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Os transtornos mentais são consequência de uma vulnerabilidade biológica herdada pelo ser humano, da influência que existe dentro das famílias e dos fatores ambientais, disse o professor Jair Mari, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao participar nessa quinta-feira (6) do 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Fortaleza.

Com a pandemia, os fatores de estresse ambientais tornaram-se muito mais importantes, principalmente nos grandes centros urbanos. “Porque nós vivemos um momento de reclusão, de afastamento, de ameaça, de mortes. Várias situações inusitadas. Costumamos dizer que foi um dos maiores experimentos psicológicos que a humanidade já enfrentou”, afirmou Mari.

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Na interação entre fatores biológicos e ambientais, com o peso pendendo para o crescimento dos fatores ambientais, é esperada uma epidemia de transtornos mentais, disse o professor, em entrevista à Agência Brasil. Segundo Mari, os problemas mais emergentes envolvem várias situações, e os transtornos mentais já estavam entre as condições em que normalmente havia crescimento da sobrecarga das doenças.

“Enquanto se tem condições, como câncer e doenças cardiovasculares, que estão reduzindo a incapacitação, mesmo antes da pandemia, a incapacitação relacionada com os transtornos mentais e, em particular a depressão, já estavam aumentando”, disse o psiquiatra. Por isso, essa sobrecarga, “muito provavelmente”, tende a aumentar ainda mais. São esperados vários transtornos mentais relacionados com o que aconteceu e que tenderão a crescer, acrescentou.

Adolescentes

Com o confinamento, os adolescentes, que necessitam do contato social, do apoio dos pais, passaram a usar a mídia social com mais intensidade, o que trouxe riscos, como o sex bullying, a rejeição virtualmente imaginada ou real e sanções dentro de um grupo. O professor lembrou que, para um adulto, dois anos passam mais rapidamente do que para adolescentes, para os quais aquele período é importante na definição da sexualidade, da profissão futura e no reconhecimento que os pares têm deles. A covid-19, porém, mudou totalmente o contato com as pessoas. Para eles, o período da covid-19 foi marcante e trouxe consequências.

Cresceu muito o uso da internet, de videogames, houve adição à internet, transtornos associados com a adição à internet. De acordo com Mari, são elementos que já vinham aparecendo, e os problemas foram acentuados com a pandemia. Os adolescentes ficaram muito ligados à internet, e veio também a questão do contágio social. Um exemplo foi a divulgação de notícias nas escolas, como massacres, que rolam rapidamente entre os alunos, ou mesmo cópia de movimentos como anorexia nervosa e violência. “Esse contágio muito maior do que nas nossas épocas de mídias sociais também traz algo importante em termos de saúde mental”, afirmou.

Mari destacou ainda a vulnerabilidade dos adolescentes ante o tédio e a solidão. “Antes da pandemia, os dados já denotavam uma frequência elevada de solidão, que é a porta de entrada para um estado de ansiedade importante, para um estado de depressão. E estamos notando que, nessa população, está havendo aumento importante de estados de ansiedade, de depressão e de solidão.”

Crianças

Outra consequência da pandemia foi o fechamento das escolas, que levou as crianças à perda de tempo de aprendizado, de leitura e de matemática, entre outras disciplinas. “Sabemos que elas têm um atraso de desenvolvimento nessas áreas, mas não sabemos o quão recuperável ele vai ser”, ressaltou Jair Mari.

Para o psiquiatra, isso pode acentuar um impacto no desenvolvimento das crianças, em especial as de classes sociais mais desfavorecidas, de escolas públicas, que não têm muito estímulo ou condições para continuar estudando no formato online.

Com isso, acentua-se mais um fator de desigualdade social importante no país, e essa desigualdade social está fortemente relacionada com transtornos sociais, como ansiedade e depressão. “Não sabemos o impacto que esse atraso trará no desenvolvimento das crianças. Já foi percebido que muitas crianças e adolescentes abandonaram a escola. E, quando não existe inclusão dessa parcela da população, pode haver aumento de transtornos mentais.”

