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As escolas são a base educacional da sociedade, desde as fases iniciais aos últimos anos do ensino médio. Além dos conteúdos concretos, as instituições de ensino básico também incentivam o pensamento crítico e a reflexão sobre a realidade.

Em alguns momentos, essa reflexão é feita por uma perspectiva religiosa, por meio da disciplina de ensino religioso.

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O tema faz parte da grade escolar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como uma matéria facultativa, apesar de estar presente em boa parte das instituições de ensino. A forma de lecionar a disciplina pode ser feita de duas maneiras: através de um viés laico ou focado em uma única crença.

O Brasil, um país majoritariamente religioso e cristão, possui milhares de escolas confessionais, ou seja, aquelas que têm uma religião declarada e desenvolvem seus fundamentos durante suas aulas.

Segundo a Prospecta Educacional, em uma pesquisa de agosto de 2020, o país tem  mais de mil unidades escolares que são evangélicas. Já na página de associados da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC), estão presentes 901 mil escolas e 117 instituições de ensino superior católicas em 900 municípios brasileiros.

Desde 1890, o Brasil é declarado um país laico e tomou a responsabilidade de separar o Estado da religião para garantir que toda fé tenha direito de existir no país. Ao trazer o conceito religioso para dentro de salas de aulas, para crianças em diferentes fases de crescimento, um questionamento pode surgir: qual deve ser a metodologia utilizada?

Ensino religioso na história

Colonizados por um país católico, nativos e escravizados trazidos para o Brasil tiveram que enfrentar uma catequização para apresentar a religião cristã e seus fundamentos. Durante muito tempo na história do Brasil, a religião e o ensino religioso esteveram presentes com um único objetivo: catequizar e proferir ideais de uma religião específica, neste caso, a cristã.

A proposta de Estado Laico surgiu pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), mas foi oficialmente estabelecida na Constituição Federal de 1988 que tornou o ensino religioso uma matéria facultativa nas escolas, ou seja, opcional, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Confessional x interconfessional

O ensino confessional é voltado para os ensinamentos de uma determinada religião, realidade mais presente nas escolas particulares. Já o ensino interconfessional visa passar informações de mais de um grupo religioso, englobando maiores diferenças e crenças em seu ensino.

A LDB vigente até os dias atuais é a de 1997, que proíbe qualquer tentativa de converter estudantes dentro de sala de aula. Ela foi base para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em que o ensino religioso aparece como uma área específica do conhecimento, com determinações de ensino e formação.

Hoje, o ensino religioso já é reconhecido como uma das cinco áreas de conhecimento do ensino fundamental de nove anos, segundo a Resolução CNE/CEB n.º 04/2010 e Resolução CNE/CEB n.º 07/2010. A disciplina, em teoria, visa transmitir a variedade de fundamentos e valores de diferentes religiões de maneira interdisciplinar e mais subjetiva que outros conteúdos.

O conteúdo segundo a teoria

A BNCC menciona que o ensino religioso tem um caráter científico e integrante das Ciências Humanas. A sua introdução no ensino fundamental I trabalha a escola como uma instituição social que mexe com a imanência e transcendência do ser humano.

“O ser humano se constrói a partir de um conjunto de relações tecidas em determinado contexto histórico-social, em um movimento ininterrupto de apropriação e produção cultural. Nesse processo, o sujeito se constitui enquanto ser de imanência (dimensão concreta, biológica) e de transcendência (dimensão subjetiva, simbólica)”, cita a BNCC.

Seguindo este pensamento, a criança começa a trabalhar e conhecer as diferentes identidades, o igual e o diferente dele. A unidade temática “Identidades e Alteridades” aparece no primeiro ao terceiro ano do fundamental e procura trabalhar as diferenças de cada pessoa, enquanto se aprende e valoriza cada uma delas.

O entendimento de símbolos, ritos, rituais, tradições, espaços e territórios sagrados é trabalhado na unidade temática “Manifestações religiosas”, no primeiro ao quarto ano e retomado no sétimo ano do fundamental. É aqui que as crenças começam a ser apresentadas com seus símbolos e significados para compreender e respeitar as várias religiões.

As “Crenças religiosas e filosofias de vida” estão presentes do quarto ao nono ano do ensino fundamental e trabalham o mito, a divindade, as doutrinas e a fé. O mito procura dar explicações para o que não se tinha explicação, e nele se encontram as divindades que juntas trabalham as doutrinas e as crenças existentes no país.

“No conjunto das crenças e doutrinas religiosas encontram-se ideias de imortalidade (ancestralidade, reencarnação, ressurreição, transmigração, entre outras), que são norteadoras do sentido da vida dos seus seguidores. Essas informações oferecem aos sujeitos referenciais tanto para a vida terrena quanto para o pós-morte, cuja finalidade é direcionar condutas individuais e sociais, por meio de códigos éticos e morais. Tais códigos, em geral, definem o que é certo ou errado, permitido ou proibido. Esses princípios éticos e morais atuam como balizadores de comportamento, tanto nos ritos como na vida social”, declara o texto da BNCC.

É assim que os alunos são apresentados à filosofia da vida e como se desenvolvem os códigos éticos de um povo, nem sempre presas a uma religião. A BNCC diz que “pessoas sem religião adotam princípios éticos e morais cuja origem decorre de fundamentos racionais, filosóficos, científicos”, que se unem à moral comum daquela sociedade.

Interessados podem conferir e ler a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino religioso e qual arranjo definido para as unidade temáticas e aprendizados ao longo dos nove anos de ensino fundamental clicando aqui.

O conteúdo colocado na prática

Todo conteúdo definido pela BNCC é apenas um modelo sugerido e não obrigatório. É verdade que o Brasil é um estado laico em que nenhum aluno pode sofrer proselitismo religioso, mas é difícil fugir das descendências históricas. Só no âmbito do catolicismo, existiam 2 mil escolas católicas com cerca de 2 milhões de alunos em 2018, um número que cresce cada vez mais.

A Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE-PE) declara que oferece o ensino religioso nas unidades escolares da Rede Estadual como não confessional e facultativo. Cerca de 83 professores atuam no estado lecionando a disciplina.

