco presidiu a XXVIII Jornada Mundial da Juventude, que aconteceu no Rio de Janeiro.

Na viagem substituiu o papamóvel blindado por um veículo branco totalmente aberto e quebrou o protocolo em várias oportunidades para se aproximar dos fiéis.

- Terra Santa -

A segunda viagem foi uma peregrinação de três dias (24 a 26 de maio de 2014), a Terra Santa, que incluiu Jordânia, Belém (na Cisjordânia) e Jerusalém.

O papa defendeu o diálogo e a paz no Oriente Médio, dialogou com o líder da Igreja ortodoxa, rezou pela paz, se reuniu com o rei Abdallah II, o presidente palestino Mahmud Abbas, o presidente israelense Shimon Peres e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Francisco foi acompanhado por dois amigos e compatriotas argentinos, o rabino Abraham Skorka e o professor muçulmano Omar Abboud.

- Coreia do Sul -

A primeira viagem de um papa ao continente asiático em 15 anos teve como destino a Coreia do Sul (de 13 a 18 de agosto de 2014). Francisco se despediu com um apelo emotivo à unidade entre os coreanos do Norte e do Sul, divididos após a Segunda Guerra Mundial.

- Albânia -

Francisco celebrou uma visita de 11 horas em 21 de setembro de 2014 a Albânia, primeiro país da Europa que visitou, escolhido por ser uma das "periferias do mundo", entre os mais pobres e esquecidos do velho continente.

- Estrasburgo (França) -

Em 25 de novembro de 2014 Francisco fez uma rápida visita de menos de quatro horas a Estrasburgo (França) para discursar no Parlamento Europeu e no Conselho da Europa sobre justiça social e tolerância, em uma Europa em crise que vive um inquietante aumento do extremismo.

- Turquia -

Francisco visitou a Turquia entre 28 e 30 de novembro de 2014, uma viagem com escalas em Ancara e Istambul, símbolo de sua vontade de defender o diálogo entre as religiões e os cristãos da região, ameaçados pela guerra.

- Sri Lanka e Filipinas -

Francisco viajou pela segunda vez à Ásia entre os dias 12 e 19 de janeiro de 2015 para visitar o Sri Lanka e as Filipinas, uma maneira de reconhecer a importância do continente para a Igreja Católica, que está perdendo fiéis em outras regiões do mundo.

O papa concluiu a viagem com uma missa em Manila que reuniu seis milhões de pessoas, um recorde.

- Bósnia e Herzegovina -

O chefe da Igreja Católica celebrou uma visita relâmpago a Sarajevo em 6 de junho de 2015 para estimular o processo de paz na Bósnia e Herzegovina e promover a coexistência entre sérvios, croatas e muçulmanos.

- Equador, Bolívia e Paraguai -

Francisco fez uma viagem de uma semana, de 5 a 12 de julho de 2015, aos três países mais pobres da América do Sul, Equador, Bolívia e Paraguai, onde pediu perdão pelos crimes contra os indígenas durante a conquista da América.

- Cuba e Estados Unidos -

Francisco iniciará no sábado a 10ª viagem de seu papado, a Cuba e Estados Unidos, uma oportunidade para estabelecer pontes entre o país comunista e a superpotência capitalista.

Entre 25 e 30 de novembro já está prevista uma viagem à África, com escalas no Quênia, Uganda e República Centro-Africana.

O papa Francisco celebrou o segundo aniversário de sua surpreendente eleição prevendo que não deverá ser pontífice por muito tempo. Em uma entrevista à emissora mexicana Televisa, transmitida parcialmente na noite desta quinta-feira, o papa disse que tem a sensação que seu pontificado será breve. "Quatro ou cinco anos, não sei, talvez até mesmo dois ou três. Bem, já se passaram dois anos", disse Francisco.

Francisco havia dito previamente que acreditava que seria papa por dois ou três anos e que o precedente aberto pela renúncia de Bento XVI, em 2013, não devia ser considerado excepcional.

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O papa afirmou que não é ruim ser papa, porém o que ele mais sente falta é da liberdade. "A única coisa que eu gostaria de fazer é poder sair um dia sem que ninguém me reconheça e comer uma pizza", afirmou, gargalhando. Durante uma missa nesta sexta-feira, Francisco também anunciou um Ano Santo extraordinário a partir do dia 8 de dezembro para que a Igreja se concentre no perdão e na misericórdia.

