Muitos artistas e intelectuais expressaram o receio de cenários apocalípticos desde a eleição de Donald Trump. Este não é o caso de David Byrne.
O artista, que ganhou fama e a aclamação da crítica nos anos 1970 e 1980 com o grupo Talking Heads, se nega a renunciar ao otimismo de sua juventude, que está presente em seu novo álbum, "American Utopia", o primeiro em seis anos.
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"Percebi que estava cada vez mais irritado e deprimido com a situação do mundo, ou pelo menos do local onde vivo", disse David Byrne à AFP em seu escritório no bairro do Soho, Nova York, onde sua amada bicicleta ocupa um lugar de destaque, apoiada contra estantes de livros e discos.
"Mas às vezes notava coisas que me deixavam um pouco esperançoso".
O cantor e compositor de 65 anos começou a anotar os "motivos para ser otimista", notas que ele transformou em uma série de ensaios para um blog e discursos públicos na Europa.
Entre suas múltiplas fontes de inspiração está o prefeito republicano de Georgetown, Texas, que alegando motivos econômicos iniciou a transição para energias renováveis em sua cidade, que fica em um estado conhecido pelas ligações com setor de combustíveis fósseis.
Esta é o paradoxo de "American Utopia": o músico de origem escocesa expressa sua determinação a permanecer otimista, apesar da perplexidade com os caminhos tomados por seu país de adoção.
"Não estou escrevendo canções sobre energia eólica, bicicletas ou iniciativas educacionais. Isto seria difícil de fazer", afirma, com um sorriso.
"Eu escrevo mais de um ponto de vista de perguntar quem somos e que tipo de pessoas nós somos: O que eu sou, como eu me relaciono com as outras pessoas?".
- Utopia e não ironia -
O próprio título "American Utopia" marca uma mudança de tendência para o pioneiro da new wave, capaz de cantar as letras surreais de sucessos do Talking Heads como "Psycho Killer", "Once in a Lifetime" e "Burning Down the House".
Em suas memórias, "Diários de Bicicleta", sobre sua relação de amor com a bicicleta, Byrne escreveu que na época em que formou os Talking Heads estava "mais interessado na ironia que na utopia".
Isto evidentemente mudou.
"Não penso que é irônico", disse a respeito do título "American Utopia".
"Acredito que é sobre o profundo anseio das pessoas de uma situação melhor do que qualquer que seja a sua situação atual, e uma espécie de esperança de que isto é possível".
As reflexões de David Byrne, no entanto, continuam repletas de abstrações ou insinuações, como na balada "Dog's Mind", que fala sobre a relação da Casa Branca com a imprensa, ou na alegre "Everybody's Coming to My House", que evoca uma festa, com direito a saxofone e piano, com um toque de LCD Soundsystem.
David Byrne construiu as canções com base em gravações originais de Brian Eno, seu colaborador de longa data.
Brian Eno trabalhou com David Byrne em seu primeiro álbum solo, "My Life in the Bush of Ghosts" (1981).
O álbum misturou ritmos do oeste da África e pop árabe, antecipando o interesse de David Byrne pela world music, que o levou a criar o selo Luaka Bop.
"Acredito que continuamos amigos porque conversamos sobre outras coisas além da música", disse Byrne a respeito de Eno.
"Então não é uma relação de negócios e muda o tempo todo".
Para promover "American Utopia", David Byrne planejou uma série de shows tão ambiciosos, afirma, como o clássico filme-concerto "Stop Making Sense", de 1984.
A turnê, que inclui a presença no festival Coachella em abril, terá um palco minimalista ao extremo, apenas com instrumentos portáteis, sem a presença de amplificadores ou caixas de transporte.
"É tudo sobre nós, e não falo isso de forma egoísta. Todo diz respeito aos músicos: os seres humanos, as pessoas que fazem a música", explica.
David Byrne, que se tornou um cidadão americano durante a presidência de Barack Obama, em 2012, disse que durante sua turnê anterior carregou uma cópia da famosa obra de Alexis de Tocqueville "A Democracia na América", sobre a experiência americana na década de 1830.
Durante muito tempo, Byrne acreditou que os Estados Unidos, apesar de suas imperfeições, "representava as ideias que inspiravam os outros povos ao redor do mundo".
Mas com a idade, a certeza se tornou uma desilusão.
"Agora eu questiono, o que resta? Parte desta esperança, deste anseio, continua lá. E você quer saber para onde te leva?", conclui.