A SEE-PE também informou ao LeiaJá que o ensino é “baseado no respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, como determina o art. 33 da LDB. As escolas são orientadas a consultar o responsável pelo estudante menor de idade, no ato de efetivação da matrícula, sobre a opção ou não pelo componente em pauta.”

A maior parte das escolas que vão além do ensino religioso e trabalham com uma educação religiosa declarada são instituições privadas e muito procuradas pelos pais.

A pedagoga Érica Viana entende que o ensino é muito polêmico por causa da diversidade étnica da população brasileira.

“O docente deve ter formação pedagógica assegurada na área de Ciências da Religião. A aula consiste em reflexões sobre os fundamentos e costumes das religiões presentes na sociedade brasileira, além de poder estender a outros territórios como religiões orientais e demais que permeiam o mundo”, defende Érica.

No entanto, a possibilidade de ensino confessional e interconfessional diferencia a abordagem de uma escola com educação religiosa e uma escola ‘laica’.

“A diferença da escola laica é que baseia-se no plano de ensino de uma corrente pedagógica. A escola confessional é uma corrente teológica, embora ambas não devem tratar da conversão de seus alunos. Os conteúdos devem explorar, de maneira interdisciplinar, com atividades de estímulo ao diálogo e respeito, e pontuar a solidariedade, amor, paciência, perdão, honestidade e justiça”, explica a pedagoga.

Érica reforça que, de modo algum, a escola pode utilizar seu papel de ensino para catequizar seus estudantes, mesmo no caso da abordagem confessional. Porém, ainda reconhece a preferência dos pais por colocar os alunos em instituições que sigam suas identidades pessoais.

“Proliferou em bairro, em escolas fundamentais, principalmente o fundamental I, que é até o quinto ano, as escolas confessionais, ou seja, que proferem uma fé. Mas termina sendo algo mais engessado que fere um pouquinho a ideia da BNCC”, afirma Viana.

“A BNCC, no fundamental II, cita o ensino religioso como uma matéria obrigatória, então ela já é mais tênue nesta questão. As escolas são mais abertas porque o Estado comporta esse nível de ensino, então elas são mais reguladas, já é mais organizado, digamos assim”, continua.

Érica finaliza seu pensamento ao citar que a responsabilidade que todas as unidades escolares precisam seguir ao ministrar o ensino religioso para seus jovens. Ir de acordo com o que é definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e na Base Nacional Comum Curricular é de total importância pois “no mundo globalizado, se faz necessário essa abertura de entender a diversidade dos povos, de suas crenças e de sua fé.”

O ensino religioso como profissão

Wellington José da Silva é professor de ciências humanas e ministra aulas de ensino religioso há mais de 14 anos. Formado em história e pós-graduado em história da religião, o professor de 40 anos é um grande defensor da valorização do ensino religioso nas escolas.

Wellington José da Silva ministra aulas de ensino reliogoso (Foto: Mariana Ramos/LeiaJá)

“As pessoas acabam confundindo o ensino religioso com uma escola dominical, ou como se fosse uma catequese ou um crisma, né? Na verdade, as aulas de ensino religioso não trilham esses caminhos da doutrina dos ensinamentos mais específicos, mais dogmáticos, mais eclesiásticos das instituições religiosas”, relata o docente.

O professor explica que as aulas de ensino religioso são sobre a “análise do sagrado na sociedade” ao longo da história como um fenômeno social que "está presente há tempos, desde o meio paleolítico, em todas as sociedades".

“O sagrado tem uma relação intrínseca com o ser humano. Então quando a gente tá na escola e vai estudar a cultura religiosa, ensino religioso, a gente vai entender essa relação do ser humano com o sagrado na sociedade, como ele se manifesta. O sagrado é uma questão social, é uma questão que envolve uma relação do ser humano com como ele entende sua vida, como entende a pós-morte”, explica o historiador.

Ao LeiaJá, Wellington José deu maiores detalhes sobre o conteúdo que ministra em sala. Do sexto ano ao terceiro ano, o aluno experimenta o conhecimento diverso da história das religiões, seja judaísmo, islamismo, candomblé, umbanda, cristianismo, etc. São passados o surgimento de cada religião, os princípios delas, quem são seus principais líderes, como elas aparecem na sociedade, em que países predominam, entre outras informações.

“Nós vamos sempre por esse contexto histórico, social e filosófico. Nunca por um caminho doutrinário. O Colégio Maria Auxiliadora [escola em que trabalha] é uma instituição confessional, mas nós temos estudantes das mais variadas religiões possíveis, e também aqueles que não têm religião. São famílias bem plurais”, garante o professor.

Além dos valores, Wellington relembra que os conteúdos de ensino religioso também caem no vestibular. No Sistema Seriado de Avaliação (SSA) 1, 2 e 3, da Universidade de Pernambuco (UPE), há questões sobre sistema religioso, matrizes religiosas e cultura afro em Pernambuco. O Exame do Ensino Médio (Enem) também contempla o assunto desde a história antiga, idade média, a reforma e contrarreforma da idade moderna, as revoluções gloriosas.

Para ele, o ensino religioso deve estar presente em todas as escolas, como forma de conhecer e compreender a sociedade brasileira, que está tão envolvida com a religião em toda a sua história. É a partir deste conhecimento que a sociedade pode trabalhar na empatia e no respeito às diferenças culturais e religiosas.

“O ensino religioso vai, sobretudo, conduzir o estudante a entender que a religião dele não é a verdadeira, não é a mais importante, a religião dele não é que vai se sobrepor. Por isso, a disciplina de ensino religioso é muito importante no combate à descriminação religiosa, à intolerância religiosa que é muito forte no Brasil. A disciplina de ensino religioso conduz o estudante a entender que a gente vive uma pluralidade no mundo”, ressalta.

“Educação é um complexo de setores: Ciências Humanas, Linguagens, Ciências da Natureza e Ciências Exatas. A nossa disciplina também compõe um elemento, ela também compõe um currículo do conhecimento. Então, não é uma disciplina que deve ser vista com preconceito, é uma disciplina que tem que ser vista como um conteúdo essencial ao desenvolvimento humano, assim como é sociologia, história e filosofia”, assegura o docente de ensino religioso.

