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Especialistas brasileiros divergem nas avaliações sobre os rumos do liberalismo no País, principalmente após a pandemia. Mas todos concordam em um ponto: a promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de adotar um choque liberal no País - feita no período de campanha presidencial - não se concretizará. A visão é que, no caso brasileiro, a pandemia não foi a única responsável pela mudança de rota da política econômica. Antes, o próprio ministro já não conseguia avançar com o projeto liberal da Escola de Chicago, dizem economistas de diferentes vertentes.

Presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Fábio Terra destaca que o liberalismo vinha com força no Brasil antes da pandemia, mas, no mundo, já havia uma tendência de maior intervenção na economia desde a crise de 2008, quando Estados tiveram de salvar dezenas de bancos e nunca voltaram ao patamar anterior à recessão. "Depois da pandemia, deve haver algo parecido", diz.

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Para a diretora de privatizações do BNDES entre 1994 e 1996, Elena Landau, no entanto, os Estados não cresceram durante a pandemia, pois não aumentaram os serviços prestados. Eles apenas elevaram a liquidez e os desembolsos, diz. "Isso não vai se manter, porque não há, nem aqui nem no mundo, capacidade financeira."

Elena diz ainda que a covid-19 "coloca uma responsabilidade grande no liberalismo", para que haja maior justiça social. "O liberalismo não é contra a atuação do Estado na área social. Faz parte da agenda liberal até pensar em renda mínima. Mas o Estado não pode ser capturado pelo corporativismo."

O economista Eduardo Giannetti se limita a dizer que não será possível que o gasto público continue avançando na mesma velocidade de 2020, mas destaca que o liberalismo tem mais de 250 anos e vem sobrevivendo a crises e guerras por ser "capaz de dar respostas às questões". "Não tenho a menor dúvida de que esse campo de pensamento que privilegia a liberdade e as regras do jogo de uma economia competitiva de mercado continuará sendo uma força muito relevante no debate público e na orientação das políticas econômicas", frisa. "Agora, não vamos confundir o liberalismo com essa versão empobrecida representada no Brasil pelo Paulo Guedes", acrescenta.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Defensora do liberalismo e professora na Universidade de Chicago entre 1968 e 1980 - época em que o ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, passou por lá -, a economista Deirdre McCloskey afirma que o governo de Jair Bolsonaro é "qualquer coisa menos liberal", pois, para ela, não é possível separar as questões econômicas das sociais. "A ideia principal do liberalismo é que não haja hierarquias: homem sobre mulher, heterossexuais sobre gays ou Estado sobre indivíduos", disse Deirdre, que estará em São Paulo na próxima quarta-feira,29, para um evento do banco Credit Suisse.

Em uma época marcada por polarizações, a economista ganhou destaque no debate econômico mundial por criticar aspectos tanto da direita quanto da esquerda. Deirdre, que já esteve no Brasil há dois anos para o projeto Fronteiras do Pensamento, dessa vez também fará palestra para funcionários da Petrobrás.

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A economista, que hoje é professora da Universidade de Illinois em Chicago, vê com descrédito a possibilidade de Guedes conseguir transformar a economia brasileira em liberal e não se mostra satisfeita com os rumos do governo brasileiro. "Um ministro da Economia não faz tudo funcionar, é preciso ter outras políticas por trás. (...) Bolsonaro pode ser capturado pelos interesses, especialmente dos mais ricos." A seguir, os principais trechos da entrevista.

A sra. já disse que o liberalismo é incompatível com violência e divisões na sociedade por gênero ou raça. Considerando isso, acha que o governo Bolsonaro é liberal?

Não. No meu país e no seu, há uma grande confusão sobre liberalismo. Nos EUA, significa uma versão suave de socialismo. Na América Latina, principalmente no Brasil, significa reacionário e violento. Os governos de Trump e Bolsonaro são qualquer coisa menos liberais. A palavra liberalismo vem do latim, ‘liber’, o que significa não-escravo. No resto do mundo, as pessoas sabem o que liberal significa. O presidente Emmanuel Macron, na França, é um liberal. A ideia principal do liberalismo é que não haja hierarquias: homem sobre mulher, heterossexuais sobre gays ou Estado sobre indivíduos.