Idosos

Outro grupo vulnerável é o dos idosos que, na grande maioria, não têm domínio da internet, nem das novas tecnologias, e ficaram mais afastados das pessoas, reduziram a atividade física, aumentaram o nível de estresse, de solidão. O professor disse que pode haver grande impacto na vida dessas pessoas, com aumento da solidão e, mesmo de casos de demência, por causa da falta de estímulos cognitivos, de leitura e de compartilhamento.

Mari mencionou ainda mudanças provocadas pela pandemia nas famílias, com aumento de divórcios e construção de novos núcleos familiares, levando os mais velhos a um isolamento maior, que também propicia o desenvolvimento de transtornos mentais.

Na população em geral, há os efeitos do vírus em si, que traz consequência cognitiva importante, a chamada covid longa, que é a perda de paladar, olfato, o impacto que o vírus pode ter trazido entre um grupo de pessoas na parte cognitiva, de memória, exigindo reabilitação dessa área, alguns com fadiga intensa e outros com o fenômeno do branco cerebral ou apagão cerebral. “Aí, a pessoa perde toda a capacidade de processamento da linguagem, de raciocínio e também preocupa, porque está deixando de exercer sua capacidade funcional, laboral, afetiva. Nós temos aí vários ingredientes nas crianças, nos adolescentes, nas pessoas adultas e nos idosos que nos levam a imaginar que teremos, sim, uma consequência importante na área da saúde mental”.

Aspectos positivos

Jair Mari destacou que, de positivo, ocorreu a aceitação de que não somos invulneráveis. “Somos seres humanos vulneráveis, saúde mental faz parte da saúde geral e é algo relevante para se cuidar. Está se abrindo uma perspectiva de olhar para esses problemas de forma menos preconceituosa, mais inclusiva”. Este é o ponto positivo, afirmou.

O que se deve fazer então, questionam as pessoas. É preciso identificar precocemente os problemas, ampliar o treinamento de profissionais capazes de dar o tratamento psicológico necessário, expandir a parte de acolhimento, assistência a terapias breves, fazer uso benigno das tecnologias, usar a telemedicina, o atendimento online, evitando que as pessoas gastem dinheiro em transporte e beneficiando a população socioeconômica mais vulnerável.

Mari ressaltou ainda que a sociedade tem que saber o quanto a desigualdade social influencia nas doenças, porque não foi só uma pandemia, mas o que se chama de uma ‘sandemia’. Ou seja, pessoas com diabetes, obesas, que praticam menos atividades físicas, tendem a ser mais infectadas.

O professor observou que, diferentemente do que ocorre em países desenvolvidos, como a Suécia, onde as pessoas moram sozinhas e não infectam os outros e têm uma educação mais avançada, no Brasil, as pessoas precisavam sair na pandemia para obter o sustento da família e, ao voltar para casa, onde várias gerações podem estar compartilhando o ambiente, a aceleração do vírus foi muito maior.

Políticas

O professor da Unifesp salientou a necessidade de políticas para inclusão de todas as adversidades humanas, desde os transtornos mentais até os problemas de gênero, de raça, de modo a tornar a sociedade mais inclusiva, oferecendo melhores condições de habitação, saneamento e educação, para reduzir o risco de a pessoa desenvolver transtorno mental. “É preciso entrar com políticas eficazes para cuidar dos adolescentes, de modo a evitar comportamentos de contágio de violência, de bullying, de sex tape (gravação de ato sexual), identificar esses problemas e agir.”

Mari recomendou também ações para combater o uso de drogas e o tédio na adolescência, estimulando nas escolas aulas de arte, como teatro, e de esporte. Ele lembrou também o quanto é importante para uma criança vestir uma camisa e uma meia do time de futebol. Com isso, há integração entre as pessoas. Essas iniciativas evitam os problemas emergentes, disse o professor.