Instituições confessionais

Com 77 anos de casa, o Instituto Profissional Maria Auxiliadora Recife é referência em escola católica em Pernambuco. A unidade faz parte da Rede Salesiana de Escolas que possui mais de 100 unidades educativas espalhadas pelo Brasil, todas com a missão de “educar e evangelizar os jovens”.

O Instituto Profissional Maria Auxiliadora Recife possui cerca de 280 alunos, sendo duas irmãs trabalhando diretamente na casa, além dos 93 funcionários, que estão fora da missão Salesiana cristã mas ajudam na escola e são nomeados como “leigos” pela Rede, que são os professores, coordenadores, colaboradores de vários setores.

A diretora da escola Maria Auxiliadora, Irmã Robelvânia, de 54 anos, explica que o ensino religioso é “primordial na formação da pessoa” e que ele aparece nas salas de aula do instituto assim como em todas as outras escolas, por ser exigido pelo Ministério da Educação.

Além da discplina, também são apresentados diferentes projetos envolvendo a pastoral do colégio, como confissões com padre, catequese e crisma, acolhidas na capela, grupo de jovens, entre outros.

“A pastoral é a alma da nossa escola, é o que dá vida. O ensino religioso é uma disciplina que é apenas a cultura, a cultura religiosa. Mas a pastoral, o restante, é a gente que faz através de projetos. (...) Para sua vida, é esse conjunto: as disciplinas com a pastoral, a gente não pode imaginar uma escola católica, salesiana, sem essa identificação. Aí está nossa força e nossa resposta como missão”, defende a Irmã Francisca Dias, de 82 anos, apoio geral da escola.

Porém, apesar de se colocar como uma escola de ensino religioso confessional católico e com uma ligação direta com a pastoral, o colégio garante que recebe qualquer estudante de braços abertos para qualquer crença. 

A instituição salienta, ainda, que há uma variedade de credos entre seus alunos, mas que os pais sempre estão cientes que estão optando por uma escola católica.

“Nós temos uma variedade muito grande aqui de escolhas de opções formativas de vida. Como uma religião, a qual a pessoa escolhe. Então, nós não excluímos, jamais. Quando o pai procura a escola ele já vem ciente que aqui é uma escola católica e que a gente tem uma missão específica, mas que não fazemos discriminação nestas questões. Há um respeito muito grande às crenças e aos valores de outras famílias de outros tipos de crença, mas respeitam também a escolha que eles fizeram enquanto escola [católica]”, declara a diretora.

A Rede Salesiana possui mais de 100 unidades educativas e mais de 60 mil alunos. Estes números significativos apontam uma intensa procura dos pais por essa educação religiosa. As irmãs fazem parte da escola Maria Auxiliadora Recife acreditam que os responsáveis escolhem por um ensino confessional não só pelas aulas, mas também pelos valores que são ensinados no ambiente escolar.

“É comum os pais procurarem nossas escolas [Salesianas] por causa dos valores que a gente transmite, valores educativos, valores humanos, valores éticos, isso pesa muito também. A gente tem princípios, então isso também é uma busca, além dos valores cristãos”, afirma Irmã Francisca.

“Por isso, trabalhamos tanto os valores. Não adianta a gente pegar um jovem e somente passar conhecimento cognitivamente e ele se sentir a pessoa mais preparada para lidar com o mundo, mas ele ter a consciência que esse mundo passa primeiro por ele. O que a gente traz é formar um bom cristão e um honesto cidadão, que passa pelo viés desses grandes aspectos que são os valores que a gente trabalha quanto escola”, finaliza Irmã Robelvânia.

O governo decidiu esperar a publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a oferta de ensino religioso nas escolas para definir como ficará essa questão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada na quarta-feira (20). Em setembro, o STF autorizou o ensino religioso de natureza confessional nas escolas públicas.

“Temos que aguardar a conclusão e a coleta de todos os votos dos ministros para que possamos ter clareza com relação aos aspectos de constitucionalidade definidos pelo STF. Então, se houver necessidade, de acordo com a decisão do Supremo, nós enviaremos ao Conselho Nacional de Educação uma proposição para adequar a Base no que diz respeito ao ensino religioso à decisão do Supremo”, explicou o ministro da Educação, Mendonça Filho.

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O texto aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) na semana passada prevê que o ensino religioso deve ser oferecido nas instituições públicas e privadas, mas como já ocorre e está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a matrícula deverá ser optativa aos alunos do ensino fundamental.

Entre as competências para esse ensino estão a convivência com a diversidade de identidades, crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver. O CNE ainda deverá decidir se o ensino religioso terá tratamento como área do conhecimento ou como componente curricular da área de ciências humanas, no Ensino Fundamental.

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Em setembro, uma decisão do Supremo Tribunal Federal aprovou que o ensino religioso nas escolas públicas possa ter natureza confessional, isto é, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica. No Recife, de acordo com um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas UNINASSAU, 46% dos entrevistados são favoráveis às escolas do ensino médio ofertarem estudo religioso nas salas de aula. Mas, 32% são contra e 15% responderam “talvez”.

Na pesquisa foram entrevistados alunos do ensino médio matriculados em instituições privadas e públicas da capital pernambucana. O levantamento foi realizado com estudantes que estavam a caminho do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos principais pontos de fluxo da cidade, no último domingo (5).

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Na legislação brasileira atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê que as escolas ofereçam obrigatoriamente o ensino religioso para crianças. No entanto, a disciplina é facultativa, e os alunos só participam se eles (ou os responsáveis) tiverem interesse.

Em meio à recente discussão sobre a proibição de professores emitirem opinião em salas de aula, um outro ponto abordado pela pesquisa com os estudantes a caminho do Enem foi se os docentes devem ou não expor opiniões. A polêmica ganhou corpo nacional quando a Assembleia Legislativa de Alagoas transformou em lei o projeto que proíbe os professores de emitirem opinião dentro das salas de todo o Estado, e inclusive prevê algumas punições. Em 2016, a medida provocou a reação imediata de educadores e alunos.

