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No início dos anos 1990, os caranguejos com cérebro do movimento manguebit deixaram suas malocas, nos manguezais, para mostrar ao mundo toda a diversidade cultural e o potencial que se escondia nas periferias recifenses. Quase 30 anos depois, a ideologia disseminada por Chico Science e Fred Zero Quatro (Mundo Livre S.A), segue movendo uma cena musical expressiva nas periferias da cidade. O especial 'Vozes da Periferia' encontrou alguns jovens artistas que são fruto 'dessa leva'. 

A cantora Liv, de 25 anos, é resultado direto disso. Sobrinha de músicos, Marlon e Marcel Moreira, da banda Severinos Atômicos, a jovem musicista viu os tios construírem o próprio estúdio de ensaio nos fundo da casa em que moravam no bairro do Ipsep. “O que ficou pra gente foi a mistura do manguebit e o pós-manguebit. Essa é a nossa referência forte porque Chico (Science) saiu da periferia e cresceu”.

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Inspirada nesse movimento, Liv passou a criar, sozinha, em casa; hoje lidera uma banda, que leva seu nome, ao lado de Marco Melo (guitarrista), Rafael Lima (baixista) e Douglas Brito (baterista), todos moradores de diferentes bairros periféricos do Recife, com exceção de Rafael, que vive na cidade de Natal, Rio Grande do Norte.

Gabriel, 24 anos, baixista e vocalista da banda Conspiração Reptiliana, de Beberibe, também aponta o manguebit como motivação para fazer música, ao lado dos colegas Wellisson Cruz (guitarra) e Vinícius Castro (baterista). “Não tem como não citar o  Alto José do Pinho, a galera da Devotos. Aquele contexto parece que veio descendo pra cá e enraizou aqui em Beberibe, Caixa D'água, Dois Unidos”, afirma.

Nos bairros citados por Gabriel e em tantos outros, como o Ipsep e a Várzea, o aumento de festivais com bandas autorais, nos últimos anos, tem funcionado quase como única via de escoamento dessa produção cultural. Essas iniciativas precisam dividir o espaço com artistas de outros segmentos como o tecnobrega e o bregafunk, que tomaram um vulto comercial grande e acabaram dominando parte do público e dos espaços na mídia.

Mas, com tantos bons exemplos do passado e tanta gente, como a própria Liv e a Conspiração Reptiliana produzindo, por quê continua sendo tão difícil colocar essas vozes vindas da periferia para o grande público ouví-las? A resposta vem de Douglas, baterista da Liv: “A maioria das bandas que fazem esses festivais não são de estilo mais comercial. É uma coisa mais de necessidade da periferia, o pessoal critica, reclama, o teor das músicas é nesse tom”.

 O trabalho autoral também parece encontrar certa resistência por parte dos contratantes. “As grandes casas de show não veem a gente como artistas a serem respeitados, isso também dificulta um pouco”, lamenta Gabriel. Mas, na contramão de todas as dificuldades, como o pouco espaço, a concorrência com a música comercial e a violência urbana que acaba afastando o público das apresentações, a garra e vontade desses jovens músicos não os deixa desanimar. Há outro motivo forte, como aponta Liv: “A movimentação dos bairros é o que motiva a gente”.

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Quando Chico Science fincou uma parabólica na lama do bairro de Peixinhos, na periferia da Região Metropolitana do Recife (RMR), ele não podia imaginar o quanto aquele gesto ecoaria através dos tempos e gerações. O manguebit, movimento musical iniciado por ele e por Fred Zeroquatro, da Mundo Livre S.A., foi responsável por levar o som e a cara dos bairros periféricos da RMR para os mais inimagináveis lugares do Brasil e do mundo.

Porém, mesmo antes do malungo Science - e depois ainda mais e, talvez, com maior estímulo - artistas originários dos bairros periféricos recifenses têm se empenhado para, através de suas vozes, contar e cantar sua realidade, tristezas e belezas, com o objetivo de imprimir na sociedade a sua identidade e fazer-se ouvir para além de seus limites geográficos e sociais.

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Em tempos  em que as frequências de rádio e TV têm privilegiado apenas um recorte específico dessa gama cultural - a música 'rebolativa', das 'novinhas' e MCs de tecnobrega e bregafunk, por exemplo, sejam eles mirins ou não -, o LeiaJá percorreu alguns bairros que margeiam o centro da capital pernambucana para descobrir quais são as outras vozes que compõem o cenário cultural das periferias. Acompanhe a série especial 'Vozes da Periferia', que vai ao ar desta terça (25) até o próximo domingo (30).

