Violão. Este é o instrumento que centraliza o momento musical de Rogério Rogerman, que se prepara para lançar o segundo disco solo da carreira, iniciada nos anos de 1990 como integrante da banda Eddie e consolidada com a Bonsucesso Samba Clube - que fundou - na década seguinte. Agora, com menos ênfase em guitarras, bateria e efeitos eletrônicos, o músico foca no formato canção para desaguar sua criatividade em 'Manhã de amanhãs', que será lançado no próximo dia 26 de julho.
A primeira música do novo disco, 'Tarde', já foi liberada no dia 28 de junho. Nesta quarta (3), Rogerman libera o videoclipe da canção, dirigido por Tágory Nascimento. Morando em São Paulo, o músico conversou com o LeiaJá sobre a feitura do novo disco, que tem a produção de Thiago Morais, o seu momento artistico e a situação das políticas públicas de cultura, confira:
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Como foi o processo de composição de 'Manhã dos amanhãs'? As composições são todas suas? Há parcerias e músicas de outros compositores?
O processo de composição se iniciou há mais ou menos um ano e meio. Na verdade o primeiro single, 'Tarde' (lançada no dia 28 de junho), é uma música bem antiga. A letra é um poema do meu pai, Yttérbio Homem de Siqueira Cavalcanti, que eu, lendo o livro dele, achei muito melódica, vi que tinha melodia ali, tinha ritmo. Acabei colocando uma melodia bem simples e com o tempo fui aperfeiçoando ela.
Eu estava morando ainda no Recife durante esse processo e utilizava sempre a parte da noite, quando estava silêncio, as pessoas dormindo, eu pegava o violão e começava a compor. Foi um período muito criativo. Eu divido os arranjos da maior parte deste trabalho com os irmãos Rodrigo e Thiago Morais (irmãos gêmeos que também formam a dupla Eu e a Duplicata).
Existe algum fio condutor temático ou estético em 'Manhã de amanhãs' ou o disco é mais um apanhado das suas composições mais recentes?
O fio condutor é o violão. Não há necessariamente um tema, apesar de eu ter uma coisa muito forte com o amor, com os relacionamentos, as sensações humanas. Tristeza, felicidade, solidão, euforia, a dúvida, a certeza, tudo o que remeta a questões muito humanas. Eu tenho no amor, na paixão, uma coisa muito forte que me guia, mas não é um tema proposital, é uma coisa natural há algum tempo. O maior condutor neste trabalho novo sem dúvida é o violão. Com exceção de 'O caminho do lobo', de 2012, todos os meus trabalhos se iniciavam no violão, mas acabavam com arranjos muito diferentes porque a banda participava e então acabam surgindo novas ideias, melodias, arranjos que saem um pouco da seara de quem compôs o tema original da música. O que foi sempre uma experiência muito positiva, diga-se de passagem, você chegar com uma música e as pessoas transformarem ela em outra coisa, Eu trabalho muito bem assim, eu gosto disso. Mas dessa vez a linguagem do violão ficou mais presente. Mesmo que ele não esteja na cara, a performance, a melodia, é a que está originalmente no violão.
Assista ao clipe de 'Tarde':
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Nota-se no seu primeiro solo e mesmo no disco mais recente do Bonsucesso Samba Clube uma aproximação e evidência maior no formato canção. É uma intenção do compositor ou você não se preocupa com isso e tal aproximação é algo natural no seu processo natural de fazer música?
A canção vem crescendo ao longo dos tempos em mim. Eu tinha um pouco de receio no início porque a canção, pra minha geração, a geração dos anos 1990, foi esquecida de alguma forma. Eu sou fruto de uma geração rítmica, de bandas grandes, com muita percussão, guitarras pesadas, o vocal às vezes monotônico, mais falado, declamado ou 'rapeado' do que necessariamente cantado. Você vê agora o oposto acontecendo: Recife está bombando - e acho isso excelente - de cantores e musicistas que estão justamente apostando nas canções e cada vez mais se aprofundando nisso. Não tenho um perfil próximo dos meninos dessa geração porque minhas canções são mais simples, são canções que você pode tocar na beira da praia como um luau. É um híbrido né, eu trago um pouco daquela linguagem dos anos 90, mas como eu sempre cultivei em mim a canção, na hora que vou partir para um trabalho sol eu me permito.
O Bonsucesso Samba Clube por exemplo, mesmo que tenha evoluído melodicamente, você ainda uma estrutura grande de arranjos e tal. Neste trabalho não, a coisa é mais simples, mais direta. Um power trio ou um quarteto resolvem facilmente. É um trabalho que dá pra fazer em voz e violão e a pessoas entenderem qual é a linguagem. Com o violão você define a canção e a linguagem do trabalho novo. É um caminho que eu gosto, eu me sinto muito confortável e sem dúvida nenhuma é um dos caminhos que eu vou seguir. Quando se tratar do meu trabalho solo provavelmente a canção sempre vai estar em evidência.
Você contou com algum incentivo público ou edital para fazer 'manhã de amanhãs'?
Não. 'Manhã de amanhãs' foi feito 'na tora'. Na vontade e na crença de que era o momento de fazer. Os trabalhos foram feitos de forma muito simples, tudo completamente de forma independente, tudo. Foi feito realmente assim no amor e na coragem, com parcerias e as pessoas acreditando. É massa por que de uma forma ou de outra você passa isso no trabalho, as pessoas sentem que foi feito com o coração.
Estamos em um momento político delicado para a classe artística, com um governo que declaradamente é contra a rede de incentivos públicos à Cultura. Como você vê a atual situação?
Estamos num momento muito difícil, com um governo que não só não acredita na arte, mas que tem ainda na arte e na cultura um inimigo. Não sei por que, isso é um coisa completamente esquizofrênica. Mas nunca foi fácil. Nos países de primeiro mundo, dinheiro público financia a arte. Arte diminui o índice de violência, ajuda na alfabetização, dá uma estabilidade emocional pras pessoas, traz calma e paz, aprimora o intelecto das crianças - crianças que aprendem música cedo desenvolvem a inteligêngia e têm um aprendizado muito melhor, são crianças que têm um comportamento mais calmo e equilibrado. Arte cura né, música, artes plásticas, artes interativas curam e aguçam a criatividade e os sentidos. Um país, uma nação, uma civilização sem arte é uma civilização que vai em direção ao abismo. Não tem como, não há referência na história da humanidade de uma civilização que negou a arte e teve como destino algo positivo. Acho que isso é um período que eu espero que a gente supere e a arte terá seu devido valor na sociedade brasileira.
Eu compreendo um pouco as pessoas não darem tanta importância à cultura, as pessoas tão muito mais preocupadas em sobreviver em muitos momentos. É difícil olhar pra arte que faz pensar na hora em que você está com fome. E nossa sociedade está passando fome, em São Paulo ou no Recife você anda nas ruas e vê a pobreza explodindo. Não tá fácil. Mas a gente trabalha também com a fé, com a esperança, e na resistência saudável, de bons argumentos, argumentos relevantes, de uma forma que a gente consiga sair dessa com o menor dano possível. Sem arte, não há vida.