As mudanças no ministério do governo de Jair Bolsonaro trouxeram à tona a influência de um amigo do presidente desde os tempos da Escola de Cadetes do Exército. O general da reserva Luiz Eduardo Ramos operou, em parceria com o também general Walter Braga Netto, a missão dada por Bolsonaro de demitir a cúpula das Forças Armadas e consolidar a aliança com o bloco dos partidos do Centrão.
Foi num encontro no último domingo de março, na casa de Braga Netto, em Brasília, que Bolsonaro decidiu substituir o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o comandante do Exército, Edson Pujol. Ramos, então titular da Secretaria de Governo, estava presente. A troca abalou a caserna e alterou as posições de poder no governo. Braga Netto foi nomeado para a pasta militar e Ramos herdou a cadeira do amigo na chefia da Casa Civil.
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Na prática, a dupla resolveu a crise no Ministério da Defesa por meio de conceitos e procedimentos militares, de Estado-Maior. Para conter o descontentamento com a saída de Azevedo e Silva, de Pujol e dos então comandantes da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez, Braga Netto e Ramos trataram de fazer uma gestão de redução de danos: montaram a sucessão em menos de 24 horas com nomes respeitados tanto pelas tropas quanto pelos Altos Comandos.
Interlocutores do Palácio do Planalto observam que a dupla formada pelo bonachão Ramos e pelo reservado Braga Netto demonstrou, nos últimos meses, entrosamento nas "missões" ordenadas por Bolsonaro. Como consequência da operação discutida naquele domingo, os dois generais ficaram com ministérios estratégicos.
A Casa Civil coordena as atividades das demais pastas. O ministro-chefe sempre atua como braço direito do presidente. Tem poder no controle das nomeações de cargos e na distribuição de verbas. Ao mesmo tempo em que travou duelo com colegas militares, entrosado com o presidente, Ramos selou sua ligação com Bolsonaro ao construir a aliança com o Centrão.
Ofensiva
Em fevereiro, o general coordenou uma ofensiva que despejou R$ 3 bilhões em emendas parlamentares para obras, atropelando articulações no Congresso. Com a estratégia, garantiu as vitórias de Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão, para o comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à presidência do Senado. Ouviu elogios de Bolsonaro, que chegou a dizer que ele ficaria com a "jaca" da articulação política, como mostrou o Estadão.
Pressionado pelo Centrão, no entanto, Bolsonaro decidiu nomear a deputada Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo, pasta antes chefiada por Ramos. Flávia era um nome ao gosto do general e, principalmente, de Lira, que já tinha indicado a deputada para presidir a Comissão Mista de Orçamento. Assim, o Centrão passava a ter sala oficial dentro do Planalto. A troca também foi discutida na casa de Braga Netto naquele 28 de março. Braga Netto chegou ao Planalto em fevereiro de 2020 para ocupar a Casa Civil, após atuar como interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, no governo Temer. De forma pragmática, ele e Ramos passaram a trabalhar em dobradinha. Mas o novo chefe da Casa Civil, amigo de longa data de Bolsonaro, ganhou fama de exagerar na adulação ao presidente.
Ramos deixou a caserna, em julho de 2019, para assumir o primeiro cargo no Planalto, a Secretaria de Governo. Nessa época, ele já demonstrava disposição para o jogo político. "Quem controla o Estado-Maior controla qualquer coisa", dizia o general, sempre que amigos lhe perguntavam se iria se adaptar às turbulências do Planalto.
Aos 64 anos, Ramos tem um currículo extenso nos quartéis e gabinetes da burocracia militar. Mas, ao contrário do que sugere a frase dita sobre o poder, ele não chegou oficialmente ao comando do Estado-Maior do Exército, o influente órgão que planeja a política de uso das tropas e define diretrizes militares. Ramos foi vice do general Azevedo e Silva, comandante oficial em 2018 e 2019.
Militares que o conhecem há tempos dizem que ele não perde a chance de reivindicar o controle de espaços e superdimensionar suas posições políticas. É inegável, porém, que Ramos desfruta da intimidade do presidente. Trata-se, por exemplo, de um dos únicos ministros que o chamam de "Jair", embora nunca o faça em público.
Paraquedista como Bolsonaro, Ramos se formou, em 1979, pela Academia das Agulhas Negras, foi chefe da 1ª Divisão do Exército no Rio e da 11ª Região Militar de Brasília. De 2011 a 2012, comandou a Missão de Paz da ONU no Haiti, estratégia da política externa dos governos petistas que empoderou a geração de generais do período democrático. Em Porto Príncipe, sua habilidade de negociação foi decisiva para acelerar o processo de pacificação de Cité Soleil, núcleo rebelde onde a força da ONU tinha dificuldade para entrar.
Na campanha do amigo Bolsonaro, em 2018, Ramos estava à frente do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. A função é considerada estratégica pela proximidade com o poder econômico. Um cargo que exige menos aptidão de tiro e mais concentração em política do Exército.
'Fofoca'
Deputados e senadores da base aliada do Planalto e mesmo integrantes do governo reclamam que o general "planta" informações e alardeia notícias sem fundamento. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, chegou a escrever no Twitter que Ramos tem postura de "#mariafofoca". Depois, pediu desculpas pelo "excesso". Ramos nunca responde aos ataques em público, preferindo o silêncio, sob o argumento de que não age para prolongar "crises artificiais".
Agora, colegas de Bolsonaro e do general desde os tempos de quartel apostam que, pela antiga amizade entre os dois, o novo chefe da Casa Civil somente entrará na lista de defenestrados pelo presidente se houver mesmo um terremoto político.