Não podemos separar o econômico do social? O governo brasileiro se diz liberal na economia e conservador nos costumes.

Acho que não. Claro, pessoas como Bolsonaro dizem que sim. Acham que pode haver livre mercado na economia, ainda que haja um fascismo contra gays, por exemplo. Não concordo com isso. Para mim, assim como era para Adam Smith e John Stuart Mill, liberdade é liberdade.

A plataforma econômica do governo tem apoio do mercado...

O apoio do mundo dos negócios não é ao liberalismo. O apoio do que na América Latina vocês chamam de governos liberais vem porque os empresários querem o monopólio. Na Itália, os fascistas eram donos das indústrias e os empresários amavam Mussolini. Isso porque o Estado os ajudava. Isso é fascismo. Outra palavra para isso é corporativismo. As corporações parecem controlar o governo e o usam em benefício próprio. Em um mercado livre, as corporações têm de competir, o que é bom para você e para mim. Mas não é bom para nós quando há tarifas de importação, subsídios ou políticas para inovação. Não importa se as políticas são de direita ou de esquerda. Qualquer privilégio para um grupo machuca as pessoas comuns. É por isso que o Brasil tem crescimento econômico lento.

Acha que podemos comparar a Itália fascista com o Brasil atual?

Sim, mas não estou falando algo apenas sobre o Brasil. Há um movimento populista e fascista global. Você o vê na Hungria, na Polônia, nas Filipinas, na Rússia e nos EUA.

Vê alguma forma de mudar isso?

Tentando persuadir as pessoas de que liberdade é melhor. Se você oprime gays ou mulheres, também será pobre, porque, no mundo moderno, o liberalismo funciona. Ele faz as pessoas mais ricas e livres ao mesmo tempo.

Falando estritamente de economia, o Brasil está indo na direção correta?

Não sou especialista em Brasil, mas peguemos o exemplo da Amazônia. Não é do interesse dos brasileiros que as plantas da Amazônia sejam usadas sem nenhum direito de propriedade. Isso é entregar a Amazônia a empresas madeireiras privadas sem fazê-las pagar nada. É uma ideia muito ruim. Bolsonaro já cortou impostos?

Não.

A mesma coisa com Trump, que elevou impostos para beneficiar indústrias específicas, como a de painéis de energia solar. Eu esperaria que Bolsonaro fizesse algo parecido. Posso estar errada, mas acho que ele pode ser capturado pelos interesses, especialmente dos mais ricos. E eu não sou contra ricos, não quero atacá-los. Mas os donos das empresas precisam competir uns com os outros e com os estrangeiros também, e vice-versa. O Brasil faz bem aviões, os quais vende em todo o mundo. Mas, nos EUA, a Boeing é protegida pelos EUA, contra o Brasil. Isso é uma loucura. Deveríamos ser capazes de comprar aviões em qualquer parte do mundo.

A situação fiscal do Brasil é delicada. Acha que mesmo assim deveria haver redução?

Impostos são fonte de receita para governos e tornam a economia menos eficiente. Eles impedem a competição. (Para reduzir impostos no Brasil) seria melhor cortar o investimento nas forças armadas, o que Bolsonaro obviamente não fará.

O ministro Paulo Guedes foi seu aluno em Chicago? Ele defende uma postura liberal em relação ao comércio...

Se ele esteve lá nos anos 70, quase certeza que foi meu aluno. As turmas eram grandes, mas acho que me lembro desse nome. Se ele está fazendo o que aprendeu em Chicago, está colocando a economia na direção correta. Mas um ministro da Economia não faz tudo funcionar. É preciso ter outras políticas por trás.

A sra. sempre afirma que o problema das sociedades não é a desigualdade, mas a pobreza. O liberalismo é suficiente para reduzir a pobreza? Políticas para ajudar pessoas a saírem da extrema pobreza são desnecessárias?