"Escola livre" é o nome da lei que obriga os docentes a serem imparciais e neutros. O projeto foi chamado de ‘lei da mordaça’, informalmente por pessoas que foram contra a decisão. O Ministério da Educação (MEC) divulgou uma nota em que repudia a lei 'escola livre' e diz que a legislação brasileira prevê a liberdade de aprendizado, ensino e o pluralismo de ideias

Na capital pernambucana, o levantamento apontou que 53% dos estudantes concordam com a ideia de que os professores de colégios devem apenas apresentar o conteúdo da disciplina em sala de aula, sem expor as opiniões políticas e religiosas. Por outro lado, 34% do entrevistados apoiam que os docentes possam disseminar suas ideias e 13% não soube responder ao questionamento. A pesquisa ouviu 624 pessoas.

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Há dois anos, o Ministério da Educação fez a consulta mais recente sobre o ensino religioso nas escolas públicas do País, nô âmbito da chamada Prova Brasil, que abarca todo o ensino fundamental. No total, de 52.341 diretores que responderam aos questionários, apenas 3% informaram existir ensino religioso ligado a uma determinada crença; em 20% dos estabelecimentos não havia nem a disciplina.

Apesar do caráter facultativo dessa componente, 37% dos diretores informaram durante a Prova Brasil que em suas escolas as aulas de ensino religioso eram obrigatórias. Outra questão apresentada é como se ocupava o tempo de quem não queria participar. Segundo os diretores, 55% das vezes não havia outra atividade prevista para o restante da turma.

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Não há um levantamento específico sobre a distribuição dessa componente no País, mas o modelo confessional avalizado nesta quarta-feira, 27, pelo Supremo Tribunal Federal é o que já se oferece, por exemplo, no Rio, como ressalta Salomão Ximenes, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e representante do Centro de Estudos Educação e Sociedade. "É uma flagrante violação à ideia de laicidade", disse à reportagem, antes da decisão do STF. "Nesse caso há uma falsa ideia de que os estudantes e pais podem escolher a religião do ensino, o que viola o pluralismo, a liberdade religiosa e os direitos das minorias em cada escola. A solução não é lotear escolas por religião, mas relativizar o dever de oferta de uma disciplina de ensino religioso dando aos Estados e Municípios a possibilidade de tratar da educação do cidadão sob a perspectiva laica já colocada nas Diretrizes de Direitos Humanos."

Essa opinião não é compartilhada por Valéria Gomes Lopes, professora e ex-coordenadora de Ensino Religioso na Subsecretaria de Planejamento Pedagógica da Secretaria da Educação do Rio. "É importante que o professor tenha formação e vivência na área que leciona, pois ele precisa participar da experiência para conhecê-la profundamente. Se o ensino fica apenas na teoria, a tendência é o jovem se evadir, se dispersar, por não se interessar."

Cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram a favor de que o ensino religioso nas escolas públicas possa ser confessional, com a admissão de professores que atuem como representantes de confissões religiosas. Até o momento, a maioria dos ministros entende que a Constituição não proíbe o ensino de qualquer religião, apenas determina que a oferta seja facultada aos alunos da rede pública. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado na próxima semana.

A análise começou no dia 30 de agosto e foi suspensa com placar de 3 votos a 2 pela declaração de que o ensino religioso é de natureza não confessional, não podendo ser ligado a religiões. Na ocasião, Luiz Fux e Rosa Weber acompanharam o relator, ministro Luís Roberto Barroso na questão. Alexandre de Moraes e Edson Fachin votaram a favor do ensino confessional.

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Na sessão desta tarde, ocorreu a virada no placar da votação para 5 a 3 pelo ensino confessional. Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski votaram a favor do modelo de ensino.

Gilmar Mendes votou a favor do ensino confessional por entender que o modelo não é proibido pela Constituição, que apenas determina o oferecimento facultativo. Segundo ele, neutralidade não é o mesmo que indiferença, e a religião é importante para a formação da sociedade.

"Nem preciso dizer que a outra proposta retira o sentido da própria norma constante do texto constitucional. Ensino religioso passa a ser filosofia, passa a ser sociologia das religiões, deixa de representar o ensino religioso tal como está texto constitucional”, afirmou Gilmar Mendes.

Em seguida, Dias Toffoli também acompanhou a divergência e disse que não há uma separação total entre Estado e religião. O ministro citou o caso das parcerias de prefeituras com as santas casas de misericórdia para o atendimento hospitalar e a isenção de impostos para entidades religiosas.

"Ocorreu uma autorização expressa e consciente do constituinte de que o modelo de ensino religioso ministrado em sala de aula fosse confessional”, afirmou o ministro. Ainda faltam votar a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.

Ação

A ação que motivou o julgamento foi protocolada pela PGR e proposta em 2010 pela então vice-procuradora Débora Duprat. Segundo entendimento da procuradoria, o ensino religioso só pode ser oferecido se o conteúdo programático da disciplina consistir na exposição “das doutrinas, práticas, histórias e dimensão social das diferentes religiões”, sem que o professor privilegie nenhum credo.

Para a procuradora, o ensino religioso no país aponta para a adoção do “ensino da religião católica”, fato que afronta o princípio constitucional da laicidade. O ensino religioso está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no Decreto 7.107/2010, acordo assinado entre o Brasil e o Vaticano para o ensino do tema.

Outro lado

Na primeira sessão de julgamento, realizada no dia 30 de agosto, o advogado Fernando Neves, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), defendeu a obrigatoriedade do ensino religioso por estar previsto na Constituição. Além disso, Neves argumentou que o Poder Público não pode impedir o cidadão de ter a opção de aprofundar os conceitos sobre sua fé. “O ensino religioso não é catequese, não é proselitismo. É aprofundamento daquele que já escolheu aquela fé, por si ou por sua família. Os alunos são livres para frequentar”, argumentou.

Na mesma ocasião, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, defendeu também o ensino religioso nas escolas públicas no formato atual. Para ela, ao prever expressamente a disciplina, a Constituição obriga o Estado a oferecê-la. Gracie argumentou que a oferta da disciplina nas escolas públicas fortalece a democracia, tornando-a mais inclusiva. O modelo de ensino confessional é adotado atualmente em alguns estados, como a Bahia, o Ceará e o Rio de Janeiro.