É apenas a 27ª vez na história que a Igreja Católica proclama um Ano Santo. O anterior foi convocado por João Paulo II em 2000 para celebrar o começo do terceiro milênio.

Os anos santos permitem que os católicos recebam indulgências especiais, uma forma de fazer as pazes com seus pecados além da absolvição concedida pela confissão. O ano começa com a abertura simbólica da Porta Santa na Basílica de São Pedro.

Em sua homilia, Francisco afirmou que a Igreja deve manter sempre suas portas abertas para não excluir ninguém de sua misericórdia divina. "Quanto maior o pecado, maior deve ser o amor que a Igreja demonstra àqueles que se convertem", afirmou. Fonte: Associated Press.

Contrariando o ditado popular "santo de casa não faz milagre", o santo padre, o papa Francisco, segundo uma pesquisa da consultoria Poliarquia, conta atualmente com 93% de aprovação popular na Argentina. Neste país, no qual as lideranças raramente possuem o consenso generalizado dos habitantes, Francisco possui apenas 1% de imagem negativa. A pesquisa também sustenta que 69% dos entrevistados consideram que o pontífice está gerando "grandes mudanças" na Igreja Católica. Outros 22% afirmam que Francisco está realizando "reformas moderadas". Somente 6% sustentam que o novo papa está fazendo "poucas" mudanças.

Segundo a Poliarquia, Francisco também conta com a simpatia de setores não-católicos. Do total deste grupo de pesquisados, 42% sustentam que confiam mais na Igreja desde que Francisco é papa. Outros 36% afirmam que a imagem da instituição religiosa não mudou neste ano. Alejandro Catteberg, diretor da consultoria, sustenta que "na Argentina o impacto de sua figura vai mais além do meramente espiritual, religioso ou simbólico, já que desenvolveu uma enorme importância no plano político. É um efeito que, voluntária ou involuntariamente, se ampliará no futuro".

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Cartazes.

O governo da presidente Cristina Kirchner, outrora inimigo do cardeal Jorge Bergoglio, celebrou um ano de pontificado de Francisco com cartazes espalhados pela cidade de Buenos Aires com a foto do papa e os dizeres "um ano compartilhando esperanças". Os cartazes são da autoria da agência Equipes de Difusão, do ex-secretário de comunicação, o kirchnerista Enrique Albistur, que costumeiramente coloca cartazes encomendados pelo governo Kirchner. Em agosto passado, em plena campanha para as eleições primárias, o governo colocou cartazes nas ruas estampando a foto que a presidente Cristina fez com o papa durante seu breve encontro nas Jornadas Mundiais da Juventude.

Em um ano, o Papa Francisco mudou a imagem da Igreja Católica, devastada por escândalos, com uma revolução pacífica, marcada por uma linguagem direta e simples, embora muitos especialistas e católicos ressaltem que ainda falta muito para adaptar o mundo moderno a uma instituição milenar e antiquada.

O papa argentino, que veio "do fim do mundo", como ele mesmo afirmou, e que prometeu uma Igreja pobre para os pobres poucos dias após sua eleição, na tarde de 13 de março de 2013, quando apareceu com um crucifixo de ferro no balcão da basílica de São Pedro, despertou grandes expectativas e muitas esperanças entre os católicos de todo o mundo por seus gestos de abertura e suas palavras tolerantes.

O primeiro papa jesuíta e latino-americano da história cumpriu com regularidade no Vaticano o tradicional protocolo de cerimônias e visitas de Estado que lhe impõe seu papel de líder de mais de um bilhão de católicos.

Paralelamente, foi capaz de romper os moldes, de improvisar e falar abertamente durante suas homilias matinais e ângelus dominicais contra as injustiças sociais, a falta de ética e até das fofocas, intrigas e ambições que tanto desacreditaram a Cúria romana, a influente maquinaria vaticana.

O Papa que concedeu entrevistas exclusivas aos três principais meios de comunicação italianos, que se define como uma pessoa normal, que abandonou qualquer luxo e circula em um carro comum, atrai multidões à praça de São Pedro, gerando o que muitos classificaram de uma verdadeira "franciscomania".

Isso ficou marcado em sua primeira viagem ao exterior como Papa, quando participou na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, em 2013. Ele atraiu multidões de jovens e conquistou admiradores que sequer esperavam se deixar seduzir por seu carisma.

A bordo do avião de volta para o Vaticano, não evitou a pergunta da repórter brasileira sobre a delicada questão da homossexualidade e se despiu de qualquer arrogância ao responder à pergunta com outra pergunta que ganhou as manchetes: "quem sou para julgar os gays?".

