Organizações socioambientais brasileiras e internacionais reagiram nesta quarta-feira, 12, à decisão do governo Jair Bolsonaro de reduzir mais de 60 unidades de conservação que têm estradas federais, ferrovias, portos e aeroportos dentro de seus limites, de acordo com avaliação do próprio governo.
Reportagem publicada nesta quarta pelo jornal O Estado de S. Paulo revela que o governo trabalha na elaboração de um projeto de lei para eliminar "interferências" com estruturas existentes e dar "segurança jurídica" para os empreendimentos - sejam estes públicos ou concedidos à iniciativa privada. A medida é defendida por entidade de concessionárias de rodovias.
##RECOMENDA##
"O formato de pacote de reduções de parques explicita o desprezo por critérios técnicos e científicos de proteção da natureza para sujeitar essas áreas à ocupação desordenada e a atividades econômicas predatórias", disse Márcio Santilli, sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA).
Documento obtido pela reportagem revela que, segundo o Ministério da Infraestrutura, "existem 54 unidades de conservação interceptadas por rodovias e ferrovias", além de outras "37 rodovias e ferrovias que margeiam unidades". O ofício relata que identificou oito aeroportos de pequeno porte em situação de conflito com sete áreas protegidas, além de oito sobreposições de portos públicos e privados. "É preciso que haja a desafetação ou a redução dos limites dessas unidades", complementa o texto da pasta, lembrando que tais mudanças só podem ocorrer por meio de lei específica.
O plano original do presidente Jair Bolsonaro era fazer as alterações de perímetros e categorias das 334 unidades de conservação do País por meio de decreto presidencial, mas foi informado que essas mudanças só são possíveis por meio de projeto de lei, ou seja, o governo tem que enviar uma proposta ao Congresso Nacional.
Para o ex-ministro dos Transportes e atual presidente-executivo da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Cesar Borges, afirmou que há situações de conflito que precisam de solução no setor. "É preciso reconhecer que, realmente, há problemas com o meio ambiente, entraves burocráticos que custam tempo e estudos. Muitas vezes temos, por exemplo, que fazer a duplicação de uma pista simples da estrada, que já tem sua faixa de domínio. Mas você vai descobrir que precisa fazer um relatório de impacto ambiental que leva mais de um ano. Não se pode ver essa questão com extremos."
Por outro lado, o coordenador de políticas públicas do Greenpeace, Marcio Astrini, disse que o plano deve enfrentar resistência no Congresso. "A proposta é absurda, assim como é falso o argumento de que buscam soluções equilibradas para o problema que seja. Neste governo, o meio ambiente é tratado como empecilho, e tudo o que fazem na área ambiental é destrutivo. Trabalharemos sem descanso para que tais propostas não sejam aprovadas", disse.
Na lista de unidades previstas para terem a área reduzida pelo governo estão florestas como os parques nacionais Serra da Bocaina (SP), Serra dos Órgãos (RJ) e Mapinguari (RO), além das reservas biológicas de Poço das Antas (RJ), Tinguá (RJ) e Sooretama (ES). Analistas ambientais que atuam nas unidades temem que os recortes nas áreas possam prejudicar a proteção ambiental, ao fragmentar as florestas.
Para Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, com as propostas o governo reforça a falta de compromisso com a questão ambiental. "Reduzir ou recategorizar áreas protegidas em bloco, sem uma análise específica para cada caso, é uma temeridade. Os objetivos de conservação ambiental e de desenvolvimento podem e devem ser compatibilizados. Mas não se pode aceitar que a proposta do governo considere apenas o lado da infraestrutura, sem uma análise técnica dos potenciais impactos ambientais, sob o risco de fragilizar a conservação de importantes ecossistemas. Essa proposta precisará ser rejeitada no Congresso", disse.
O Ministério da Infraestrutura afirmou que seu levantamento identificou "a sobreposição de unidades de conservação sobre rodovias, ferrovias, portos ou aeroportos preexistentes, ou seja, de empreendimentos inaugurados décadas antes da legislação ambiental". O governo afirma que é preciso fazer o "apenas um ajuste legal, o que não significa que haverá redução, na prática, da faixa que já existe".
O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), segundo o ministério, vai "analisar a sobreposição das unidades de conservação e avaliar se há compatibilização com os empreendimentos de infraestrutura".
Unidades de conservação
No mês passado, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o governo vai rever todas as 334 unidades de conservação do País, com a intenção de mudar suas categorias e tamanhos, flexibilizando regras para exploração comercial e turística das áreas.
Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Pro UC, que reúne diversas organizações socioambientais, avaliou que o prejuízo com essas alterações pode ser incalculável. "O progresso a qualquer custo já foi tentado na década de 1970, com o Avança Brasil, e todos sabemos como acabou. Unidades de Conservação existem por uma razão, são o que há de mais raro, significativo e muitas vezes o que resta de um ecossistema. São o patrimônio da nossa nação", disse Angela. "Elas pertencem, sobretudo, às futuras gerações e são a garantia de sobrevivência da nossa espécie. Reduzir as unidades para esse 'progresso a qualquer preço' é a inversão da lógica do porquê delas existirem e, se acontecer, irá custar caro para o nosso país. O que perderemos é incalculável."
A diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, lembrou que, desde a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), nunca se viu um projeto de revisão de limites de unidades de conservação "em atacado, como se vê agora". "E isso inclui UCs muito antigas e consolidadas na Mata Atlântica, que prestam um serviço ambiental muito importante para a sociedade brasileira, como os Parques Nacionais das Serras dos Órgãos e da Bocaina, ou a Reserva Biológica de Tinguá, que protege as nascentes que abastecem a Baixada Fluminense", criticou.
A ONG cobrou transparência e debate com a sociedade. "O que a sociedade precisa saber é quais são esses conflitos que prejudicam a relação entre o desenvolvimento e as áreas protegidas, caso a caso, pois essa priorização à infraestrutura em detrimento a conservação ambiental não é necessária. É possível um equilíbrio, mas para isso, é necessário que sejam feitos estudos detalhados e aprofundados com base técnica e participação das comunidades locais e discutidos com a sociedade, assegurando assim a integridade dessas áreas e dos serviços que prestam ao Brasil. Pois, ao que se entende, quem perde neste ajuste é, mais uma vez, o meio ambiente e a sociedade."