Mais da metade dos brasileiros quer a aprovação do pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A informação foi divulgada no último sábado (10), pelo Instituto Datafolha, acerca dos votos “sim” de 54% da população contra os 42% que acreditam que o processo não deveria ser aberto. É a primeira vez que a maioria se manifesta pela saída de Bolsonaro desde o início do seu governo, e a resposta popular tem ajudado a inflamar a crise da gestão bolsonarista, acentuada pela pandemia desde março de 2020.
O impeachment é um dos assuntos em maior evidência na política brasileira desde que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 foi instalada. Uma lista com 23 crimes de responsabilidade destacados por parlamentares sobre políticas de saúde no controle do coronavírus, denúncias de corrupção no Ministério da Saúde, investigações de crimes contra a administração pública no Ministério do Meio Ambiente e um inquérito por prevaricação são algumas das motivações daqueles que se opõem à continuidade de Bolsonaro no poder.
##RECOMENDA##Diante das mais de 530 mil mortes por Covid-19 no Brasil, manifestantes de todo o país foram às ruas em três diferentes mobilizações nacionais somente em 2021, em busca de responsabilização pela crise sanitária. O primeiro protesto, em maio, teve como mote o impeachment e a recusa do Governo Federal às mais de 80 ofertas de vacinas da empresa Pfizer/BioNTech.
Para o cientista político Pedro Cavalcanti Soares, a mobilização popular é não apenas o maior sinal de insatisfação pública em face de um governo, como, historicamente, funcionou para pressionar parlamentares e fazer reivindicações do povo serem ouvidas. No entanto, a conjuntura atual no Congresso brasileiro não favorece à oposição um cenário para protocolar o pedido de impeachment com sucesso. Além disso, a resposta popular não alcançou um nível de interesse político para alertar até mesmo a base do governo, por hora.
São vários os impasses que seguram o andamento dos diversos pedidos de impeachment na Câmara, a começar pelo próprio presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL). Entrevistado pelo LeiaJá, Soares elucida dúvidas sobre como ocorre um processo de impeachment e por que ele segue inoperável no caso de Jair Bolsonaro.
— Pedro Cavalcanti Soares, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor universitário.
LJ: Como ocorre o processo de impeachment?
PCS: O impeachment é um processo elencado pelo Congresso, mas tudo começa na Câmara dos Deputados. Ocorre a partir do momento em que um pedido é protocolado. O processo é burocrático, mas qualquer pessoa pode pedir. Geralmente os pedidos são feitos por lideranças dos partidos políticos ou por um conjunto de partidos. O pedido deve ser aceito pelo pelo presidente da Câmara, nesse caso, Arthur Lira, que deve ler o pedido para torná-lo público, e aí tudo começa. O presidente, chefe de Estado, é chamado para se defender. O Senado também tem que abrir um processo de impeachment, tal como a Câmara.
Um dos passos finais é quando o presidente do Supremo Tribunal Federal vai comandar uma sessão onde se almeja a maioria dos votos. O mais importante ainda é o presidente da Câmara dos Deputados aceitar o pedido.
Dos 513 parlamentares da Câmara, pelo menos 342 precisam votar pelo prosseguimento, 3/5 da Casa. Caso corra, o processo vai para o Senado Federal. O Senado faz uma nova análise e, por maioria simples, decide se haverá julgamento ou não. Se a maioria votar pela instauração do julgamento, o presidente da República é afastado do cargo e substituído pelo vice-presidente.
O julgamento no Senado é a fase final do processo de impeachment. Para que o presidente seja condenado e perca o cargo, são necessários 2/3 dos votos, 54 de um total de 81.
LJ: Dos signatários, todos são de oposição (partidos completos) e antigos governistas assinaram de forma independente, mas em quantitativo ínfimo. Há apoio suficiente para o encaminhamento de um pedido desse porte no caso de Jair Bolsonaro?
PCS: Por enquanto não. Ainda não há os votos dos 342 deputados como quantitativo favorável e, também por essa razão, a coisa ainda não foi para frente, apesar de existirem tantas figuras de deputados e non-gratas ao próprio Bolsonaro. Costumo dizer que Bolsonaro não desagradou um partido inteiro, a todas as figuras de um partido, ele saiu estabelecendo uma contrapartida ou um desagravo, com medidas particulares. É o caso do DEM, do PSDB, do PSL, que foram partidos que, após o golpe de 2016, apoiaram a candidatura de Bolsonaro em massa. Mesmo agora, não há 100% desses partidos contra Bolsonaro, somente uma parte deles.
LJ: Lira, por ter agenda independente, seria a peça chave desse trâmite?