O Ângelus de domingo se transformou no programa mais visto da televisão pública italiana.

Durante as audiências de quarta-feira, cuja presença de fiéis aumentou em 30%, beija crianças, saúda amigos, abraça políticos. Entrou para a história a foto do Papa beijando o rosto de uma pessoa que sofre de neurofibromatose, um gesto de compaixão inédito, tão popular quanto as chamadas telefônicas a desconhecidos que o escrevem.

Diante do tímido "avô sábio", como chama seu antecessor, Bento XVI, com quem convive dentro do Vaticano após sua surpreendente renúncia, Francisco se apresenta como uma pessoa extrovertida, que não teme controvérsias, que aborda temas tabu para a igreja, como a homossexualidade, inclusive a dos padres, a barriga de aluguel, as mães solteiras e até seu papel de Papa infalível.

"Dizem que está dessacralizando a função do Papa, que é muito acessível", lembrou recentemente o vaticanista italiano Andrea Tornielli, do site Vatican Insider.

São as primeiras críticas a um estilo de papado que oscila entre o folclórico e o moderno, que para alguns observadores latino-americanos é peronista, pelo fato de se proclamar como o "porta-voz dos humildes", e se apresentar ao mesmo tempo como conservador e progressista.

"É um pontífice ponderado", resume Sandro Magister, o especialista em assuntos vaticanos da revista italiana L'Espresso.

Expectativas provocadas por Francisco

Embora não existam dúvidas de que a imagem da Igreja mudou em um ano, surgiram muitas perguntas sobre a modernização moral e social que Francisco quer levar adiante dentro da entidade.

Como primeiras medidas, o Papa impulsionou um gigantesco debate sobre a família, convocou dois sínodos, enviou um questionário a todos os bispos sobre as "novas formas de família", razão pela qual são esperadas importantes decisões sobre este tema quente.

A Igreja católica deverá responder em um prazo não muito longo e com medidas concretas às esperanças dos divorciados que voltaram a se casar, de mães e pais solteiros, dos casais que não oficializaram sua união, dos que defendem a contracepção.

Mas traduzir em gestos concretos as palavras de Francisco não é uma tarefa fácil para uma organização que sobreviveu por dois mil anos e cujas transformações são viáveis no longo prazo.

A batalha a favor da reforma da desacreditada Cúria romana e de suas controversas finanças, acusada de corrupção e lavagem de dinheiro, já começou.

Para isso criou um tipo de ministério da Economia, com uma equipe mista internacional de cardeais, bispos e especialistas auditores, de modo a acabar com o ancestral centralismo da Igreja e favorecer a transparência financeira e administrativa.

Todas estas medidas foram tomadas por recomendação de várias comissões lideradas por cardeais de sua confiança, muitos deles latino-americanos, um método incomum dentro dos palácios pontifícios.

São apenas os primeiros passos, cujos resultados ainda não chegaram.

Os mais duros e críticos ao pontificado foram as vítimas dos padres que abusaram sexualmente delas e que pedem medidas mais firmes contra o fenômeno, negando-se a se resignar e a aceitar os pedidos de perdão e as promessas de tolerância zero.

Elas pedem a prisão para todos em todos os países, enquanto o movimento conservador Legionários de Cristo, símbolos desses abusos, se renovou com a bênção papal.

O primeiro Papa jesuíta e sul-americano da história, o argentino Francisco, completa nesta quinta-feira 100 dias no Trono de Pedro, durante os quais conquistou uma surpreendente popularidade em todo o mundo, mostrando a face mais humilde e simpática da Igreja, enquanto prepara uma revolução pacífica dentro da desacreditada Cúria Romana, um desafio que marcará sua passagem pela Santa Sé.

Francisco, 76 anos, que adotou o nome de São Francisco de Assis para lembrar que é preciso "uma Igreja pobre e para os pobres", se transformou em pouco mais de três meses no Papa de todos, por sua linguagem direta e clara, por seus gestos de afeto em público e seu estilo simples e despojado junto aos fieis.