No caso dos idosos, Mari sugeriu que se procure saber se estão desenvolvendo uma depressão importante e que se busque a integração destes em redes de saúde, promovendo saúde e diversão, e cuidar do ambiente. “A pandemia também mostrou o quanto o ambiente é importante. As pandemias surgem por causa desse desequilíbrio. É importante preservarmos a floresta e buscarmos menos consumo, uma sociedade com consumo responsável, com reutilização, a chamada economia circular, e evitar o consumismo. A pandemia nos alertou para várias questões futuras que a humanidade deve olhar com mais cuidado”, concluiu o professor.

O 39º Congresso Brasileiro de Psiquiatria é promovido pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

Nunca o brasileiro buscou tanto por termos relacionados a transtornos mentais quanto durante a pandemia. Dados inéditos fornecidos pelo Google ao Estadão apontam alta de 98% nas buscas sobre o tema em 2020, ante a média verificada nos dez anos anteriores. A pergunta "como lidar com a ansiedade", por exemplo, bateu recorde de interesse da última década. Em relação a 2019, o crescimento foi de 33%.

Entre as três perguntas mais buscadas em 2020 com a expressão "como lidar", duas estão relacionadas a ansiedade e depressão. Bateu recorde também o interesse dos brasileiros pelo questionamento do que é a felicidade. Em junho, a pergunta teve o maior volume de buscas dos últimos oito anos.

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Para especialistas, o comportamento na internet reafirma o que estudos no Brasil e no exterior já observam: medo, solidão e incertezas trazidas pela pandemia e o isolamento levam a uma alta de transtornos mentais.

"O medo de contrair a doença ou de transmiti-la para familiares do grupo de risco gera ansiedade. A diminuição do contato presencial e dos vínculos, impactos econômicos, sobretudo para os que já tinham menos recursos, e a exposição excessiva a notícias sobre coronavírus aumentam o sofrimento mental", diz Ives Cavalcante Passos, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Desde abril, ele coordena pesquisa sobre os impactos da pandemia na saúde mental. Mais de 8 mil pessoas estão sendo acompanhadas por questionários online. O objetivo, diz ele, é testar hipóteses, como "observar se esse período está associado ao aumento de ideação suicida e de uso de álcool e drogas".

Levantamento do Estadão com base em boletins da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), responsável por autorizar estudos com humanos, mostra que já foram aprovadas 97 pesquisas para investigar efeitos psíquicos da pandemia. Algumas buscam medir o possível aumento de doenças como depressão e ansiedade; outras querem medir o impacto psicológico em grupos específicos, como profissionais de saúde, crianças e adolescentes, idosos e gestantes. Alguns também investigam quais fatores podem reduzir o risco de um transtorno mental neste período.

Algumas pesquisas já têm respostas preliminares. Estudo da Universidade Estadual do Rio (UERJ) verificou que profissionais com mais dificuldade financeira e os que não podem trabalhar de casa têm mais prevalência. "Donos de comércio, administradores, empresários têm prevalência de depressão 50% maior do que a média da amostra. Profissionais que precisam sair para trabalhar e estão mais expostos ao risco de contaminação também têm pior saúde mental", diz Alberto Filgueiras, professor de Psicologia da UERJ, que coordena o estudo.

Idosos também têm maior risco. A Unicamp inicia neste mês pesquisa com 136 pessoas maiores de 60 anos para verificar o papel da rede de apoio na redução do risco de depressão e ansiedade. Paralelamente, alunos e docentes fazem, desde maio, um projeto de escuta, por ligações semanais, com idosos que já integravam um projeto da instituição. "O idoso já tem probabilidade maior de depressão pelos processos associados ao envelhecimento", diz Daniella Pires Nunes, professora da Faculdade de Enfermagem da Unicamp. "A devolutiva dos idosos tem sido interessante. Comentaram que sentem-se ouvidos, acolhidos, animados. Gera sentimento de valor ter alguém para ouvi-los sobre anseios e medos e até dividir coisas do cotidiano, como hobbies, receitas."