Com iniciativas independentes, como festivais por todos os cantos da cidade, encontramos artistas que, muitas vezes, ainda nem tocam nas rádios, mas certamente tocam suas comunidades e são tocados por ela.

O grupo de rap Aliados CP é um dos exemplos de artistas que formam a identidade cultural de sua periferia. 

Antes da cena musical pernambucana, que rolava no início da década de 1990, ser alçada ao patamar de movimento, posteriormente batizado de Manguebit, muita lama rolou pelas periferias e 'inferninhos' da cidade do Recife. 

O cenário cultural da capital de Pernambuco, naquela época, pode ser comparado a uma panela cheia d'água esquentando no fogo. Antes que o líquido pudesse chegar ao ponto de ebulição, muitos perosnagens e fatos se desdobraram para que a musicalidade e a cultura locais tomassem a forma e a fama com as quais ficou (re)conhecida mundialmente. 

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Deste ínterim é que os realizadores Hilton Lacerda e Hélder Aragão extraíram um 'caldo' para produzir a série Lama dos Dias, que conta, a partir de personagens fictícios, os primórdios do movimento Mangue. A atração estreia neste domingo (23), no Canal Brasil, emissora de TV a cabo. Hélder, mais conhecido como DJ Dolores, que além de cocriador e codiretor é o responsável pela trilha sonora da produção, conversou com a reportagem do LeiaJá sobre o seriado. Confira a entrevista.  

Como surgiu a ideia de fazer Lama dos Dias e por que a decisão de contar essa história de maneira ficcional? 

A idéia surgiu diante da necessidade de contar histórias que vivemos e  que agora já temos algum distanciamento. A escolha por ficção foi para não envolver diretamente os amigos, então os personagens da série são compostos por várias pessoas daquela cena. 

 Como foi revisitar tantas memórias para criar os personagens e o roteiro?  E qual foi a maior dificuldade de 'olhar pra trás', se é que houve alguma? 

Foi muito divertido lembrar dos anos 90, que representa um período muito importante em nossas vidas. Demos muitas risadas... Não foi doloroso olhar para trás, ao contrário.

 Por que optaram em buscar atores amadores, ainda que todos já envolvidos com o meio artístico - como Débora Leão (Negrita MC); Enio Damasceno;Edson Vogue; o pianista Vítor Araúj; e Louise França (fiilha de Chico Science)? 

É bacana o poder de “descobrir” novos talentos. Algumas das pessoas que trabalharam na série também estão presentes no filme novo de Hilton. 

Ainda que retrate o cenário de 1990, a série trata de temas muito atuais. Vocês tiveram um cuidado especial em torná-la tão atual assim ou isso aconteceu de maneira natural? 

Talvez alguns problemas venham de longe e apenas hoje a gente seja capaz de enxergar com maior discernimento. 

Existem planos para uma segunda temporada? E para a exibição da série em outros veículos ou plataformas?

Sim, haverá uma segunda temporada e a partir de amanhã, dia da estréia no Canal Brasil, também será colocado mais três episódios gratuitos no site do canal.

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Estreia no dia 23 de setembro, às 21h30, no Canal Brasil - emissora de TV a cabo -, a série Lama dos Dias. Dirigida por Hilton Lacerda, um dos grandes nomes do cinema pernambucano; e Hélder Aragão, mais conhecido como DJ Dolores, o seriado pretende ilustrar, em sete capítulos, o Recife que fez surgir, no ano de 1990, o movimento Mangue. 

Longe de ser um documentário, mas sim uma obra de ficção, Lama dos Dias se baseia na atmosfera cultural daquela época. A partir do cenário que se instalou na capital pernambucana, no fim do século 20, em um contexto de redemocratização pós-ditadura em que vivia o país, a cidade viu surgir o Manguebit, movimento que revolucionou a cultural local, em seus mais diversos âmbitos, e alçou Pernambuco ao posto de celeiro da cultura musical contemporânea. 

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A atração pretende mostrar os detalhes deste período a partir de dois núcleos principais: a trajetória da banda fictícia Psicopasso e um grupo de amigos de uma universidade frequentadores da cena musical local. No elenco, atores experientes, como Maeve Jinkings e Julio Machado dividem a cena com principiantes como Débora Leão, a Negrita MC; Enio Damasceno; Edson Vogue; o pianista Vítor Araújo; Louise França - filha de Chico Science; e Roger de Renor. 