Sou a favor dessas políticas. O governo deve taxar pessoas como você e eu para pagar educação fundamental e talvez educação secundária. Não acho que deva pagar por universidades. Também devemos ser taxadas para pagar o Bolsa Família. E é isso. Mas também tem de haver políticas liberais que quebrem monopólios. Vamos pegar o exemplo dos sistemas de saúde: o problema que temos nos EUA é que a indústria é monopolista. Os preços de medicamentos são extremamente altos e ainda tem uma lei que proíbe os cidadãos americanos de comprarem remédios no Canadá ou no México. É uma loucura. É uma proteção especial para os donos das empresas de remédios.

Como liberal e mulher transexual, acha que políticas de igualdade de gênero ou de raça devem ser adotadas?

Não, elas transformam transgêneros ou gays ou negros em crianças. Vamos pegar um exemplo concreto de transgêneros: quem deve pagar pela operação de mudança de sexo? O Estado ou o indivíduo? Pra mim, deve ser o indivíduo. As operações de mudança de sexo não são tão caras. Custam quase o mesmo que um carro pequeno. O problema de o Estado assumindo coisas é que você pode se tornar um escravo do Estado. Se você tem uma pessoa legal no comando do Estado, como o Barack Obama, tudo está bem. Mas, se você tem pessoas desagradáveis e loucas, como Bolsonaro ou Trump, as mesmas regras - os mesmos subsídios, as mesmas proteções que ajudam as pessoas transexuais - podem se virar instantaneamente contra elas. O Trump, por exemplo, para satisfazer suas bases, tirou os transgêneros das Forças Armadas. Eu quero tirar o Estado grande do que é da minha e da sua conta. Quero que as pessoas convençam uns aos outros com trocas monetárias: eu ofereço meu trabalho para você, você me dá dinheiro em troca e eu compro coisas. É assim que os pobres melhoraram de vida nos últimos dois séculos, não é através da ação do Estado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

<p>No podcast desta segunda (28), o cientista político Adriano Oliveira faz uma análise da política brasileira em relação ao que ocorreu na eleição Argentina, que teve como resultado a vitória do candidato Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. De acordo com o cientista político, o presidente eleito da Argentina não possui uma agenda clara. Já aqui no Brasil, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma agenda claramente liberal - e, por ser uma agenda exacerbada e liberal, ele retira de seus discursos, o termo &quot;desigualdade social&quot;.</p><p>Adriano Oliveira destaca ainda que o Ministro Paulo Guedes tem como exemplo o Chile. Porém, nas últimas semanas, ocorreram intensas manifestações no País, surgindo assim, novas agendas. Dessa forma, Adriano ressalta que, apesar dos elogios do Ministro brasileiro ao Chile, o país que também apresenta uma agenda liberal, não soube lidar com a desigualdade social existente no País. &nbsp;</p><p>O programa Descomplicando a política é exibido na fanpage do LeiaJá, em vídeo, toda terça-feira, a partir das 15h. Além disso, também é apresentado em duas edições no formato de podcast, as segundas e sextas-feiras.</p><p>Confira mais uma análise a seguir:</p><p>
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O Partido Liberal-Democrata (Lib-Dem) tem tido uma movimentação atípica nos últimos dias. Dezenas de pessoas entram e saem do comitê, na região oeste de Londres, a cada dez minutos. Com um sorriso no rosto, todos cumprimentam jornalistas e curiosos com um surpreendente e caloroso "bom dia".

Os militantes da legenda não escondem a satisfação pelo ótimo resultado obtido nas eleições europeias realizadas na semana passada. "Foi uma vitória bastante simbólica, mas nossa luta para barrar o Brexit está apenas começando. Vem muita coisa pela frente", diz o britânico Peter Ashworth, filiado ao Lib-Dem há oito anos.

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A maior parte dos eleitores liberais é formada por homens e tem entre 25 e 35 anos. São, neste caso, os chamados "jovens adultos". De classe média alta, com nível superior e já com alguma bagagem profissional, eles não se encaixam no radicalismo de mercado da direita ou unicamente nas pautas da classe trabalhadora. O Lib-Dem conseguiu 19,76% dos votos. Dessa porcentagem, mais da metade do eleitorado tem o terceiro grau completo, 13% são homens e 12% possuem emprego formal.