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Caminhando junto das disciplinas mais tradicionais, o ensino religioso ainda se faz presente em algumas escolas do Recife. Nos ensinamentos relacionados a essa matéria, estão os valores do ser humano, conhecimento de todas as religiões e história dos tempos bíblicos. Os alunos gostam de estudar sobre as crenças e garantem sentir ‘paz espiritual’ aliada à curiosidade após as aulas. Os professores e especialistas afirmam que os alunos que têm as aulas agem e se comportam de forma diferente dentro do espaço de estudo e no dia a dia.

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O pequeno João Victor de Souza, 10 anos, tem, apesar da pouca idade, uma opinião forte sobre as aulas de religião. O menino, que está no 6° ano do ensino fundamental, afirmou ser católico e classifica o que estuda na disciplina de ensino religioso no Colégio Salesiano, na Boa Vista, como algo fascinante. “Eu gosto porque é uma disciplina mais leve, além do que eu aprendo de novo da vida de Jesus, como milagres e por onde ele passou”, disse o garoto.

O Colégio Salesiano é uma instituição da rede privada de ensino que possui a religião como pauta nas salas de aula. Os estudantes de todas as séries, exceto no terceiro ano do ensino médio, aprendem o ensino religioso como qualquer uma das disciplinas. As aulas são oferecidas uma ou duas vezes por semana, sempre com atividades que favoreçam o entendimento, como filmes e teatros. 

O professor Francisco Bezerra garante que as crianças e adolescentes transmitem no dia a dia o que aprendem na sala. “Eles trabalham valores como respeito, tolerância e a extinção do preconceito. Fora das salas vemos alunos mais tranquilos e preocupados com a sociedade”, disse Bezerra. Sobre as avaliações, o ensino religioso segue o mesmo critério de outras disciplinas. É realizado um conteúdo programático, seguido de avaliação semenstral.

O teólogo Luiz Carlos Aquino se posiciona de forma positiva para o ensinamento do ensino religioso nas escolas. “As crianças devem aprender os valores fundamentais da vida. Hoje não é mais pregado o amor ao próximo e a compaixão. Nessas aulas elas têm a oportunidade de aprender isso e levar para a sociedade”, contou. O especialista também acha que as instituições não devem levar seus dogmas para as aulas, mas passar de forma mais plural possível os bons mandamentos das religiões. “É essencial que sejam passados os ensinamentos escritos nos livros de cada religião, como Bíblia, Alcorão e Torá, por exemplo”, comentou. 

As alunas Maria Luisa Vasconcelos e Fabiana Carla Cavalcanti, ambas com 11 anos, apesar da jovialidade, sabem os benefícios das aulas religiosas. “Nós aprendemos coisas diferente e eu me sinto mais aproximada de Deus”, disse Maria. “Eu gosto porque sei o que aconteceu nos tempos passados. Fico imaginando como era. E também porque sinto que tenho que ficar mais comportada, eu gosto disso”, afirmou Fabiana. 

Rede estadual

Os alunos da rede estadual de ensino também têm a oportunidade de estudar religião. A disciplina é eletiva, ou seja, fica a critério do estudante cursar ou não. A técnica em ensino religioso da rede estadual, Rosália Soares, informou que todas as escolas devem ofertar a disciplina, mas a única diferença é na matrícula, onde o aluno e seu responsável vão optar ou não pelo ensinamento. As aulas acontecem duas vezes ao mês, em forma de seminários. O conteúdo abordado, segundo a especialista, é de forma plural. “No país pluralizado em que vivemos, nós pregamos a tolerância religiosa e que o aluno conheça um pouco de cada ensinamento”, contou. Para a mulher, o ensino também é importante para a formação do cidadão. “Os valores pregados nas religiões levam sempre ao bom caminho. É essencial para formar cidadãos.”, complementou.

No vídeo a seguir, assista ao depoimento do estudante João Victor sobre as aulas de religião:  

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Nesta semana, o Opinião Brasil traz um debate sobre formação religiosa na infância. Para falar sobre o assunto, o apresentador Thiago Graf recebe Katiusk Melo, que é psicomotricista (especialista em relacionamento infantil), e Francisco Ferreira, professor de ensino religioso.

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Durante a conversa, a psicomotricista explica que, desde cedo, é importante que os pais estimulem as crianças a fazer parte de uma religião. "Na fase adolescente, porém, que por si é uma fase de mudanças, os pais precisam respeitar a escolha dos filhos", aconselha.

Já Francisco Ferreira fala sobre a importância das escolas na formação religiosa das crianças. "Em sala de aula, os professores precisam estar preparados para lidar com a pluralidade de religiões existentes", comenta. O professor de ensino religioso também explica o desafio dos educadores em passar os valores essenciais de crenças religiosas para os alunos.

O Opinião Brasil é produzido pela TV LeiaJá e exibido no portal LeiaJa.com toda segunda-feira.

 

A discussão sobre a oferta de ensino religioso nas escolas públicas chegou à Justiça. Duas ações diretas de inconstitucionalidade foram encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando o espaço da religião dentro da escola tendo em vista que, desde que o Brasil deixou de ser colônia portuguesa, a Constituição define o país como laico. O tema é contraditório já que a Carta Magna também determina que as escolas públicas devam oferecer ensino religioso aos alunos do ensino fundamental, ainda que a matrícula na disciplina seja optativa.

Uma das ações, encaminhada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), pede que o STF se posicione a respeito do modelo de oferta do ensino religioso adotado por alguns estados, chamado de confessional, em que o professor está vinculado a comunidades religiosas. A ação, cujo relator será o ministro Carlos Ayres Britto, defende que é inadmissível que “a escola se transforme em espaço de catequese e proselitismo, católico ou de qualquer outra religião”.

Em entrevista à Agência Brasil, a vice-procuradora Deborah Duprat, autora da ação, explica que a questão da laicidade é discutida em todo o mundo e defende que a única forma de compatibilizar a oferta dessa disciplina no país é tratar o assunto sob a ótica da história das religiões.

Leia os principais trechos da entrevista com a vice-procuradora:

Qual é o objetivo da ação direta de inconstitucionalidade?

