Na última semana, Erica Thawany Adelino Leal, de 28 anos, se tornou a primeira moradora de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste de Pernambuco, a conseguir ter seu nome social em todos os documentos. Apesar da conquista, a jovem sente que sua voz nunca foi ouvida como deveria. Foram cinco anos de perseguição no local de trabalho por ser transexual, ela acusa.
No Diário Oficial do dia 14 de julho, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) publicou uma portaria, com assinatura de 20 de junho de 2017, sobre a abertura de inquérito civil para investigar a denúncia de discriminação sofrida por ela em seu ambiente de trabalho. Erica nem tem certeza da origem desse processo.
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Foram anos tentando ser ouvida. Delegacia de Polícia, Disque 100 [Disque Direitos Humanos], Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o próprio MPPE e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). “Eu desisti. Preferi parar com isso, de correr atrás da Justiça”, conta.
Erica passou pouco mais de sete anos trabalhando como costureira em uma fábrica e loja de roupas de Santa Cruz do Capibaribe. Diz que nos primeiros anos não notava preconceito. “Acho que porque eu era novata não percebia o que acontecia”, diz.
Nos anos seguintes, ela conta que começou a ser constrangida por outra costureira e pela própria chefe. Em um dos primeiros conflitos, Erica lembra que a costureira tentou furar sua perna com uma tesoura. “Ela começou a me agredir verbalmente. ‘Fresco safado’, ‘vai aprender a ser homem’. Foram palavras que me machucaram muito”.
Quando a patroa soube do ocorrido, ficou do lado da outra funcionária. “Eu aceitaria a suspensão das duas, porque discutiram em local de trabalho, mas ela veio para mim e disse ‘você quer que ela te chame de quê? Você não é mulher’”, recorda Erica.
Anos de sofrimento e o começo de pequenos avanços
A mulher lembra ainda que chegou a ser ameaçada de agressão pela funcionária e pelo marido dela. Diz que no dia em que cogitou se matar viu uma propaganda na televisão do Disque 100. Desde então, seguiu-se uma luta de anos para conseguir alguma resposta efetiva contra as perseguições. Na delegacia, por exemplo, ela prestou queixa, mas a funcionária e a patroa nunca foram intimadas. Ao longo dos anos, houve agressões verbais, suspensões e constrangimentos.
Houve avanços. O Creas fez um seminário na fábrica. A advogada que Erica conseguiu fez uma visita ao local e conversou com a proprietária. A funcionária chegou a pedir desculpas para a transexual. A chefe, porém, nunca se desculpou e dizia ainda que a jovem estava atrapalhando o trabalho.
“Os direitos humanos querem combater o preconceito, mas quando recorrem a outros órgãos, acho que eles não dão importância a isso”, hoje a jovem avalia. Em fevereiro, Erica deixou o emprego com o auxílio do sindicato das costureiras da cidade, que conseguiu sua demissão.
Inicialmente, a trans queria alguma punição para a patroa. “Alguma cesta básica ou doação para instituição. Não queria nem para mim, queria justiça. Outra pessoa vai entrar no meu lugar e ela vai fazer a mesma coisa”, complementa. Erica agora diz ter desistido, sem querer mais se envolver. Os documentos assinados com seu nome, entretanto, vêm como um suspiro após as lutas travadas. “Significa o fim de todas as questões e situações de constragimento que passava no dia a dia por ter o meu nome masculino. É o fim de todo esse constrangimento que passei”.