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Ele tem um estilo menos tímido que o de seu antecessor, o alemão Bento XVI, com quem convive dentro do Vaticano, sendo esta a primeira vez na história que dois papas coabitam na Santa Sé. Desde sua eleição em 13 de março, o Papa surpreende por suas decisões inauditas, como a opção que fez em morar na austera residência Santa Marta em vez do luxuoso e inacessível apartamento papal dentro do Palácio Apostólico, ou a de usar seus confortáveis sapatos pretos no lugar dos tradicionais vermelhos, ou ainda a de manter seus bate-papos informais com religiosos e amigos, com quem fala sem cerimônia dos problemas de seu cargo, da corrupção, das intrigas, das lutas pelo poder e até da existência de um lobby gay dentro do Vaticano, em síntese, dos escândalos que abalaram o papado de Bento XVI.

Francisco faz suas refeições com bispos, funcionários, empregados domésticos, não tem um lugar especial no refeitório comum e prefere estar cercado de pessoas, algo que causa muita preocupação a seus agentes de segurança. Em um mundo afligido pela crise econômica, que não tolera mais os privilégios disparatados, o Papa que "veio do fim do mundo", como ele próprio definiu, abandonou todo o luxo, condenou a riqueza, as injustiças sociais e a falta de ética.

Ao rejeitar a "tirania do dinheiro" e a "ditadura de uma economia sem rosto", como a definiu, se tornou o porta-voz de milhões de pobres de todos os continentes e suas aparições e frases célebres atraem multidões à Praça de São Pedro.

Suave nas palavras e firme nos conteúdos

Se para muitos observadores a linha pastoral é clara, "suave nas palavras e firme nos conteúdos", é evidente que ainda está por começar o que alguns chamam de "revolução pacífica". Reformar a Cúria Romana não será tão difícil. O controvertido Banco do Vaticano, acusado de lavagem de dinheiro, será reorganizado para que cumpra com os requisitos internacionais de transparência. O mais difícil será colocar em andamento mecanismos colegiais de consulta, que permitam aos bispos participar das decisões das estratégias do papado", resumiu o vaticanista Marco Politi.

Um mês depois de sua eleição, a designação de oito cardeais de todos os continentes para reformar a Cúria Romana é considerada o ato mais significativo de sua breve gestão. Em poucos meses haverá uma ideia mais definida de sua reforma e do modelo de Igreja que propõe.

Francisco tem consciência de que foi eleito para recuperar a autoridade perdida devido aos escândalos de corrupção, intrigas e sexo."A reforma não pode ser feita sozinha", admitiu o Papa com franqueza, diante de um grupo de religiosos latino-americanos, depois de ter visitado, sistematicamente, todas as congregações e conselhos vaticanos, ouvido queixas e elogios, e analisado o que se pode fazer de melhor e o que se pode mudar.

"Fala-se de 'lobby gay' e a verdade é que está aí... é preciso ver o que podemos fazer", admitiu, referindo-se ao sistema de chantagens internas baseado nas fraquezas sexuais dos padres, denunciado pela imprensa italiana em fevereiro. O Papa, que não era íntimo das entranhas da maquinaria vaticana, mantém contatos permanentes com o cardeal hondurenho Oscar Andres Rodríguez Maradiaga, coordenador especial do grupo de consulta, que prepara um projeto de reforma para o início de outubro.

"É um Papa independente da Cúria, que está construindo sua própria rede e não gosta de burocracia", explica o vaticanista Sandro Magister. Acabar com o ancestral centralismo da Igreja e tratar de interesses, inclusive econômicos, de importantes correntes internas, em sua maioria conservadoras, começa a irritar algumas pessoas.

"É um demagogo", "não tem o nível intelectual de um Bento XVI", "um bonachão", "puro folclore latino-americano", são algumas das definições sussurradas nos corredores da Cúria, segundo o vaticanista Marco Politi, do Fatto Quotidiano. Outros lamentam que o Papa não tenha substituído ainda o número dois da Santa Sé, o 'primeiro-ministro' do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, cujo cargo perdeu influência nos últimos meses, em um ensaio de talvez uma nova forma de governa, menos hierárquica e mais democrática.

As tensões provocadas pelo estilo do novo Papa foram ilustradas pelo secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, o laico uruguaio Guzmán Carriquiry, que vê na tendência a comparar Francisco a Bento uma "obra de Satanás". Ninguém sabe se ele conta com os conselhos de Bento XVI, mas o fato é que Francisco prestará ao antecessor uma curiosa homenagem quando assinar com ele a encíclica sobre a fé, a primeira escrita por dois pontífices vivos.

"É um documento forte. Um grande trabalho, o que ele fez e o que eu vou terminar", comentou Franciso há uma semana. Como Bento XVI, Francisco segue uma linha rigorosa sobre a doutrina, mas seu estilo papal com certeza será diferente.

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