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A banda Mundo Livre S/A, uma das principais expoentes do Movimento Mangue, que marcou a música brasileira na década de 1990, comandará um dos trios no desfile do maior bloco do mundo. O vocalista do grupo, Fred 04, anunciou a participação da banda no Galo da Madrugada em seu perfil no Facebook na manhã desta quinta (5).

"Agora é oficial, galera. Depois de uma ótima reunião realizada ontem na sede do Galo da Madrugada, podemos anunciar: o Mundo Livre S/A vai comandar um dos trios no desfile que homenageará Chico Science e o Manguebeat", escreveu Fred na rede social. Ao Portal LeiaJá, por telefone, o músico adiantou que contará com vários convidados especiais durante o desfile: "Já tá no script que teremos muitos convidados. A gente já pensou em vários nomes, mas não quer anunciar nada ainda".

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O desfile de 2016 do galo da Madrugada fará uma homenagem ao ícone do movimento, Chico Science. A banda Nação Zumbi, fundada por Science, no entanto, divulgou recentemente que não participaria do desfile. Segundo o grupo, o Galo da Madrugada não o procurou para fazer qualquer convite e a data (o Sábado de Zé Pereira, primeiro dia de Carnaval) foi fechada com um show no festival Psicodália, realizado no Sul do país.

Para Fred 04, ainda há tempo para a presença da Nação Zumbi na sáida do Galo. "Ainda não temos certeza do que vai ser concretizado em relação à Nação Zumbi", disse, completando que há ainda alguns meses para que a situação se resolva. Ele ainda ressalta que, além do trio comandado pela Mundo Livre, haverá outro especial, com a participação prevista de vários ícones do Mangue.

O compositor e vocalista da Mundo Livre S/A também afirmou que começará desde já a preparação para a maratona do Galo da Madrugada, que dura de cinco a seis horas, embaixo geralmente de um sol escaldante. "Hoje mesmo retorno à academia pra resistir firme e forte à maratona", postou.

O malungo Chico Science completaria 48 anos nesta quinta-feira (13). O músico foi um dos fundadores do movimento Manguebit e ascendeu o cenário musical do Recife na década de 1990.

Além de fundar a Nação Zumbi, Chico também participava de grupos de dança e hip hop, sempre trazendo em suas músicas novidades do mercado mundial em mistura com os ritmos da cultura popular pernambucana. 

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Com a Nação Zumbi, Chico lançou os CDs Da lama ao caos, que completa 20 anos em abril, e Afrociberdelia. Nas canções, o malungo não esquecia o Recife, Olinda e os problemas sociais destas cidades. Sua música é atemporal e se encaixa perfeitamente em situações cotidianas encontradas atualmente. 

Chico faleceu no dia 2 de fevereiro de 1997 em um acidente de carro próximo ao Shopping Tacaruna. Foi uma perda não só para música, mas para a história social de Pernambuco.

No repertório de artistas pernambucanos é difícil uma música de Chico Science e Nação Zumbi ficar de fora, o que deixa claro o respeito e a admiração dos músicos pelo malungo. No Carnaval, por exemplo, Elba Ramalho e Nena Queiroga incluíram em seus shows no Marco Zero o sucesso A Praieira, música que alavancou o reconhecimento nacional da banda.

O manguebit da banda Mundo Livre S/A agitou a noite desta terça-feira (4) no Forte de Pau Amarelo, na cidade de Paulista, Região Metropolitana do Recife. O quinteto subiu ao palco trazendo canções do primeiro CD da banda, o Samba Esquema Noise, e as recentes versões gravadas no disco Mundo Livre vs. Nação Zumbi. A banda não se apresentava na cidade há cerca de 20 anos. 

O Público gritava, pulava e cantava as canções da MLSA. Fred 04, vocalista do grupo, ficou emocionado em voltar a um dos lugares onde se apresentou no início da sua carreira. “É muito recompensador você retornar duas décadas depois e ver esse lugar lotado, muita gente cantando e dançando junto, é realmente uma satisfação”, comentou Fred. 

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A banda sai em turnê após o lançamento do vinil dos 20 anos do disco Samba Esquema Noise, que terá o mesmo selo do primeiro CD. “Já temos turnê marcada nos SESCs de São Paulo. Acredito que em 11 cidades, estão todos cobrando os shows desse disco e esse ano estaremos trabalhando nisso”, acrescentou o vocalista.