Além disso, são contra a saída da União Europeia (UE). "O Brexit foi muito mal conduzido. Theresa May demonstrou uma incapacidade gigantesca para governar. Eu optei pelo Lib-Dem justamente pela clareza das ideias do partido sobre um tema tão importante para todos. A verdade é que ninguém falou sobre como fica o Reino Unido sem o Brexit. Há muitas coisas em jogo: remédios, abastecimento de produtos e a economia, só para citar alguns poucos exemplos", afirma o médico Rex Melvile, de 29 anos.

"Acho que, quando votamos, temos de levar em conta várias outras questões que afetam diretamente nossas vidas: segurança e saúde. O Lib-Dem ponderou muito bem esses pontos sem nenhum extremismo", afirma o gerente administrativo Eric Hughes, de 33 anos.

No último fim de semana, o partido liderado por Vince Cable elegeu 16 representantes para o Parlamento Europeu. Comparado a 2014, na última eleição, houve um aumento de mais de 30% de eurodeputados. Mesmo com o resultado expressivo, e até certo ponto surpreendente, o Lib-Dem não foi o mais votado. O partido pró-Brexit, liderado pelo nacionalista Nigel Farage, será o de maior representação no Parlamento Europeu, com 29 deputados.

O cenário, porém, é inédito no Reino Unido. Nem o Partido Trabalhista, nem o Conservador - maiores e mais tradicionais legendas britânicas - ficaram nas primeiras colocações. Os conservadores, da premiê Theresa May, foram apenas o quinto mais votado e só levaram 4 dos 73 assentos britânicos no Parlamento Europeu. Mais uma derrota de May, que renunciou após o fracasso nas negociações sobre o Brexit. Ela deixará o cargo no dia 7.

Segundo o professor Guilherme Athia, mestre em relações internacionais pela Fletcher School of Law and Diplomacy, nos EUA, o liberalismo está em alta na Europa. "O continente vive uma onda liberal. Muitos dos eleitores dos partidos mais conservadores migraram para o liberalismo porque há ali um discurso mais diverso e inclusivo. O liberalismo defende a livre concorrência de mercado e a competição, mas não permite o descumprimento de regras da União Europeia", afirma Athia. Os liberais europeus se distanciam do conservadorismo em temas comportamentais.

No caso do Reino Unido, a ascensão dos liberais se deve em grande parte ao Brexit, principal tema de discussão no país. Para o eleitorado britânico conservador, o Lib-Dem foi o único partido capaz de promover um debate inteligente e defender a permanência do Reino Unido no bloco. Cable, que deve se aposentar em julho, e seus dois possíveis substitutos, Jo Swinson e Ed Davey, defendem a convocação de um novo plebiscito sobre o tema antes de 31 de outubro.

Fragmentação

As eleições europeias aumentaram a fragmentação do Parlamento Europeu. Os tradicionais partidos de centro-direita e de centro-esquerda continuam formando os maiores grupos, mas perderam espaço para liberais e ecologistas. Os 751 parlamentares são responsáveis por sugerir emendas ou rejeitar leis propostas por outras instituições, além de fiscalizar as finanças da União Europeia.

O Partido Popular Europeu (EPP), agrupamento de centro-direita, elegeu 179 políticos, 42 a menos que em 2014. A aliança reúne os mais tradicionais partidos de orientação conservadora da Europa, como a União Democrata-Cristã (CDU), da chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Apesar da queda, o EPP continuará com o maior número de assentos e deve eleger o próximo presidente da Comissão Europeia.

A Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) também teve menos deputados eleitos. Os partidos de orientação social-democrata mantiveram a força na Espanha e em Portugal, onde governam. Mas decepcionaram em países importantes, como Reino Unido, Alemanha e França.

Já a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (Alde), na qual está incluído o Lib-Dem, teve o maior crescimento: de 67 parlamentares, em 2014, para 105 agora. O grupo defende a União Europeia e conta com o apoio do partido Em Marcha, de Emmanuel Macron, presidente da França, e do Ciudadanos, nova força eleitoral da Espanha, liderado por Albert Rivera.