Ajuda

Para Ives Passos, é importante estar atento a sinais e sintomas persistentes. "Medo e tristeza são emoções básicas e fazem parte da vida de todos. Quando ocupam a maior parte do dia e são acompanhados de outros sinais, como alterações no apetite, sono e falta de energia, é necessário consultar um profissional." Ele diz que, apesar do tabu, o número de pessoas que buscam ajuda para si um parente ou amigo tem crescido. A alta de buscas no Google indica percepção do problema. "É importante, porém, que qualquer intervenção seja feita com auxílio de um profissional."

Segundo Marco Túlio Pires, coordenador do Google News Lab no Brasil, muitos usuários veem na plataforma oportunidade de se informar sobre questões pessoais e íntimas sem julgamentos. "Alguns ficam constrangidos em falar sobre certos assuntos até mesmo com pessoas próximas e usam o Google para buscar mais informações. Se isso já acontecia antes, com o isolamento ficou mais intenso." O Google, afirma ele, tem aprimorado algoritmos e feito parcerias com especialistas para dar informações de qualidade e confiáveis sobre saúde. "A ideia é priorizar fontes oficiais, autoridades no tema."

Desde 2016, a plataforma tem parceria com o Hospital Albert Einstein na produção de conteúdo. Ao buscar o nome de uma doença, um painel surge do lado direito da tela com informações de sintomas e tratamento.

Isolamento e crises

"Foi quando me vi trancada dentro do meu apartamento de 54 m² que comecei a identificar que estar presa e longe dos familiares me fazia muito mal." Essa breve descrição poderia ser de qualquer um que precisou trabalhar de casa e manter distanciamento por causa do novo coronavírus. É de uma mulher, de 29 anos, que teve o histórico de ansiedade e síndrome do pânico agravado pela pandemia. A terapia, antes semanal, passou a ser três vezes por semana e as doses de remédios para controlar as crises aumentaram.

A brasiliense, que preferiu preservar a identidade, faz parte do grupo de pessoas que sentiu o estresse, a ansiedade e a depressão aumentarem na quarentena, mas as consultas com a psicóloga são um ponto de equilíbrio para seguir adiante.

"Nesses cinco anos de terapia, só tive benefícios e consigo identificar os gatilhos (das crises). Tenho esclarecimento muito maior de mim mesma e falo para as pessoas que sabem que tenho doença mental que a terapia não é só para isso. É para a se conhecer e é muito positivo", diz. No passado, as crises de ansiedade também levaram a um quadro de depressão.

"Eu estava bem, nunca deixei de fazer tratamento, tinha vida normal em vista das fases que já tive. Com a pandemia, acabou piorando." O primeiro indício de que as coisas iam mal foi quando passou a trabalhar de casa, em meados de março. "Comecei a ter crises fortes." Ficar longe da mãe e da avó - que moram juntas e são do grupo de risco - contribuiu na piora. "Isso foi um dos gatilhos para ter crise de ansiedade e pânico."

Para a psicóloga Cristina Laubenheimer, vários fatores têm levado à ansiedade extrema, e a mudança nas relações humanas traz impacto. "De repente, quem antes era seu conforto passa a ser ameaça. Isso gera conflito grande." Em junho, estudo da Ipsos em 16 países mostrou que o Brasil é o que mais sofre com ansiedade na crise sanitária. Dos brasileiros, 41% lidam com o problema. As mulheres são as mais afetadas (49%).

Apreensão

Quem também recorreu à terapia e passou a tomar calmantes e antidepressivos leves foi Priscilla Martin, instrumentadora cirúrgica e laserterapeuta que continuou trabalhando na pandemia. Ela, de 41 anos, seguiu em contato com diversas pessoas dentro de diferentes hospitais e manteve atendimentos em domicílio quando a situação exigia. Divorciada, a profissional depende dos pais, idosos, para cuidar do filho de 9 anos enquanto passa o dia fora.

