"Vai ter bicha no rap, sim", é o que bradam os representantes da cultura queer que vêm construindo uma nova cena dentro do Hip Hop. São artistas homossexuais, transgêneros e travestis que escolheram mostrar suas vivências e sua arte rimando.
O Queer Rap já tem um cenário bastante consolidando fora do Brasil e, nos últimos anos, vem cavando seu lugar dentro da música nacional. Um movimento que, a depender da vontade e do talento de seus porta vozes, veio para ficar.
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Em países como os Estados Unidos, o Queer Rap já é uma cena consolidada com artistas como Mykki Blanco, Le1f, Cakes da Killa e Zebra Katz. Já pelas bandas tupiniquins, o movimento ainda pode ser visto com aquele frescor de coisa nova.
Desconstruindo padrões e peitando a normatividade, rappers e MCs LGBT brasileiros estão produzindo em quantidade e com bastante qualidade. Certamente, um sopro de inovação que sabe como se fazer ouvir e notar, até porque, como disse em entrevista o cantor Criolo, um dos grandes nomes do rap nacional: “Não somos nós que vamos dizer a cara do novo, ele que vai mudar nossa cara".
Um dos primeiros a apostar na 'novidade' foi o rapper paulista Rico Dalasam, em meados de 2014. E ele já chegou abrindo um show do tradicional grupo de rap Racionais MC's. Na plateia, cerca de cinco mil pessoas testemunharam Dalasam, de saia e salto alto, mandar suas rimas: "Vem e aceita que onde ninguém foi eu vou tá/ Vê bem e vem/ Que pra variar/ Esse close eu dei". Em 2017, aos 25 anos, Rico lançou seu primeiro EP, 'Modo Diverso', com letras que versam sobre aceitação e mesclam diversas referências estéticas.
De lá para cá, outros nomes do Queer Rap ingressaram no rol de artistas do segmento, como a drag Gloria Groove - que agora envereda por um universo mais pop -, a MC Alice Guel - com rimas diretas e sinceras em seu EP 'Alice no País que Mais Mata Travestis' -, Danna Lisboa, Rosa Luz, JUP, Monna Brutal e MC Dellacroix.
Dellacroix, MC de São Paulo, enveredou pelo mundo do hip hop após alguns anos de pesquisas em teatro, dança e performance. A música foi a expressão que faltava para mandar seu recado. Ela explica sobre o que se trata esta cena: "Juntamente com o rap, o queer rap quer explorar as novas narrativas marginais e outras possibilidades de corpos, narrando e criando trajetória de corpos transvestigeneres pretos do gueto. Eu expresso meu trabalho na música de forma muito orgânica, e acho que o queer rap tá aí para nomear e tornar palpável todo esse movimento entre nós, as bixa preta, as travestis do rap", explica, em entrevista ao LeiaJá.
A MC fala sobre segmentar o Hip Hop: "Essa segmentação já foi criada a partir do momento que o rap/hip hop se torna machista quando os homens dominam a cena. Essa segmentação pode ser classificada como resistência". E, demonstrando seu empoderamento e confiança, declara sem arrodeios: "A gente não precisa mais de aval de macho pra rimar, e eu sigo Dellacroix, travesti preta no rap rimando pra incomodar sim, e se incomodou é porque atingiu quem eu queria impactar e questionar com a minha fala, meu proceder e minhas rimas".
Dellacroix afirma que ela e as demais artistas que compõem a cena ainda são "um tapa na cara", mas que tem sido bem aceita entre o público e se sente respeitada no meio do rap. Além disso, ela se preocupa em trabalhar com profissionais LGBT: "É importante e é necessário para corpos como o meu. Somos uma equipe composta por minas, monas, os mano também. Aprender e entender e ter noção de lugar nesse meu corre independente, se ligar em showbiz e a indústria da música. É aprendizado constante com todas as pessoas que eu fecho parcerias".
A MC está planejando seu primeiro álbum para o segundo semestre de 2018, além de projetos de audiovisual e uma turnê pelo país para "Conhecer minhas manas de todos os cantos e tecer cada vez mais redes: de afeto, de fortalecimento, de potência".
Quebrada Queer
Outro grupo que já chegou fazendo barulho é o Quebrada Queer. Formado por cinco MC's: Guigo, Murillo Zyess, Harlley, Lucas Boombeat e Tchello Gomez, o grupo deixou claro a que veio em sua primeira música lançada: "Quebrando armários, extermínio à normatividade. Revolução!/ Vamo assistir você ouvindo a nossa realidade/Tirando nossas capas de invisibilidade/ As monas unidas pro combate e olha no que deu".
'O que deu', e o que está dando, ao que tudo indica, é a estruturação de um movimento que traz inclusão e diversidade a uma cena, até então, tida como fechada e com padrões normativos bem estabelecidos. As portas do armário estão se abrindo, não à toa, com força, coragem e resistência; e tomando emprestados os versos do Quebrada Queer para o assunto: "Não é só close, é luta/ Então vê se me escuta/ Aceita, atura ou surta".
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