A nossa Constituição tem dois dispositivos: um, que existe desde 1890,  determina que o Estado é laico. A laicidade é um princípio que vem desde o início da República. Outro dispositivo prevê a oferta de ensino religioso em caráter facultativo. Então é preciso compatibilizar esses dois dispositivos. Também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) tem uma cláusula prevendo a oferta, em caráter facultativo, do ensino religioso, mas ela diz claramente que está vedado qualquer tipo de proselitismo. No direito existe o princípio da unidade da Constituição: não existem dispositivos antagônicos dentro dela, você precisa compatibilizá-los. Para isso você tem que fazer a leitura que a ação pretende que se faça: o Estado é laico e, quando fala na possibilidade de previsão da oferta de ensino religioso em caráter facultativo nas escolas, tem que ser ensino religioso necessariamente não confessional [não relacionado a uma determinada confissão ou religião]. Ou seja: a história, a doutrina das religiões e até a falta da religião, é preciso que essa informação seja completa. Ao lado das várias doutrinas, há também aquelas pessoas que pregam a ausência de qualquer crença como os agnósticos.

O modelo de ensino religioso confessional é incompatível com a laicidade?

A religião com esse caráter de proselitismo, confessional, priva o aluno, que é um público formado basicamente por crianças e adolescentes, da autonomia para fazer as suas escolhas essenciais, inclusive no campo da cidadania. Pretende-se que o Estado e a criança que estuda na escola fornecida por ele esteja livre desse tipo de coerção. Essa é uma questão discutida no mundo todo. Em alguns lugares, com um caráter muito mais incisivo, ao ponto de discutir laicidade e laicismo. O laicismo é um conceito que não admite nenhum tipo de cooperação do Estado com as religiões como acontece na França [que proibiu alunas muçulmanas de usar o véu nas escolas]. Outros países, como os Estados Unidos, admitem algum tipo de cooperação, mas não admitem, por exemplo, que sejam fixados crucifixos nas dependências das escolas, porque entendem que a criança faz uma leitura de que aquela escola professa aquele tipo de religião e pode ser algo coercitivo para ela.

Como seria possível compatibilizar esses dois princípios que parecem antagônicos – laicidade e ensino religioso?

Excluindo das escolas o ensino religioso de caráter confessional. Preservamos o dispositivo que trata do ensino religioso e preservamos a laicidade. O que vai ser ensinado é a história das religiões e não os dogmas, as crenças, aquilo que são as condições morais de cada indivíduo. E tem outro aspecto: os professores da disciplina devem ser aqueles regulares das escolas, admitidos por concurso público, e não aqueles egressos de uma ou outra confissão religiosa.

Alguns pesquisadores defendem que a inclusão do ensino religioso na Constituição foi uma “concessão” à laicidade. A senhora concorda com essa ideia?

A Constituição é isso, ela é um produto de lutas. Ao intérprete da Constituição cabe não entender dessas lutas, mas compatibilizar aquilo que aparentemente e incompatível. São lutas divergentes então, obviamente, quem prega a religiosidade no ensino é contra a laicidade. Essas lutas têm que ser compatibilizadas pelo intérprete do direito.

A Constituição Federal e a LDB falam que o ensino religioso nas escolas tem que ser plural e abordar todas as crenças de forma igualitária. Na prática, isso não é difícil de ser garantido?

É impossível. A religião tem esse caráter confessional. O professor que é egresso de uma determinada religião vai transmitir a crença e os dogmas daquela religião. Então, como seria esse ensino interconfessional que várias igrejas sustentam que é possível? Primeiro, não consigo imaginar o que seria na cabeça de crianças e adolescentes ora escutando dogmas de uma religião ora de outras. E quem seria esse profissional capaz de abordar aspectos de todas as religiões? Depois, como ficam os ateus? Eles também têm direito a um espaço livre desse tipo de influência.

O acordo que o Brasil assinou em 2008 com a Santa Sé reforça a importância do ensino religioso nas escolas e dá destaque ao catolicismo. Na sua opinião, qual foi a contribuição dele a esse cenário?

Na verdade, não há muito impacto porque de certa forma ele é uma reprodução dessa antinomia [contradição] que existe na Constituição porque ele também prevê a oferta “do ensino católico e de outras religiões”, então é a mesma coisa que está na Constituição e na LDB.

Mas quando ele coloca a palavra “ensino católico” não há, de certa forma, um destaque para uma crença específica?

Sim, mas a gente nem trata isso. Como na minha concepção é absolutamente impossível falar de ensino religioso em caráter confessional, de qualquer religião, esse detalhe é irrelevante. Pode até simbolicamente fazer uma diferença enorme, mas não cabe ao intérprete do direito dar importância a esse simbolismo.

Alguns defendem soluções mais extremas como uma proposta de emenda à Constituição que exclua das escolas o ensino das religiões. Esse seria um caminho?

A gente espera conseguir construir esse ensino das religiões de uma forma mais razoável. A ação não pede que seja excluído o ensino religioso, na verdade, a ação é para salvar [esse dispositivo constitucional]. Por causa do princípio da unidade, que diz que não há dispositivos inconstitucionais dentro da Constituição, não tem como você dizer que esse artigo é inconstitucional, isso não existe no direito. Então é preciso salvar essa interpretação.

Uma “guerra santa” foi travada entre os pais das 180 crianças de 4 e 5 anos que estudam no Jardim de Infância da 404 Norte, na região central de Brasília. Uma oração feita pelos alunos diariamente, antes do início das aulas, é o principal motivo da discórdia. De um lado está um grupo de pais que pede a exclusão de referências religiosas das atividades escolares. Do outro, os que apoiam o ritual diário e consideram que a direção da escola está sendo perseguida.

A discussão teve início quando uma denúncia sobre o assunto foi encaminhada à Ouvidoria da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Todos os dias antes das aulas os alunos se reúnem no pátio da escola para o momento chamado de acolhida. Nessa hora, são estimulados a fazer uma “oração espontânea”, como define a diretora Rosimara Albuquerque. A cada dia, crianças de uma turma ficam responsáveis por fazer os agradecimentos a Deus ou ao “Papai do Céu”. “Pode agradecer pelo parquinho, pelos colegas. Mas houve um questionamento por parte dos pais para que fosse um momento de acolhida um pouco mais amplo já que algumas famílias não comungam dessa religião, que seria basicamente cristã”, conta Rosimara, que está à frente da escola há seis anos.