"Desde quando começou o alarme da covid, fiquei extremamente preocupada. Saindo para trabalhar todo dia, indo aos hospitais, todo mundo com aquela cara de terror. Você não sabe o que faz, se pode falar, se pode pôr a mão na maçaneta. E quando chega em casa, também não sabe bem o que fazer. O tempo todo é nessa tensão e preocupação. Minha vida hoje está muito mais estressante do que a rotina anterior", conta Priscilla, que chegou a atuar em um parto cuja paciente tinha covid.

Por mais que ela use máscara, escudo facial, luvas, troque os itens sempre que preciso e use soros para lavar as vias aéreas, a dúvida sempre ronda o pensamento. "Vou para casa e fico: 'será que estou realmente salva? Será se não peguei?'. Até o momento, a gente conseguiu se manter em segurança", conta.

"É muito diferente passar pela doença e estar com medo de morrer ou sequela, de algo acontecer com o pai, perder o emprego, ficar confinado sozinho e começar a sentir solidão. No geral, estressores do tipo perigo levam mais para quadros de ansiedade. Situações de perda levam mais a quadro depressivo", explica o psiquiatra Diogo Lara, do Comitê Técnico da Aliança para a Saúde Populacional.

Dicas para a saúde mental

Horários: Estabeleça horário para dormir e, uma hora antes, desligue computador, celular e TV, para se desconectar de situações de estresse. Defina horários para refeições, com equilíbrio nutricional.

Intervalos: Faça pausas de relaxamento de 2 a 3 vezes por dia. Cinco minutos para um exercício de respiração ajuda a oxigenar o cérebro e baixar o estresse no corpo.

Ginástica: Faça atividade física. Há apps que indicam exercícios rápidos e de baixa intensidade. Ioga e meditação também ajudam.

Sintomas e ajuda: Atenção a sintomas persistentes que indiquem depressão e ansiedade. Medo e tristeza constantes, e associados a mudanças de sono, apetite e falta de energia, podem revelar problemas. Busque auxílio profissional.

Um em cada 16 pacientes que tiveram a covid-19 desenvolve algum tipo de transtorno mental dentro de três meses após a doença. O risco é duas vezes maior para os que precisaram ser hospitalizados por conta da doença causada pelo novo coronavírus. As conclusões são de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Oxford, da Inglaterra, e publicado no domingo, 16, na plataforma científica de artigos MedRxiv. A pesquisa ainda não foi submetida à revisão de outros pesquisadores.

A covid-19 levou a uma incidência maior de ansiedade, depressão, insônia e, de maneira mais rara, demência. Nesses casos, os transtornos foram revelados em até três meses após o contágio.

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"Este risco é cerca de duas vezes maior do que o esperado entre pacientes que foram hospitalizados", disse o pesquisador que chefiou o estudo britânico, Maxime Taquet.

Para chegar a essas conclusões, os cientistas analisaram 62 mil pessoas que se recuperaram do coronavírus. A pesquisa também apontou que pessoas com alguma doença mental já existente têm um maior risco de desenvolver a covid-19.

As análises foram feitas em comparação com o surgimento de transtornos em tratamentos de outras doenças, como influenza, infecções respiratórias e de pele, pedra na vesícula e nos rins e fraturas graves.

Os resultados da pesquisa se somam a outros estudos que também comprovam a relação entre covid-19 e transtornos mentais. Embora seja uma doença nova e que ainda possui muitos efeitos secundários desconhecidos, pesquisas indicam que o Sars-CoV-2 pode afetar, além dos pulmões, o coração, os rins, o intestino, o sistema vascular e o cérebro.

Em julho, estudiosos da University College London (UCL) publicaram artigo na revista científica Brain com a análise de 43 pacientes da covid-19 que apresentaram complicações neurológicas graves após a infecção, como delírio, tremores, psicose, além de danos ao cérebro em alguns casos, como derrame.

