Conceição das Crioulas possui 4.300 habitantes e fica a 45km de Salgueiro, no sertão pernambucano. (Ricardo Moura/Fundarpe/Divulgação)
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Duas comunidades quilombolas de Pernambuco já registram, cada uma, um caso do novo coronavírus. A informação foi dada ao LeiaJá pelo coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (Conaq), Antônio Crioulo. A organização emitiu nota, na última quinta-feira (18), com as suas principais reivindicações de enfrentamento à pandemia da Covid-19, dentre as quais estão o acesso imediato aos equipamentos de proteção individual (EPI's), anistia de dívidas contraídas pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e a compra de toda a produção da agricultura familiar dos quilombolas, cujo o escoamento foi comprometido.
“A renda das nossas comunidades é principalmente a que vem da agricultura. O excedente da produção sempre foi comercializado na cidade, para complementar a alimentação, ou seja: a gente planta feijão, milho, abóbora e melancia, vendendo para complementar a própria mesa com outros produtos. Quando você não consegue fazer a troca com a cidade, há perdas tanto na questão alimentar quanto econômica”, explica Antônio Crioulo.
O escoamento dos produtos, por sua vez, é dificultado pelas atuais condições de mobilidade das comunidades. Morador de Conceição das Crioulas, comunidade quilombola com 4.300 moradores, localizada a 45 km de Salgueiro, no Sertão de Pernambuco, Crioulo afirma que diversas prefeituras têm se recusado a fazer a manutenção das estradas no atual período, que é de chuva em algumas regiões. “Além disso, nosso principal meio de transporte para a cidade é o pau-de-arara, que pode ser apreendido ao chegar no destino, devido à pandemia. Assim, muitos quilombolas não estão conseguindo sequer fazer o saque do auxílio de R$ 600 do governo federal, porque não conseguem chegar às agências”, acrescenta Crioulo.
Isolamento social
Baseadas em fortes laços sanguíneos, territoriais e afetivos, as comunidades quilombolas lutam para obedecer ao isolamento social. Sem os tradicionais cumprimentos de mãos e pedidos de bênção aos mais velhos, responsáveis por guardar os saberes do quilombo, mas também mais suscetíveis às formas graves da Covid-19. “Depois de um mês de isolamento, posso dizer que tivemos momentos diferentes no processo de isolamento. Inicialmente, o povo permaneceu nas comunidades, recebendo visitas. Depois que apareceram mais casos, pararam de aceitar a circulação de pessoas de fora”, comenta Crioulo.
Um dos dois casos de que a Conaq tem conhecimento nos quilombos de Pernambuco é o de um rapaz de Conceição das Crioulas, que após sofrer um acidente de moto, contraiu a Covid-19 em uma unidade hospitalar de Salgueiro. Ele está internado em UTI, em estado grave. De acordo com Crioulo, a comunidade pernambucana que registrou a outra ocorrência prefere não se identificar. “A grande maioria das comunidades quilombolas não têm água encanada, sistema de saneamento básico. A limpeza é muito precária e, sem acesso à cidade, há um déficit muito grande de produtos higienização. Até agora não houve nenhum apoio governamental para que os quilombolas disponham de álcool gel ou equipamentos de proteção, uma necessidade urgente”, lamenta Crioulo.
Obedecendo ao isolamento social, Conceição das Crioulas é uma das comunidades quilombolas com caso confirmado da Covid-19. (Incra/Reprodução)
Demanda por políticas específicas
Pernambuco possui 196 territórios quilombolas, nos quais existem mais de 500 comunidades, que somam uma população de cerca de 250 mil pessoas. Em levantamento realizado com urgência, a Coordenação Estadual de Articulação das Comunidades Quilombolas de Pernambuco constatou que 17.008 famílias quilombolas necessitam urgentemente do fornecimento de cestas básicas e materiais de primeira necessidade. A Fundação Cultural Palmares, contudo, comunicou que considerável parcela dessa população não será incluída no Programa de Segurança Alimentar e Nutricional (ADA).