Para a radialista Eliane Carvalho, integrante da Associação de Pais e Mestres do colégio, a escola está ultrapassando os limites permitidos pela legislação. Ela e outros pais que protestam contra essas atividades se apoiam no princípio constitucional da laicidade para pedir que práticas de cunho religioso fiquem de fora do ambiente escolar. Além do momento da acolhida, ela conta que notou outros sinais de violação, a partir de informações que o filho de 4 anos levava para casa.

“Não posso dizer que existem dentro da sala de aula práticas religiosas. Mas meu filho não aprendeu em casa a orar em nome de Jesus. Um dia ele me disse que o telefone para falar com Jesus era dobrar o joelho no chão”, relata Eliane.

Em resposta à denúncia, um grupo maior de pais organizou um abaixo-assinado a favor da escola e da oração no início das aulas. Alguns alegam que a diretora está sendo perseguida por ser católica e atuante em grupos religiosos. “A forma como eles [professores e direção] estão atuando não é nada abusiva ou direcionada a uma crença específica. Eles colocam a palavra de Deus, como entidade superior, e agradecem à família. São só coisas boas, frutos bons. Quem está incomodado é uma minoria”, defende Thiago Meirelles, que é católico e pai de um aluno.

Para Carolina Castro, mãe de outro estudante, a intenção da escola é positiva e busca a socialização. “Não acho que eles estejam tratando de religião em si, mas passando uma noção de agradecimento do que é precioso na vida. Não acho que isso seja ensino religioso”, diz.

Eliane Carvalho lamenta que a discussão tenha ficado polarizada. “Não é uma discussão pessoal, mas de currículo. O grupo que fez o abaixo-assinado passou a nos ver como perseguidores de cristãos, hoje somos vistos como pessoas absurdas que não querem a palavra de Deus na escola. Todos têm o direito de fazer suas orações, mas eu questiono o fato de a escola aceitar uma prática que, para mim, se configura em arrebanhar fiéis”, diz.

O momento da acolhida é feito há 40 anos, desde que a escola foi fundada, e é comum também em outros colégios da rede. Na última semana a reza foi substituída por cantigas de roda e outras atividades. “Aí, sim, parecia uma escola, antes parecia uma igreja. Como pai que tem a obrigação de dar uma orientação religiosa à filha, não posso permitir que haja divergência. O mais triste é que, apesar de essas pessoas dizerem que estão pregando o amor e o respeito, elas não têm respeito nenhum pela minha liberdade de que não haja essa interferência [religiosa]”, diz Mafá Nogueira, pai de uma aluna.

Para resolver o problema, a escola vai convocar reuniões com pais, professores, funcionários e representantes da Secretaria de Educação. “Vamos discutir como a gente pode abordar a pluralidade e a diversidade sem agredir ninguém e que todos possam sair satisfeitos. Mas essa polêmica é salutar porque, na medida em que a gente ouve questionamentos de pais que pensam diferente, isso é saudável para o crescimento. Podemos adotar uma postura diferente, estruturada no que a comunidade pensa”, avalia a diretora Rosimara, que usava no pescoço um cordão com um crucifixo enquanto conversava com a reportagem da Agência Brasil.

A Secretaria de Educação do Distrito Federal informou que desconhece problemas semelhantes em outras escolas da rede e reiterou que orienta as unidades a seguir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que veda qualquer prática proselitista no ambiente escolar.

Fernando* estava na aula de artes e tinha acabado de terminar uma maquete sobre as pirâmides do Egito. Conversava com os amigos quando foi expulso da sala aos gritos de “demônio” e “filho do capeta”. Não tinha desrespeitado a professora nem deixado de fazer alguma tarefa. Seu pecado foi usar colares de contas por debaixo do uniforme, símbolos da sua religião, o candomblé. O fato de o menino, com então 13 anos, manifestar-se abertamente sobre sua crença provocou a ira de uma professora de português que era evangélica. Depois do episódio, ela proibiu Fernando de assistir às suas aulas e orientou outros alunos para que não falassem mais com o colega. O menino, aos poucos, perdeu a vontade de ir à escola. Naquele ano, ele foi reprovado e teve que mudar de colégio.

Quem conta a história é a mãe de Fernando, Andrea Ramito, que trabalha como caixa em uma loja. Segundo ela, o episódio modificou a personalidade do filho e deixou marcas também na trajetória escolar. “A autoestima ficou muito baixa, ele fez tratamento com psicólogo e queria se matar. Foi lastimável ver um filho sendo agredido verbalmente, fisicamente, sem você poder fazer nada. Mas o maior prejudicado foi ele que ficou muito revoltado e é assim até hoje”, diz.

Antes de levar o caso à Justiça, Andréa tentou resolver a situação ainda na escola, mas, segundo ela, a direção foi omissa em relação ao comportamento da professora. A mãe, então, decidiu procurar uma delegacia para registrar um boletim de ocorrência contra a docente. O caso aguarda julgamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Se for condenada, o mais provável é que a professora tenha a pena revertida em prestação de serviços à comunidade.

Já a Fundação de  Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (Faetec), responsável pela unidade, abriu uma sindicância administrativa para avaliar o ocorrido, mas a investigação ainda não foi concluída. Por essa razão, a professora – que é servidora pública – ainda faz parte do quadro da instituição, “respeitando o amplo direito de defesa das partes envolvidas e o Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Rio de Janeiro”, segundo nota enviada pelo órgão. A assessoria não informou, entretanto, se ela está trabalhando em sala de aula.

A história do estudante Fernando, atualmente com 16 anos, não é um fato isolado. A pesquisadora Denise Carrera conheceu casos parecidos de intolerância religiosa em escolas de pelo menos três estados – Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A investigação será incluída em um relatório sobre educação e racismo no Brasil, ainda em fase de finalização.

“O que a gente observou é que a intolerância religiosa no Brasil se manifesta principalmente contra as pessoas vinculadas às religiões de matriz africana. Dessa forma, a gente entende que o problema está muito ligado ao desafio do enfrentamento do racismo, já que essas religiões historicamente foram demonizadas”, explica Denise, ligada à Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), que reúne movimentos e organizações da sociedade civil.

Denise e sua equipe visitaram escolas de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Ouviram de famílias, professores e entidades religiosas casos que vão desde humilhação até violência física contra alunos de determinadas religiões. E, muitas vezes, o agressor era um educador ou membro da equipe escolar.