No início de agosto, um outro estudo feito em um hospital da Itália mostrou que 55% dos 402 pacientes internados em decorrência da covid-19 desenvolveram ao menos um transtorno psicológico.

Um mês de mobilização preventiva contra o suicídio. A campanha Setembro Amarelo foi criada para informar sobre depressão e outros transtornos mentais, uma vez que pensamentos que podem levar ao suicídio têm relação com diversos quadros clínicos. O esforço para combater essas doenças não está restrito ao Sistema Único de Saúde (SUS). A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) usou a data para incentivar planos de saúde a oferecerem programas preventivos. Atualmente, o cadastro da autarquia já totaliza 42 iniciativas, que abrangem várias áreas de atenção, incluindo a de saúde mental.

A Agência Brasil contatou duas operadoras de saúde, para conhecer seus respectivos programas. O Única Mente, da SulAmérica, e o Reinventar, da Caixa de Assistência à Saúde da Universidade/UFMG (Casu), que tratam especificamente de saúde mental.

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O programa Reinventar foi lançado este ano e contou a adesão de cerca de 30 pessoas, demanda que, segundo a gerente de Promoção da Saúde da Casu, Janaína Baronto, superou as expectativas. Na avaliação da profissional, um foco maior na Atenção Primária tem impulsionado a expansão do que chama de "metodologia de autocuidado aplicado".

Janaína afirma que essa tendência reforça a noção de que a saúde do indivíduo deve tratada como um todo. Alguém com diagnóstico de depressão grave, exemplifica ela, não pode ser instruído apenas sobre diabetes, mas também sobre a importância de se alimentar corretamente, porque, com tal estado mental, poderia até mesmo estar pulando refeições. "Se um [aspecto da saúde] não estiver bem, [o tratamento] não vai dar certo ", diz.

A coordenadora do setor de Práticas de Saúde Integradas da Casu, Larissa Garbocci, comenta que não é a primeira vez que o plano desenvolve um programa na área de saúde mental, tendo implantado outro há alguns anos. O projeto foi descontinuado por volta de 2011, devido a mudanças na diretoria da associação.

Foi por notar um aumento nos atendimentos de psiquiatria e psicologia que a Casu decidiu implantar novamente a ação. O balanço anual da ANS confirma a alta procura por profissionais de saúde mental. Tanto em 2017 quanto em 2018, a consulta com psicólogos foi o segundo procedimento ambulatorial mais frequente, perdendo apenas para as sessões com fisioterapeutas. Nessa lista, entram também consultas e sessões com fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas.

No segundo semestre de 2017, foram realizadas 8,2 milhões de consultas ou sessões com psicólogos. No mesmo período de 2018, o número de atendimentos superou os 9 milhões. As consultas psiquiátricas também apresentaram aumento. No segundo semestre de 2017 foram 2.312.341. No mesmo período do ano seguinte foram 2.515.989 consultas ou sessões.

"O objetivo do programa é visar o autoconhecimento, a inteligência emocional, estando pautado na história de cada um, no reconhecimento de habilidades individuais. Não foca em associado que já esteja adoecido, porque, no trabalho em grupo, a gente tem que tomar cuidado com isso. Por isso, é pensado de uma forma mais preventiva, porque tem questões que a gente não consegue trabalhar em grupo", esclarece Larissa.

Para a assistente social, trabalhar de forma coletiva faz com que os participantes do programa percebam seus problemas sob outro ângulo. "Às vezes, sozinho, ele acha que é uma coisa só dele", diz.

Acolhimento

O Única Mente, da SulAmérica, conta com 70 psiquiatras e 40 psicólogos. Um dos principais objetivos é agilizar e priorizar pacientes com transtorno mental no agendamento de procedimentos médicos.