A aliança entre partidos e políticos ambientalistas da UE, os chamados Verdes-EFA, também obteve votação surpreendente. Eles conseguiram um ótimo resultado na Alemanha, onde ficaram em segundo lugar - enviarão 69 deputados ao Parlamento Europeu (antes tinham 50). O EFA defende que o bloco adote medidas para que todos os países se comprometam com políticas ambientais, sobretudo para combater as mudanças climáticas.

Segundo Athia, os atuais modelos partidários precisam ser revistos. "Essa chamada onda verde e liberal mostra que as pessoas estão buscando outras alternativas para serem representadas politicamente. Os partidos mais tradicionais, que estão em franca decadência, não são mais capazes de externar os desejos do eleitor. A Suíça é um exemplo a ser seguido. Lá eles fazem vários referendos e pedem a opinião da população sobre diversos assuntos. Trata-se, portanto, de um modelo mais rápido que aproxima o povo de pautas importantes para a sociedade", explica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Na disputa por influência em torno do presidente Jair Bolsonaro, é a pauta conservadora nos costumes que tem mais simpatizantes na base mais fiel do novo governo. A conclusão é da pesquisadora Camila Rocha, de 34 anos, que passou os últimos quatro anos estudando a formação do grupo político que convergiu nas eleições de 2018 e assumiu o poder. A tensão entre "anti-progressistas", ultraliberais no Ministério da Economia e militares, segundo ela, deve continuar.

Em sua tese de doutorado em Ciência Política, apresentada na última terça-feira (5) na Universidade de São Paulo (USP), Camila mostra que o processo de formação da nova direita ocorre há mais de dez anos, na maior parte do tempo ignorado pelas instituições tradicionais. "Menos Marx, mais Mises": Uma gênese da nova direita brasileira deve virar livro pela editora Todavia ainda no primeiro semestre deste ano.

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"Do ponto de vista ideológico, o conservadorismo com certeza fala mais alto porque a maior parte da população ainda é refratária a um discurso 'ultraliberal'", diz Camila. Para ela, a "pressa" de ministros afinados com o discurso antiesquerdista do presidente deve "atropelar" as premissas da política tradicional.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que chamou atenção nesse primeiro mês de governo?

Entre avanços e recuos, eles (governo) realmente estão tentando implementar as pautas que prometeram durante a campanha. Em relação à (reforma da) Previdência, há uma articulação forte para votação ocorrer logo, e eles também conseguiram entregar o decreto que facilitou o acesso a armas de fogo. O Ministério do Meio Ambiente também cortou vínculo com órgão com quem se relacionavam antes.

Houve também várias declarações polêmicas da Damares (Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos), sinalizando qual deve ser o tom do governo em questões ideológicas, e a denúncia contra o Flávio Bolsonaro - mas em relação a isso é difícil prever quais serão os desenvolvimentos

A despeito desses incidentes todos, a impressão que eu tenho é que, de fato, eles estão tentando se acomodar na estrutura governamental e tentando já anunciar os movimentos que devem ocorrer no governo.

Há uma preocupação maior do governo em entregar resultados à base eleitoral, em comparação com outras gestões?

Com certeza há uma preocupação maior nesse sentido. Isso até pode parecer um pouco desastrado para uma parcela da população. Por exemplo, o anúncio de que iriam 'despetizar' o governo, tirando todas as pessoas identificadas com a esquerda. Essa é uma das preocupações principais (em relação à base eleitoral).

Há uma certa pressa dos membros do governo que se pautam mais por questões mais ideológicas, que acaba atropelando algumas prerrogativas da política tradicional.

Como essa disputa entre diferentes alas do governo pode se desenvolver daqui para frente?

Eles estão fazendo um esforço de tentar, na medida possível, acomodar algumas dessas tensões. Por exemplo: Bolsonaro dá uma declaração sobre a instalação de uma base (militar) americana. Os militares reagiram e o governo recuou. A questão da Previdência valer para os militares ou não, também, apesar de isso não estar completamente definido.

