Basta chegar um novo lote de vacinas em Pernambuco, que a Prefeitura do Recife se prontifica em anunciar a redução da faixa etária do grupo prioritário da Covid-19, atualmente em 60 anos. Contudo, mais da metade dos vacinados ainda aguarda pela segunda dose. A demora entre aplicações pode fortalecer o vírus e retardar ainda mais o retorno à normalidade, diz o biomédico Pablo Gualberto
Ao tentar marcar a segunda dose para a mãe, de 65 anos, no aplicativo Atende em Casa, a pedagoga Paula Silva percebeu que todas as vagas estavam esgotadas. Preocupada com o prazo entre doses, entrou em contato com o chat da plataforma para saber se poderia ir a um posto de saúde na data indicada a lápis no cartão de vacina, mesmo sem agendamento.
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"Ele disse que [o atraso] não teria problema, que poderia ser tomada depois. Mesmo que passasse o prazo, não tinha nada que comprovasse que, mesmo depois do prazo, a vacina perdia a eficácia. Eu questionei que não era essa a orientação do fabricante", contou.
A vacina de Oxford/AstraZeneca tem o prazo de até três meses entre aplicações, mas a idosa recebeu a Coranavac/Butantan, que estipula o intervalo de duas a quatro semanas. Enquanto o dia se aproximava e os grupos prioritários eram ampliados, nenhuma data estava disponível no aplicativo, lembra a pedagoga.
Até o momento, o Recife recebeu 362.026 doses da Coronavac e 65.030 da Oxford/AstraZeneca, informa a Prefeitura, que destaca que segue as recomendações do Ministério da Saúde para definir os públicos prioritários no Recife.
Do total de 267.430 vacinados estimado pela gestão da capital, apenas 123.027 concluíram o ciclo de imunização, o que é um risco no enfrentamento à pandemia, afirma Gualberto.
"Se demorar muito, a gente pode perder a janela imunológica e aí cair a eficácia [...] tá só dando tempo para o vírus sofrer esses processos de mutação".
Ele explica que a 'resposta secundária' aumenta tanto a quantidade de células, quanto a especialização delas para defender nosso corpo.
"A situação que estamos vivendo agora não é decorrente de variantes. É o contrário. A situação que estamos vivendo favorece o surgimento de variantes. Então, quanto mais a gente facilita a disseminação do vírus, pelo fato dele se replicar no nosso corpo, ele consegue fazer mutações, que às vezes podem deixar ele muito mais potente", pontua, ao alertar que as orientações sanitárias de distanciamento, higienização das mãos e uso de máscara sejam mantidas mesmo após a vacina.
Apesar dos recordes diários de casos e óbitos da pandemia, para o biomédico, a situação no Brasil pode piorar pela 'falsa impressão' de imunidade.
"A gente ter uma parcela da população vacinada, que já está de certa forma imunizada, e quanto mais a gente vai espalhando o vírus, inclusive para essas pessoas, esse vírus pode acabar sofrendo um processo de seleção natural e acaba ficando mais potente, fugindo até mesmo da resposta imune causada pelas vacinas", adverte.
Enquanto a aposta do Ministério da Saúde é garantir o ciclo de imunização aos grupos prioritários, para Pablo, o ideal seria imunizar o máximo de pessoas, pois é necessário reduzir o número de contaminados e desafogar o sistema de saúde.
"A estratégia é interessante porque acaba vacinando muita gente, só que você precisa garantir que as novas doses cheguem. Aí é que tá o problema, a quantidade de demanda que a gente consegue entregar [...] Devido à situação da gente, em completa disseminação no país todo, eu acredito que seria melhor vacinar o máximo de pessoas", sinaliza.
O especialista também ressalta que é preciso esperar o tempo de resposta da vacina, que é de aproximadamente 15 dias. O que significa dizer que, mesmo vacinada, a pessoa ainda tem uma janela de possível contaminação. "Mesmo que você tome a vacina, possa ser que você pegue", reitera.
Na terça (13), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, informou que 1,5 milhões de brasileiros estão com a segunda dose atrasada. Sobre o descumprimento do prazo, Pablo indica que, mesmo após expirado, é necessário o reforço e ressalta o resultado da fase 3 da Coronavac.
O estudo do Instituto Butantan comprovou que a eficácia do imunizante em casos sintomáticos é de 50,7% - superior aos 50,38% informados antes do resultado -, e que a vacina pode atingir 62,3% de eficácia em um intervalo de 28 dias.