O presidente Lula (PT) anunciou nesta sexta-feira (20), através das suas redes sociais que vetou "vários artigos" do PL do Marco Temporal, aprovado pelo Congresso Nacional em setembro passado. O veto atinge o principal ponto do projeto de lei para demarcação das terras indígenas no País.
"Vetei hoje vários artigos do Projeto de Lei 2903/2023, ao lado da ministra Sonia Guajajara e dos ministros Alexandre Padilha e Jorge Messias, de acordo com a decisão do Supremo sobre o tema. Vamos dialogar e seguir trabalhando para que tenhamos, como temos hoje, segurança jurídica e também para termos respeito aos direitos dos povos originários", postou o presidente.
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Após reuniões com ministros, Lula acatou a orientação da Advocacia-Geral da União (AGU) e decidiu rejeitar o trecho que estabelece a data de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição, como referência para demarcar as terras indígenas no País.
A informação é do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Segundo ele, tudo o que foi considerado inconstitucional foi vetado e a decisão deve ser publicada no Diário Oficial da União (DOU).
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O Congresso poderá rejeitar o veto e ressuscitar o projeto, se quiser. Para isso, são necessários 257 votos nesse sentido na Câmara e 41 no Senado. Padilha disse que o governo está aberto a discutir os vetos com o Legislativo. Segundo ele, o Planalto trabalhará para os vetos serem mantidos.
De acordo com o ministro, "tudo o que significava ataque aos direitos dos povos indígenas foi vetado". Ele também falou que alguns trechos foram barrados por serem inconstitucionais na visão dos ministérios. O ministro afirmou que foram mantidos trechos que reforçam transparência e participação dos Estados na demarcação de terras.
O ministro da Advocacia Geral da União, Jorge Messias, disse que Lula vetou o artigo que estipulava indenização para proprietários de terras que viessem a ser demarcadas como indígenas no futuro. De acordo com ele, os vetos garantem a independência dos poderes, uma vez que o marco temporal já foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, classificou os vetos anunciados como "grande vitória". O texto deve ser publicado no Diário Oficial da União ainda nesta sexta-feira, 20.
Marco Temporal
A tese jurídica do marco temporal condiciona a demarcação das terras tradicionais dos povos indígenas à sua efetiva ocupação na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Essa tese ignora o longo histórico de esbulho possessório e violência praticada contra os povos indígenas, acarretando a expulsão de seus territórios, além de violar os direitos indígenas previstos na própria Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário.
De acordo com a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas. Outro ponto importante é o fato de que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são imprescritíveis. Desse modo, a Ordem Constitucional vigente reafirma o Princípio do Indigenato, que significa que os direitos dos povos originários sobre suas terras antecedem a própria formação do Estado brasileiro.
MPF e Direitos Humanos condenam
Através de nota publicada nessa quinta-feira, dia 19 de outubro, o Ministério Público Federal (MPF) também reafirmou seu posicionamento contra o PL nº 2.903/2023, o qual “é inconstitucional e inconvencional, razão pela qual deve ser vetado”. Conforme o MPF já havia alertado em outras ocasiões, a aprovação do marco temporal não poderia ocorrer por meio de lei ordinária e, além disso, a matéria não poderia sequer ser objeto de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), visto que fere direitos e garantias fundamentais, cláusulas constitucionais pétreas.
Em maio deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também reiterava “sua preocupação com o possível reconhecimento jurídico da tese conhecida como marco temporal”, a qual, segundo a CIDH, “contraria os padrões universais e interamericanos de direitos humanos, colocando em risco a própria existência dos povos indígenas no país”. Para o órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), a aplicação do marco temporal violaria disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Julgamento no STF
A tese do marco temporal também foi discutida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), havendo sido rejeitada no dia 21 de setembro por maioria folgada dos membros da corte. No contexto do Recurso Extraordinário – RE nº 1017365, 9 ministros votaram contra e 2 votaram a favor da tese. Assim, ficou declarada a inconstitucionalidade do marco temporal, sendo o ato de demarcação meramente declaratório de um direito preexistente.
“Hoje é dia de comemorar a vitória dos povos indígenas contra o marco temporal. Nós temos muitos desafios pela frente, mas é uma luta a cada dia. Uma vitória a cada dia. Nós acreditamos na Justiça, na Justiça do STF para dar essa segurança jurídica aos direitos constitucionais dos povos indígenas, cumprir o seu dever pela constitucionalidade e dar esperança a esse povo que tem sofrido há muitos anos com intimidações e pressões”, avaliou Joenia naquela ocasião.
Segundo o procurador-chefe da Funai, Matheus Oliveira, “o julgamento de ontem foi muito importante, pois o recurso teve origem na Funai, foi provido e também implicou a manifestação do STF contrária ao marco temporal”. “Esse caso concreto que envolve a terra indígena Ibirama-La Klãnô, do povo Xokleng, servirá de paradigma para o julgamento de casos semelhantes”, completou a procuradora federal Carolina Santos.
Da redação, com assessorias e AE