Muito provavelmente essas tensões vão permear, ao menos, o primeiro ano de governo até se chegar a acordos mínimos. Eu acho que é possível eles chegarem a esse tipo de acordo, mas tudo vai depender da aprovação inicial do governo nesse primeiro ano. É nisso que eles vão prestar muita atenção, com certeza. Se a população começar a rejeitar a maior parte dos anúncios, vai ter de haver algum tipo de mudança.

A avaliação que ficou da eleição presidencial é de que o Bolsonaro foi eleito por uma "onda" de direita. Foi isso que ocorreu?

Não gosto muito desse termo "onda" porque acho que é muito pouco explicativo. Porque "onda" parece que é uma coisa que veio do nada e que você não sabe exatamente para onde vai, o que aconteceu.

E eu acho que na verdade o que aconteceu foi um processo paulatino de construção de uma nova direita e que Jair Bolsonaro e as pessoas que os acompanharam fazem parte desse processo que começou há mais de 10 anos, a partir da internet, de fóruns, debate, comunidades na internet e foi ganhando capilaridade na sociedade civil. No mundo "fora da internet", com o tempo, também. E foi um processo que foi sendo construído de forma bastante enraizada na sociedade civil, eu diria.

Isso aconteceu também em concomitância com tudo que estava ocorrendo nos governos do PT, na Lava Jato e tudo mais. Esses processos foram se encontrando. Mesma coisa em relação a junho de 2013. As pessoas pensavam: 'meu Deus, aconteceu junho de 2013'. Não. Desde de 2011 começaram a acontecer várias manifestações no Brasil inteiro e as (mesmas) pessoas participaram depois da campanha pró-impeachment, em 2015, 2016.

Você diz que essa construção paulatina começa no auge do lulismo. Escândalos de corrupção favoreceram esse agrupamento?

Enormemente. Acho que o mais importante foi o mensalão. Ali acelerou um processo. Quando o (ex-presidente) Lula foi eleito era um clima muito de desconfiança e teve a "carta aos brasileiros" justamente para tentar quebrar essa desconfiança, de que não seria um governo extremista.

Estava todo mundo em stand-by, o pessoal de centro e da direita. O governo estava com uma abordagem bastante ortodoxa em relação à economia, mas quando vem o mensalão as pessoas ficam muito impactadas.

Alguns que eu entrevistei, militantes de direita falaram: 'eu votei no Lula, confiei que eles iam fazer uma gestão ética'. Quando aconteceu o mensalão foi aquele choque. Uma das primeiras organizações disso que eu chamo de nova direita, que é o Endireita Brasil, surgiu justamente na esteira do mensalão. A ideia deles era, em 2006, fazer uma coisa parecida com o que o MBL fez na campanha pró-impeachment, ou seja, pedir o impeachment do Lula por conta do mensalão.

Só que não tinha clima. O Lula foi reeleito. O governo estava explodindo de popularidade e as pessoas que não encontravam como se expressar, expressar essa raiva, essa indignação contra o que tinha acontecido, começaram a se organizar na internet.

Boa parte de anúncios de ministros e políticas públicas foram feitos via Twitter. É o reflexo de um grupo que se consolidou no meio digital?

Eu acho que sim. Para os políticos, ideólogos, é um canal de comunicação direta, sem nenhum tipo de interferência. Você fala diretamente. O que num certo sentido seria mais crível. Inclusive foi assim que esse processo todo ele se construiu muito também em cima de uma espécie de "aqui a gente vai falar a verdade", 'aqui a gente não vai ter nenhum tipo de mediação'.

Até que ponto a pauta liberal ou ultraliberal foi influente na eleição do Bolsonaro?

Diria que ele foi eleito com uma série de fatores mas, do ponto de vista ideológico, o conservadorismo com certeza fala mais alto porque a maior parte da população ainda é refratária a um discurso "ultraliberal". Estou usando um termo que eles mesmo usam para se denominar. Para essa militância ultraliberal, eles são diferentes dos neoliberais.

Os neoliberais entendendo principalmente os economistas que trabalharam durante as gestões do FHC e até durante a primeira gestão do ex-presidente Lula. Basicamente eles (ultraliberais) são muito mais radicais.

