Um dia, preveem os defensores da moda digital, as pessoas poderão passear por enormes armazéns virtuais, escolher roupas de cores, ou designs, impossíveis, comprá-las e vesti-las instantaneamente, jogá-las fora e começar de novo.
Um sonho para os fãs, mas talvez um pesadelo para os fabricantes.
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A moda digital é um fantasma que ronda as passarelas da Fashion Week de Paris, um desafio evocado com muita cautela pelas casas de alta-costura, mas que ferve nas redes sociais e entre os mais jovens.
A pandemia da Covid-19 significou o influxo de transmissões de coleções sem público, inclusive da moda virtual, com roupas que se moviam no vazio, para substituir a magia da passarela ao vivo.
A Semana de Moda de Paris, que termina nesta terça-feira (6), confirmou que esta tendência híbrida veio para ficar.
Mas o confinamento mundial trouxe outro fenômeno que ameaça desestruturar completamente o setor do luxo: as criações para serem usadas exclusivamente nas redes, ou em videogames.
Roupas futuristas, encomendadas a criadores muito jovens, a partir de fotos de corpo inteiro. Os preços vão de algumas dezenas de euros, dólares, ou bitcoins, até milhares, se o cliente quiser exclusividade mundial, guardar em uma carteira digital, graças aos NFTs, os "tokens não fungíveis".
E, no caso dos mais ousades, roupas para vestir a "skin" (pele) de seu avatar favorito, sem precisar revelar sua identidade.
Um mundo repleto de imagens sintéticas, de pessoas com grossos óculos escuros, que se movem ou gesticulam dependendo do que surge nesse "metaverso" paralelo, narrado pelo diretor Steven Spielberg em seu filme "Jogador n. 1" (2018).
- Uma roupa de luz -
"Nós acreditamos totalmente na ausência de fisicalidade. E a moda é, acima de tudo, uma experiência. Não precisamos necessariamente experimentar de forma física a emoção de usar uma roupa fabulosa", explicou assessora de imprensa da empresa da firma digital holandesa The Fabricant, Michaela Larosse, em entrevista por Zoom à AFP.
Com vários artistas gráficos e designers, The Fabricant começou a criar roupas digitais em 2018. Mas foi com a pandemia e com o confinamento que seu faturamento "disparou", afirma Larosse.
The Fabricant tem relações com marcas conhecidas, como Puma, ou Tommy Hillfiger. Desenham suas roupas em três dimensões, o que ajuda a reduzir os custos de produção.
Mas a proposta desta empresa recém-nascida vai muito muito além, e passa pelo "metaverso", que é "uma coleção de universos virtuais", reflete Larosse.
Equipado com sua identidade virtual e seus óculos, o cliente poderá falar com dependentes que também serão virtuais. Será possível comprar, ou revender suas roupas, seu NFT, para outro consumidor, instantaneamente.
Tudo isso sem necessidade de usar matéria-prima, nem de fabricar, nem de emitir CO2, a grande obsessão de alguns jovens, lembra Larosse.
"Se você pensar nisso como uma expressão de identidade, todos nós vamos fazer isso de alguma maneira. E, se você escolher ficar nu, também não tem problema", explica ela.
"Ou talvez você escolha uma roupa de luz, ou use um chapéu de fumaça", acrescenta.
Isso implica imperiosamente ter uma identidade digital.
"Pessoas com menos de 20 anos não se lembram de um mundo não digital", ressalta Larosse.
- Silêncio das grandes marcas -
Para as grandes marcas de luxo, porém, que baseiam sua identidade no artesanato, no cuidado extremo com a matéria-prima, este desafio implica uma mudança radical.
Três grandes marcas de luxo que voltaram com orgulho às passarelas de Paris esta semana se recusaram a explicar seus planos no "metaverso", ao serem questionadas pela AFP.
No entanto, esses planos existem. Como no caso de Balenciaga, que fez uma incursão no popular videogame Fortnite, propondo roupas e tênis para mais de 250 milhões de jogadores.
O francês Jean-Paul Gaultier, que quebrou os moldes da moda, disse à AFP que não está mais interessado.
"Estou muito feliz com minha aventura. Eu sou muito tátil. No fim das contas, criar uma roupa virtual é outro trabalho. É quase como fazer um filme. E não me interesso por videogames", explicou.
Que preço um cliente está disposto a pagar por uma roupa digital de uma grande marca? O mercado é muito recente para se ter uma resposta, reconhecem os pioneiros.
Fundada há apenas um ano em San Francisco, a DressX optou por adotar a linha de empresas como o Spotify, ou a Netflix.
Por meio de seu aplicativo, por um preço inferior a dez dólares por mês, propõem centenas de vestidos, joias digitais, obras de arte, explicou uma das duas fundadoras, Daria Shapovalova, à AFP, por videoconferência.
Há problemas a serem resolvidos, admite sua sócia, Natalia Modenova.
"Existem problemas de compatibilidade. Quando você está no mundo real, você pode ir para todo o lugar com sua roupa, mas não no metaverso", acrescenta.
Mas é o futuro, elas insistem.
"É como o início da Internet: algumas marcas relutavam a pôr seus produtos à venda on-line", lembra Shapovalova. Mas, "quanto mais cedo você se posicionar, melhor".