Por meio de ofício emitido na última sexta (17), a Defensoria Pública da União (DPU) solicitou informações a respeito da possível ausência de medidas específicas para socorrer as comunidades quilombolas do estado durante a pandemia. No documento, a instituição comunica que instaurou um Procedimento de Assistência Jurídica (PAJ), através do qual “se pretende apurar as razões para a manutenção do desabastecimento e verificar a existência de iniciativas no âmbito do Governo do Estado de Pernambuco voltadas especificamente para a assistência a essas comunidades tradicionais de Pernambuco no período de crise”.
Questionada pela reportagem do LeiaJá, a assessoria de imprensa do Governo de Pernambuco enfatizou a criação do programa “Compra Local”, que investirá R$ 1 milhão na aquisição de produtos de associações e cooperativas rurais. O projeto foi lançado na última terça-feira (14), por meio de parceria entre a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e a Agência Pernambucana de Desenvolvimento Econômico (AD Diper). “Apesar de termos feito diversas provocações ao governo do estado, principalmente através da Coordenadoria de Igualdade Racial, infelizmente houve um rompimento do diálogo com as comunidades quilombolas. Aguardamos ainda as manifestações sobre que tipo de apoio será dado a essas populações”, conclui Antônio Crioulo.
Confira, na íntegra, as reivindicações das comunidades quilombolas de Pernambuco, oficializadas na nota pública da Conaq:
1. Instalação Imediata de um comitê de crise estadual em decorrência do novo Coronavírus junto as Comunidades Quilombolas;
2. Acesso imediato aos Equipamentos de Proteção Individual- EPI produzidos no estado com incentivo estatal em decorrência das necessidades impostas pelo novo Coronavírus e outras doenças.
3. Seja garantido acesso imediato à água para uso doméstico e potável nas comunidades quilombolas, com abastecimento por carros pipas, abertura de poços artesianos e construção de cisternas nas comunidades que ainda não os tem.
4. Reedição do Plano Pernambuco Quilombola, Garantindo fundo orçamentário para efetivação das politicas públicas destinadas ao publico Quilombola.
5. Isenção dos quilombolas por 1 (um) ano de todos dos impostos (IPTU), quando for o caso, e energia elétrica e água por um período.
6. Compra de toda a produção da agricultura familiar dos quilombolas, cujo escoamento foi prejudicado em função do COVID-19, para distribuição em comunidades não produtoras;
7. Que todos os quilombolas que estejam na fila de espera para acessar o benefício do Programa Bolsa Família sejam contemplados e a fila seja zerada. Ad (sic) estados e municípios façam a busca ativa em todos os Territórios quilombolas certificados pela Fundação Cultural Palmares para sua inclusão no Cadastro Único e posterior inclusão no Programa Bolsa Família e programas de renda mínima. Sabemos que há comunidades que não contam com nenhuma assistência social e se enquadram no perfil de beneficiário.
8. Que todos os quilombolas sejam anistiados das dívidas contraídas pelo PRONAF, Ampliação do atendimento e dobre os valores de acesso aos recursos do PRONAF em todas as linhas para os quilombolas.
9. Abertura de novas compras pelo PAA e PNAE para os quilombolas, com menos burocracias, assegurando a infraestrutura necessária (estradas, barcos, pontes e acessos em geral) de acordo com cada região, para o escoamento da produção dos quilombolas;
10. Efetivação imediata da Educação escolar Quilombola. Em conformidade com as Diretrizes Estaduais de Educação Escolar Quilombola;
11. Incremento orçamentário para pagamento de imóveis em territórios quilombolas em regularização fundiária e para todos os processos abertos em conformidade com o decreto estadual 38.960 de 2012 de regularização fundiária que estão parados por falta de recursos técnicos e financeiros.