Para os neoliberais, é 'vamos ver o que a gente vai privatizar, o que a gente não vai'. Para os ultraliberais é simples: privatiza tudo. Tudo que você puder, você privatiza porque o mercado é sempre a melhor solução para qualquer problema social e econômico. Eles estavam muito coesos em torno disso.

Quando o Bolsonaro foi para o Partido Social Cristão no começo de 2016, já com essa intenção de se eleger presidente, tinha um militante ultraliberal, o Bernardo Santoro. O Santoro foi presidente de uma tentativa de formação de um partido ultraliberal no Brasil, o Líber. Também era militante da internet, mas na época ele estava no Instituto Liberal do Rio de Janeiro. E ele foi conselheiro econômico do Pastor Everaldo.

Quando a família do Bolsonaro chega no partido, o Bernardo está lá. Em 2016, o Eduardo Bolsonaro se inscreve na 1ª turma de pós-graduação em economia austríaca do Instituto Mises. O Flávio Bolsonaro sai para prefeito do Rio de Janeiro em 2016 e o Bernardo é o coordenador de campanha. Então uma coisa começou a se formar.

O Jair saiu do PSC, foi para o Patriota, o Bernardo foi junto e se tornou secretário-geral do Patriota. Já no final de 2017 o Rodrigo Constantino sugere para o Bolsonaro que o Paulo Guedes seria um nome interessante para o Ministério da Fazenda. Então o Bolsonaro começa a frequentar esses circuitos, interagir com essas pessoas, esses ideólogos, se aproximar. Porque tinha muita desconfiança (em relação a) um militar, uma visão desenvolvimentista, nacionalista.

A crítica ao globalismo não é uma contradição à própria proposta liberal?

Existem essas tensões importantes e esse, por exemplo, é um ponto de tensão importante.

Olavo de Carvalho tem uma influência clara e já conhecida sobre o que se poderia chamar de "bolsonarismo". Como avalia o papel dele na formação desta nova direita e do novo governo?

Muito grande. Tem várias denominações, como o 'parteiro da nova direita', o 'guru da nova direita', que acho que se aplicam com certeza porque o Olavo de Carvalho atuou, de certa forma, em uma espécie de vanguarda para as pessoas principalmente em relação ao discurso do que chamam de hegemonia esquerdista.

Como os militares se inserem no contexto da nova direita?

Esse é outro elemento que também foi fonte de tensão nesse processo de consolidação da nova direita por dois motivos: o principal acho que é econômico, porque no Brasil depois do governo Castelo Branco, que foi um governo liberal do ponto de vista econômico, o regime começou a tomar essa direção desenvolvimentista. Claro, um desenvolvimentismo conservador, de direita, e que para uma pessoa que se diz liberal na economia foi uma catástrofe completa.

Dado que Jair Bolsonaro teve uma trajetória militar, veio desse tipo de pensamento nacionalista, desenvolvimentista. Isso sempre foi um motivo de desconfiança para os ultraliberais.

Não saberia falar, em termos ideológicos, como hoje as Forças Armadas no Brasil estão organizadas, como estão pensando isso. Mas, ao que parece, por enquanto eles estão aderindo a esse projeto 'ultraliberalismo para dentro e para fora a gente se alinha com Estados Unidos e pode se dizer nacionalista'.

Na sua tese você cita o que o Timothy Power classificou a direita como "envergonhada".Em que momento essa direita perdeu a vergonha?

Começou a perder a vergonha de se dizer de direita quando as manifestações pró-impeachment ganharam expressão.

Até que ponto a questão religiosa tem a ver na formação dessa nova direita e no sucesso eleitoral do Bolsonaro?

O pastor é conservador, mas não quer dizer que ele vai ser assim na política, que ele vai ter uma agenda coerentemente de direita. Então acho que essa coerência também foi se montando à medida que esses grupos foram estabelecendo laços e criando uma agenda.

Houve um esforço de coordenação de forças. Mas isso foi importante não só do ponto de vista das alianças políticas, mas principalmente do ponto de vista eleitoral, com certeza. É só lembrar a Marina, por exemplo, que derreteu. Teve menos de 1% dos votos

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