Previsto para ser lançado no próximo mês, o livro de Sergio Moro sobre o período como ministro da Justiça revela que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) traiu o combate à corrupção. Com detalhes sobre seu pedido demissão, ele explica que um dos motivos foi a restrição para investigar o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) nas denúncias das rachadinhas.
"Agora, com os fatos, é fácil concluir que errei", avaliou o ex-juiz da Lava Jato após um ano e meio ao lado do presidente.
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Durante seu período no Executivo, ele diz que percebeu que o discurso anticorrupção não passou de uma proposta para conquistar votos. "No governo, descobri que a promessa de combate à corrupção era falsa. Como o compromisso com a economia liberal é irreal".
Entre as pautas de maior foco do Governo, ele percebeu que muitos esforços eram direcionados para ‘despetizar’ o Executivo. “Nada pior do que conduzir um governo motivado por ideologia ou revanchismos", percebeu.
Sem liberdade para investigar Flávio Bolsonaro
Moro lembra que Bolsonaro havia recomendado que ele não tentasse reverter a suspensão dos processos abertos com os dados Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem autorização prévia. A determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, interrompeu a investigação contra o filho do presidente durante quatro meses.
“Na conversa com Bolsonaro a respeito do tema, fui, porém, orientado a me manter distante da questão. 'Se não vai ajudar, então não atrapalhe', ele me disse. Por uma questão pessoal, o presidente pedia a mim que ignorasse aquela séria ameaça ao sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro”, escreveu.
"Não entrei no governo para proteger quem quer que fosse", afirmou Moro, que comentou sobre os ataques decorrentes da demissão. "Fui acusado de traição, mas não entrei no governo para servir a interesses pessoais", pontuou.
Indicação ao STF seria falsa
Ele nega a alegação do presidente de que abandonou o cargo por não ter sido indicado ao STF. "Bolsonaro não manteve a palavra nem sob o combate à corrupção, quanto mais a uma indicação ao STF", sugeriu.
Embora mantenha uma postura contra o STF, além de ter o filho favorecido na decisão de Toffoli, Bolsonaro também teria se aproximado do ministro Gilmar Mendes durante a pandemia.
"O STF, ao contrário do que diz Bolsonaro, nunca impediu o Governo Federal de combater a pandemia ou seus efeitos. O STF só proibiu o presidente de atrapalhar as ações dos Estados e municípios", criticou o ex-juiz.
Começo da crise
Ele já havia pensado em sair da gestão no primeiro ano de mandato, quando Bolsonaro não acatou os pedidos de Moro para vetar medidas do pacote anticrimes, como o juiz de garantias.
“Com aquela recusa do presidente em realizar os vetos solicitados, minhas ilusões quanto ao real compromisso dele com o combate ao crime e à corrupção de desfizeram por completo”, reconheceu.
Já em janeiro de 2020, o chefe também teria ameaçado retirar a pasta da Segurança Pública do ministério da Justiça, o que fez Moro dar um ultimado: "se a pasta fosse dividida, não continuaria no governo de jeito algum".
Troca no comando da Polícia Federal
Arrependido de ter aceitado o convite feito por Paulo Guedes dias antes do segundo turno, Moro conta que chegou a ceder à pressão de Bolsonaro para trocar o comando da Polícia Federal (PF) do Rio de Janeiro, onde o filho era investigado. "A polícia Federal não é polícia política", definiu.
O ex-ministro chegou a pedir que o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, indicasse outro nome para gerir a superintendência. O caso acabou com Valeixo pedindo demissão.
“Conversei reservadamente com Maurício Valeixo para verificar se haveria alguma forma de atender ao novo pedido de Jair Bolsonaro. Eu não devia ter feito isso, mas resistir a cada nova investida do presidente me causava desgaste e fazia com que eu perdesse tempo que poderia estar mais bem direcionado. Valeixo voltou a discordar daquele pedido e reforçou que era melhor mesmo sair do comando da PF”.
Pré-candidato a 2022
Fora do Governo Federal, Moro se mudou para os Estados Unidos, onde prestou serviços para a iniciativa privada. De volta ao Brasil, ele aceitou o convite de filiação do Podemos para concorrer à Presidência em 2022 e começa a viajar pelo país em eventos de lançamento do livro. No próximo domingo (5), o pré-candidato deve desembarcar no Recife.