PCS: Certamente. Se eu fosse enumerar, seria o primeiro. O fato dele (Bolsonaro) ter um conchavo com Arthur Lira dificulta justamente pela aceitação ser o primeiro passo. Então, apesar da pressão nas ruas, pressão dos movimentos populares, pressão de algumas lideranças, da própria CPI da Covid, Arthur Lira é muito próximo de Bolsonaro e possui uma ligação política com ele. A mobilização popular nas ruas também é insuficiente. Não dá para comparar as mobilizações de agora com as que aconteceram nas ruas em 2016, durante o impeachment de Dilma, por exemplo. Há muita gente nas ruas? Sim. Há uma insatisfação muito grande crescente contra o presidente? Também, mas não é algo que se torna palatável, não é algo que que tem as vistas dos congressistas.
Em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma, ficou muito muito claro para esse congressista que se ele não abraçasse o impeachment, sofreria uma derrota em um próximo pleito eleitoral, uma derrota política dentro dos espaços políticos de poder lá em Brasília. Então saía o impeachment ou saía ele.
LJ: Caso acontecesse, quais consequências negativas isso poderia causar no País? O Brasil tem condições de passar por uma administração interina como a de Mourão ou, em outro caso, de um dos presidentes do Legislativo?
PCS: Primeiro de tudo, um processo de impeachment traz, naturalmente, uma instabilidade política no País. Quando se fala de processos, de mecanismos estabelecidos pelo Estado para a retirada de uma figura política, principalmente o chefe do Executivo, se mexe diretamente com a imagem interna e externa do País, ou seja, com a credibilidade do País, com a integridade; consequências negativas vão acontecer. Primeira vem a questão dos investimentos externos, que por causa da pandemia, já estão ruins e podem piorar com um impeachment, que dá outra magnitude à coisa. Mourão já se mostrou disponível para assumir, mas sempre colocando um pé atrás, com relação a um suposto apoio do Exército a Bolsonaro. E aí também se vê uma ala, a das Forças Armadas, insatisfeita com a quantidade de denúncias e com a quantidade de aspectos negativos.
LJ: O que poderia, então, tornar o impeachment possível?
PCS: Acredito que é necessário uma aderência massiva à movimentação popular. A partir do momento em que se existe uma mobilização muito grande, os parlamentares prestam atenção. É a voz desses movimentos, termina suscitando um diálogo. “O que vocês querem?” “Por que esse movimento todo?”. Há respostas para essas perguntas. Há ainda o fato de que se tem no poder do Executivo um homem com uma voz extremamente conservadora, onde o Brasil, socialmente, como conservador e institucionalmente como conservador, se identifica.
Os 23 crimes de responsabilidade
Em 30 de junho, partidos, entidades e políticos protocolaram, na Câmara dos Deputados, o “superpedido” de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. O documento foi elaborado por juristas, que desenvolveram o texto nos outros 123 pedidos de impeachment protocolados na casa legislativa.
O texto conta com 46 signatários, dentre os quais estão ex-correligionários do presidente, como os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joyce Hasselman (PSL-SP). Já os partidos envolvidos no “superpedido” são todos do espectro da esquerda: PCdoB, PSB, PT, PDT, PSOL, Cidadania, Rede, PCO, UP, PSTU e PCB. O documento atribui a Bolsonaro 23 crimes de responsabilidade. Saiba quais são:
1. Cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade (art. 5º, inciso 3);
2. Violar a imunidade dos embaixadores ou ministros estrangeiros acreditados no país (art. 5º, inciso 7);
3. Violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras (art. 5º, inciso 11);
4. Tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras (art. 6º, inciso 1);
5. Usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção (art. 6º, inciso 2);
6. Opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças (art. 6º, inciso 5);
7. Usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício (art. 6º, inciso 6);
8. Praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo (art. 6º, inciso 7);
9. Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua (art. 7º, inciso 5);
10. Subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social (art. 7º, inciso 6);
11. Incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (art. 7º, inciso 7);
12. Provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis (art. 7º, inciso 8);
13. Violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição (art. 7º, inciso 9);
14. Permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública (art. 8º, inciso 7);
15. Deixar de tomar, nos prazos fixados, as providências determinadas por lei ou tratado federal e necessário a sua execução e cumprimento (art. 8º, inciso 8);
16. Não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição (art. 9º, inciso 3);
17. Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição (art. 9º, inciso 4);
18. Infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais (art. 9º, inciso 5);
19. Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim (art. 9º, inciso 6);
20. Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (art. 9º, inciso 7);
21. Negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional (art. 11, inciso 5);
22. Impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário (art. 12, inciso 1);
23. Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo (art. 12, inciso 2).
Foto: Reprodução/YouTube
Desinteresse de Lira
Pouco antes do resultado da pesquisa do Datafolha ir ao ar, no último dia 10, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que não vai abrir processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, suspeito de prevaricação na negociação superfaturada de doses da vacina Covaxin. O deputado tentou minimizar a crise institucional com as Forças Armadas e classificou o desentendimento como 'oportunismo'.
Em seu perfil no Twitter, Lira enfatizou que o Brasil é maior que qualquer disputa política e reiterou o compromisso de avançar com a pauta de reformas proposta pelo governo. Em fevereiro deste ano, ele venceu as eleições internas e assumiu a Casa como candidato de Bolsonaro.
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