A diretora técnica médica da SulAmérica, Tereza Veloso, ressalta que, de 2017 para 2018, houve um crescimento de 180% em consultas psiquiátricas e 79% em sessões de psicoterapia, entre os usuários do plano. Segundo ela, muitas demandas de saúde mental também têm aparecido nos demais programas que a operadora mantém.

O programa tem duas linhas: a disponível para os beneficiários do plano em geral e a empresarial, que leva o serviço a companhias interessadas. "O programa tem um braço que cuida do individuo, alguém que procurou a gente, seja através de uma consulta ou através de um programa de gestão em saúde ou porque ligou pra nossa central de orientação e pediu uma ajuda, ele é acolhido e passa a ser atendido por uma equipe multiprofissional, de psicólogos, psiquiatras e enfermeiros especializados em doenças psiquiátricas. Nesse período, ele passa a não ter mais limite na quantidade de acesso a consultas, psicoterapia. O programa é desenhado com base nas necessidades do indivíduo", detalha.

"No país, ainda existe um receio muito grande de se expor, quando você tem alguma doença psiquiátrica. Mais do que qualquer coisa, esses pacientes precisam ser acolhidos de alguma forma e entender que precisam ser cuidados e reabilitados. Em paralelo, existia um pedido forte das empresas para que a gente pudesse ter um braço de atuação dentro delas, pra ajudar na prevenção", acrescenta.

Rol de procedimentos

Para garantir que pacientes com transtornos dessa natureza tenham um atendimento adequado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também exige das operadoras de planos de saúde que cumpram uma série de regras. Os procedimentos estão previstos na Resolução Normativa nº 428/2017 e visam resguardar os direitos dos pacientes quanto a consultas médicas, internação hospitalar, consultas com psicólogo e terapeuta ocupacional e atendimento em hospital-dia psiquiátrico.

Pessoas com diagnóstico de transtornos de personalidade, por exemplo, têm assegurado um mínimo de 18 sessões de psicoterapia por ano. A quantidade também é garantida a pacientes com transtornos do humor, como depressão e transtorno afetivo bipolar.

Na resolução, a ANS também destaca que os planos de saúde devem colaborar para desestigmatização de pessoas com transtornos mentais. As operadoras têm, ainda, o compromisso de contribuir para disseminar uma cultura contra a institucionalização desses pacientes. A posição da autarquia é de que a internação psiquiátrica seja empregada apenas em último caso e mediante indicação de um médico assistente. O entendimento é de que se priorize o atendimento ambulatorial e em consultórios.

 

A euforia sentida por Evair Canella, de 25 anos, ao entrar em Medicina na Universidade de São Paulo (USP) se transformou em angústia e tristeza. Ao encarar a pressão por boas notas, a extenuante carga horária de aulas, as dificuldades financeiras para se manter no curso e os comentários preconceituosos por ser gay, ele foi definhando. "Tinha muitas responsabilidades, com muitas horas de estudo." Em maio, no 4.º ano do curso, foi internado no Instituto de Psiquiatria da USP, com depressão grave. Ficou lá durante um mês e segue com antidepressivos e acompanhamento psicológico.

Situação parecida viveu a estudante de Engenharia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Bárbara (nome fictício), de 21 anos, que trancou a matrícula após desenvolver um quadro de ansiedade e depressão que a levou à automutilação e a uma tentativa de suicídio no fim de 2016. Ela passou por tratamento, mudou de cidade e de faculdade, e retomou em agosto os estudos.

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Relatos como esses se tornaram cada vez mais frequentes e mobilizam universidades e movimentos estudantis a estruturar grupos de prevenção e combate aos transtornos mentais. As ações, para oferecer ajuda ou prevenir problemas como depressão e suicídio, incluem a criação de núcleos de atendimento mental, palestras e até o acompanhamento de páginas dos alunos nas redes sociais.

Dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação dão uma ideia da gravidade do problema. Apenas na UFSCar, foram 22 tentativas de suicídio nos últimos cinco anos. Nas universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC), cinco estudantes concretizaram o ato no mesmo período. Mapeamento feito pela UFABC mostrou que 11% de seus alunos que trancaram a matrícula em 2016 o fizeram por problemas psicológicos.

A falta de compreensão de parte dos docentes é uma das principais queixas. "Alguns parecem ter orgulho em pressionar, reprovar", conta Bárbara.

O psicólogo André Luís Masieiro, do Departamento de Atenção à Saúde da UFSCar, diz que a busca por auxílio psicológico está frequentemente ligada à exigência constante que se faz dos jovens. "Sem dúvidas há um aumento do fenômeno da depressão em universitários. A ameaça do desemprego e do fracasso profissional são fatores desencadeantes de depressão."

A UFSCar informou ainda que, entre outras iniciativas, distribuiu cartilha de práticas de acolhimento em saúde mental para docentes e funcionários que recebem alunos em situação de sofrimento psicológico.

Para combater o problema, instituições tentam, aos poucos, se aproximar dos alunos. Na Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, são estratégias a indicação de professor mentor para quem teve mudança repentina no rendimento acadêmico e a participação de grupos estudantis nas redes sociais.

Na Federal de Minas Gerais (UFMG), foram criados neste ano dois núcleos de saúde mental, após dois suicídios entre alunos. Até então, só a Medicina tinha atendimento do tipo. "Se um fato já aconteceu, é sinal de que falhamos no processo", diz a vice-reitora Sandra Almeida.

Já a Federal da Bahia (UFBA) criou, também em 2017, programa para prevenir e ajudar alunos, principalmente os de baixa renda. "Os cotistas sofreram rejeição, até mesmo de alguns professores", diz o psicanalista e assessor da UFBA Marcelo Veras.

Mobilização

Alunos também têm criado grupos para auxiliar colegas e sensibilizar as instituições. A principal iniciativa do tipo foi a Frente Universitária de Saúde Mental, criada em abril por alunos de instituições públicas e privadas de São Paulo.

O movimento surgiu após tentativas de suicídio na Medicina da USP. "Eram muitos alunos com esgotamento, sem acompanhamento adequado, e percebemos que isso não era particularidade da Medicina", conta a aluna do curso Karen Maria Terra, de 23 anos, da Frente. Eles organizaram, em junho, uma semana de palestras para abordar questões sobre a saúde mental. A página do grupo no Facebook tem 27 mil seguidores.

Alunos da Veterinária da USP também criaram uma página no Facebook para desabafar. "Eu vejo meus colegas surtando, e a gente fala pouco sobre isso. A criação da Frente nos mostra que não estamos sozinhos."

De acordo com a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro de Nova Descoberta, o acusado de atear fogo em um estabelecimento comercial no bairro de São José, área central do Recife, sofre de transtornos mentais. Wanderley Cícero da Paz, de 48 anos, sofreu queimadura de primeiro grau na cabeça e no pescoço.

Segundo a polícia, o acusado alegou que estava sendo perseguido por dois homens em uma motocicleta e que teria ateado fogo neles. “A informação repassada por Wanderley não procede e a própia família dele afirmou que ele sofre de distúrbios mentais”, afirmou o delegado de plantão da Boa Vista, Paulo Nogueira.

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Ainda de acordo com a polícia, o acusado afimou que possuia um estabelecimento comercial  que faliu há pouco tempo. “Este local onde ele ateaou fogo é uma loja de um amigo de Wanderley, que permitiu que ele usa-se o local para dormir. Por isso, ele tinha acesso a loja de Cláudio Teixeira de Andrade e não precisou arrombar para cometer o crime”, contou o delegado.

Após receber alta da UPA, o acusado vai ser encaminhado ao Centro de Triagem Professor Everaldo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife (RMR), onde vai aguardar a decisão da justiça para encaminhá-lo, se necessário, a um hosptal psiquiátrico.

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