“A gente observa um crescimento do número de professores ligados a determinadas denominações neopentecostais que compreendem que o seu fazer profissional deve ser um desdobramento do seu vínculo religioso. Ou seja, ele pensa o fazer profissional como parte da doutrinação, nessa perspectiva do proselitismo”, aponta a pesquisadora.

Alunos que são discriminados dentro da escola, por motivos religiosos, culturais ou sociais, têm o processo de aprendizagem comprometido. “Afeta a construção da autoestima positiva no ambiente escolar e isso mina o processo de aprendizagem porque ele se alimenta da afetividade, da capacidade de se reconhecer como alguém respeitado em um grupo. E, na medida em que você recebe tantos sinais de que sua crença religiosa é negativa e só faz o mal, essa autoafirmação fica muito difícil”, acredita Denise.

Para ela, a religião está presente na escola não só na disciplina de ensino religioso. “Há aqueles colégios em que se reza o Pai-Nosso na entrada, que param para fazer determinados rituais, cantar músicas religiosas. Criticamos isso no nosso relatório porque entendemos que a escola deve se constituir como um espaço laico que respeite a liberdade religiosa, mas não que propague um determinado credo ou constranja aqueles que não têm vínculo religioso algum”, diz.


*o nome foi alterado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Além das operações matemáticas, das regras ortográficas e dos fatos históricos, os princípios e conceitos das principais religiões também devem ser discutidos em sala de aula. A Constituição Federal brasileira determina que a oferta do ensino religioso deve ser obrigatória nas escolas da rede pública de ensino fundamental, com matrícula facultativa – ou seja, cabe aos pais decidir se os filhos vão frequentar as aulas.

Pesquisas recentes e ações na Justiça questionam a inclusão da religião nas escolas, já que, desde a Constituição Federal de 1890,o Brasil é um país laico, ou seja, a população é livre para ter diferentes credos, mas as religiões devem estar afastadas do ordenamento oficial do Estado.

Apesar da obrigatoriedade, ainda não há uma diretriz curricular para todo o País que estabeleça o conteúdo a ser ensinado, de maneira a garantir uma abordagem plural sem caráter doutrinário. Outro problema é a falta de critérios nacionais para contratação de professores de religião. Hoje, o país conta com 425 mil docentes, formados em diversas áreas.

O ensino religioso está presente no Brasil desde o período colonial, com a chegada dos padres jesuítas de Portugal para catequizar os índios.

Atualmente, de acordo com a Constituição, a disciplina deve fazer parte da grade horária regular das escolas públicas de ensino fundamental. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definiu que as unidades federativas são responsáveis por organizar a oferta, desde que seja observado o respeito à diversidade religiosa e proibida qualquer forma de proselitismo ou doutrinação.

“Alguns historiadores que tratam da participação da religião na vida pública mostram que o ensino religioso foi uma concessão à laicidade à época da Constituinte. Havia uma falsa presunção de que religião era importante para a formação do caráter, da vida e dos indivíduos participativos e bons. Essa é uma presunção que discrimina grupos que não professem nenhuma religião. Isso foi uma concessão à pressão dos grupos religiosos”, avalia a socióloga Debora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).

Debora é autora, junto com as pesquisadoras Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, do livro Laicidade e Ensino Religioso, publicado no último semestre. O estudo investigou como o ensino religioso se configura no país e se as escolas garantem, na prática, espaços semelhantes para todos os credos, como preconiza a LDB. A conclusão é que não há igualdade de representação religiosa nas salas de aula. “Ele é um ensino cristão, majoritariamente católico, e não há igualdade de representação religiosa com outros grupos, principalmente os minoritários”, destaca Debora.

Há mais de uma década acompanhando essa discussão, o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper) reconhece que há muitos desafios para garantir a pluralidade. Mas defende que o conteúdo é importante para a formação dos alunos. “Nós vislumbramos, desde a LDB, que o ensino religioso poderia assumir uma identidade bastante pedagógica, que fosse de fato uma disciplina como qualquer outra e que a escola pudesse contribuir para o conhecimento da diversidade religiosa de modo científico. O professor, independentemente do seu credo, estaria ajudando os alunos a conhecer o papel da religião na sociedade e a melhorar o relacionamento com as diferenças”, aponta o coordenador do Fonaper, Elcio Cecchetti.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o ensino religioso é oferecido apenas nas escolas estaduais. Nas unidades municipais, ainda não foi implantado, mas há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Vereadores da capital fluminense que prevê a oferta nas cerca de mil escolas da rede, com frequência facultativa.  A recepcionista Jussara Figueiredo Bezerra tem dois filhos que estudam em uma escola municipal da zona sul do Rio de Janeiro e acompanha com certo receio a discussão. Ela é evangélica e acredita que esses valores devem ser transmitidos em casa, pela família.

“Quem são os professores que vão dar as aulas de religião? Será que eles serão imparciais? Além disso, com tantas dificuldades e carências que o ensino público já enfrenta, por que gastar dinheiro com isso? Esses recursos poderiam ser usados de outra forma, para melhorar a estrutura já existente nas escolas. Quem quiser aprender mais sobre uma religião deve procurar uma igreja ou uma instituição religiosa”, opina.

Para quem lida na ponta com os delicados limites dessa questão, torna-se um desafio garantir um ensino religioso que contemple as diferentes experiências e crenças encontradas em uma sala de aula. “Nós preferiríamos que a oferta do ensino religioso não fosse obrigatória porque a escola é laica e deve respeitar todas as religiões. O que a gente quer é que os dirigentes possam utilizar essas aulas com um proveito muito melhor do que a doutrinação, abordando o respeito aos direitos humanos e à diversidade e a tolerância, conceitos que permeiam todas as religiões”, defende a presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho.

Atualmente, duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) questionam a oferta do ensino religioso no formato atual e aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas foi proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e questiona o acordo firmado em 2009 entre o governo brasileiro e o Vaticano. O Artigo 11 desse documento, que foi aprovado pelo Congresso Nacional, determina que “o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Ao pautar o ensino religioso por doutrinas ligadas a igrejas, o acordo, na avaliação da PGR, afronta o princípio da laicidade.

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