“O sabor das massas e das maçãs”, diz um dos últimos versos do clássico da música sertaneja “Tocando em Frente”, de Almir Sater, que, enquadrado em um banner com fotos de algumas reeducandas acompanhadas pelos filhos, é um dos poucos elementos a romper com o branco absoluto do alojamento para bebês e mães da Colônia Penal Feminina Bom Pastor, na Zona Oeste do Recife. Nele, convivem dez mulheres que tentam dar conta da limpeza do espaço, das necessidades básicas de suas crianças e lidar com a angústia da separação que se aproxima a cada novo passo dos pequenos: aos seis meses de idade, eles precisam ser encaminhados para a família e elas devem retornar às celas comuns.
Presa por associação ao tráfico de drogas e tráfico, Jéssica* "caiu" quando foi citada pelo ex-companheiro como “mulher de confiança” em ligação telefônica interceptada pela polícia. Já se passaram um ano e um mês desde que ela chegou ao Bom Pastor, grávida de oito meses do nono filho. Aos 32 anos, ela garante que é inocente e tenta prolongar a permanência de Cristiano**, que já está com 11 meses de idade, na Colônia Penal. “Já fiz uns quatro pedidos de prisão domiciliar pedindo para ele ficar, porque tenho uma irmã cuidando de três filhos pequenos meus, enquanto os outros cinco estão com familiares. Ele só está aqui porque escrevi uma carta para os Direitos Humanos”, lamenta.
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Presas se ajudam no cuidado com as crianças. (Júlio Mendes/LeiaJáImagens)
Depois da liberdade, a prisão domiciliar é o maior desejo das mães do Bom Pastor. Trata-se da possibilidade de cumprir a reclusão em ambiente doméstico, podendo acompanhar o crescimento da criança. “Quando elas têm advogado particular, ele solicita a domiciliar. Quando não, temos duas defensoras públicas públicas que, há pouco, fizeram inclusive um mutirão para pegar os documentos de todo mundo e levar para os juízes. Caso eles entendam que elas têm alguma deficiência ou filhos com até doze anos que dependam dessas mulheres, podem conceder”, explica a gerente da Colônia Penal, Laila Cordeiro.
Embora já tenha consolado muitas colegas de prisão durante a separação dos filhos, Jéssica segue sofrendo com a incerteza de seu futuro próximo. “Fui à audiência há dois meses e ainda não recebi resposta do Ministério Público. Eu já vi muita criança ir embora, a mãe voltar para o pavilhão e ser solta logo depois, mas continuo aqui. Já tirei minha cadeia quase toda só esperando a resposta”, reclama.
Até mesmo a sentença de muitas mães presas no Bom Pastor demora sair. (Júlio Mendes/LeiaJáImagens)
Falta leite?
Entre a alegria e a tristeza a cada sinal de desenvolvimento de Cristiano, que dá os primeiros passos, Jéssica vê na relação solidária com as companheiras uma forma de tornar a cadeia um ambiente menos nocivo para ela e seu filho. Quando faltou leite nos seios da reeducanda Edilma* e seu então recém-nascido filho Wellington, agora com cinco meses, ficou com fome, foi Jéssica quem providenciou o alimento. “A gente sente ódio, mas tem coração. Ela chegou aqui, não tinha família, ninguém que desse nada, então dividi o leite do meu filho com o dela. As pessoas gostam de julgar, mas não sabem escutar. Às vezes a mãe vai traficar pra dar de comer às crianças”, conta Jéssica.
Embora a gerência garanta que fornece leite às crianças, as reeducandas relatam que o alimento básico, para aquelas que não conseguem produzi-lo de forma natural, chega por meio das visitas. “Jéssica me ajudou muito. Aqui uma pega o filho da outra, a gente sofre junto”, comenta Edilma*. Mãe de Álvaro*, que nasceu há 19 dias, a reeducanda Angélica completa: “O menino precisa de um leite. Um Mucilon aqui não tem”.
Colônia Penal aceita doação de leite e produtos higiênicos para crianças e mulheres (Júlio Mendes/LeiaJá/Imagens)
Diferentemente de Jéssica, Edilma espera que, caso a prisão domiciliar não seja concedida pela justiça, Wellington possa sair do alojamento tão logo seja possível. “Prefiro que ele fique com a família, tenha uma educação diferente. Aqui não é lugar para criar filho, já basta eu presa, dando mau exemplo. Sempre digo a todas elas que vão reencontrar seus meninos quando saírem daqui, mas eu não vou ver o meu nunca mais”, emociona-se Edilma, que perdeu um de seus dez filhos há cerca de um ano, por crime de homicídio.
Agora, além de se tentar superar o luto e se preocupar com o conforto do caçula, ela ainda busca acompanhar as notícias da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), onde outro de seus garotos está preso. “Estão batendo muito nele. Hoje mesmo vi uma reportagem sobre agressões lá dentro e não sei se foi com ele, fico muito preocupada. Os outros estão lá fora com minha família. A justiça sabe que meus filhos precisam de mim”, cobra Edilma, que também fez o pedido de prisão domiciliar. Quando concedeu entrevista ao LeiaJá, a reeducanda estava confiante de que sua reivindicação seria atendida. “Eu tenho certeza de que não vou me separar do meu filho, já tá tudo certo pra eu ir embora”, torcia.
Visitas são raras para lactantes. (Júlio Mendes/LeiaJáImagens)
Procurada pela reportagem, a gerência do presídio afirmou que acabara de receber o indeferimento do pedido de Edilma, em que o juiz decide que a presença dela não é “imprescindível” para o desenvolvimento de seus nove filhos vivos.
Abandono
Assim como ocorre com Edilma e outras companheiras, Adriana* relata que nunca recebeu nenhuma visita, em nove meses de reclusão. “É ruim pra mim. Além de ficar sozinha, quero comer um ‘negocinho’ diferente e não tem”, reclama. Mesmo para as felizardas que contam com a presença de algum ente querido aos sábados, a alegria nunca é pela vinda do pai dos filhos ou dos namorados e maridos. “Aqui aprendi a valorizar mais os outros, fazer mais por minha mãe. Quando sair, quero trabalhar para sustentar meus filhos e não depender de homem nenhum, porque homem tanto faz dar alegria como tristeza”, coloca Jéssica.
Doações
A Colônia Penal Feminina aceita doações de fraldas e material de higiene para bebês e mulheres. Os interessados em contribuir podem levar seus donativos à supervisão do psicossocial da instituição, que fica localizada na Rua Bom Pastor, número 1407, bairro do Engenho do Meio, no Recife.