Durante o show, a banda cantou músicas como Musa da Ilha Grande, Bolo de Ameixa e O Velho James Browse já dizia, além de músicas da Nação Zumbi, que compõem seu último lançamento. Fred ainda deixou no ar a possibilidade de sair em turnê com a Nação no próximo ano.

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O cantor Otto se apresentou no Marco Zero na noite deste domingo (2) com participações como Fábio Trummer e  Lirinha. Ele comentou, durante a transmissão ao vivo do LeiaJá, direto do Marco Zero, sobre a emoção de subir ao palco e cantar para os pernambucanos durante a maior festa do mundo.

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Otto também falou da importância de Chico Science para a cultura do Brasil, dizendo que o líder da Nação Zumbi "foi pro mundo um divisor de águas na música brasileira". Confira entrevista no vídeo.

 

Membro fundador de uma das mais importantes bandas brasileiras, ele tem uma longa história de agitação cultural no seu bairro, que ajudou a transformar em uma referência cultural de Pernambuco. De fala tranquila, Gilmar Bolla 8 é um dos responsáveis pela química sonora que explodiu no cenário pop dos anos 90 com a Nação Zumbi, capitaneada pelo icônico Chico Science. É dele a responsabilidade da percussão que, mesclada com elementos do rock e do hip hop, transformou o cenário musical do Brasil.

Sua história inclui a criação e participação em grupos como Lamento Negro e Daruê Malungo, mas Gilmar ainda tem mais a oferecer à cena musical: há quatro anos, criou a banda Combo Percussivo, renomeada de Combo X em homenagem a um integrante morto. Com apoio do Funcultura, conseguiu gravar um disco com o grupo,m que já se apresentou em festivais locais e no projeto Prata da casa, realizado pelo Sesc de São Paulo.

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Em conversa com o Leiajá, Gilmar Bolla 8 fala sobre a criação do seu novo projeto musical, os desafios de viabilizá-lo, o novo disco da Nação Zumbi, o abandono do Nascedouro de Peixinhos e a atual situação da gestão pública da cultura no Estado.

Quando você sentiu a necessidade de tocar outro projeto e cria o Combo X?
Quando os shows da Nação Zumbi começaram a diminuir, porque alguns integrantes começaram a dar mais atenção a outros projetos, como o projeto com Seu Jorge com Lúcio e Pupillo, o Almaz. Aí eu tive mais tempo em Peixinhos pra fazer um trabalho de percussão com a garotada. Eu sempre fiz isso com o Lamento Negro, com o Daruê Malungo. Em 2009, formei o grupo de percussão Combo Percussivo com a garotada do bairro de Peixinhos. Era uma coisa de propagação, eles aprendiam percussão para ensinar em outros lugares. A gente passava o ano todo ensaiando e eu já tinha umas demos que eu fazia de música eletrônica com as letras que hoje estão no disco do Combo. Nesta época uma amiga, Altamiza Melo, nos inscreveu no festival Pré-Amp, nem me falou nada. Então eu tive que adequar o grupo a minha demo, com baixo, guitarra e selecionei os que estavam mais aptos a tocar na banda e também chamei André Negão, que é baixista, mas não consegui arrumar guitarrista na ocasião. A gente ficou em terceiro lugar no Pré-Amp, mas a turma gostou muito, ganhamos no voto popular. O próximo passo era gravar um disco.

E como foi a gravação do disco?
Encontrei Bactéria (ex-Mundo Livre S/A, toca atualmente com Otto), falei que queria gravar um disco e estava mesmo precisando de alguém que entenda de harmonia, e ele é tecladista, e é um cara que já conheço já mais de 20 anos na música, então fique bem à vontade pra fazer o disco com ele. Fizemos uma pré-produção que durou mais de um mês no Nascedouro de Peixinhos com ensaios abertos, quando ele viu que a gente estava pronto para entrar em estúdio ele me levou no Casona e gravamos durante uns dois meses. Quando terminamos a gravação, achei o resultado muito bom e eu quis mixar o disco em São Paulo. Então falei com Eduardo BiD, co-produtor do Afrociberdelia e do CSNZ – que é um disco em homenagem a Chico Science. Ele topou na hora. Encontrei Kassin e perguntei se ele toparia mixar uma música também. Como ele é do Rio e o pessoal lá faz muito TV, é mais pop, decidi dar a ele a música Rei Urbano, que foi feita em homenagem a Chico. É uma música que a gente já ia fazer o clipe e que é mais radiofônica. E ficou bem legal, do jeito que a gente queria. Já acabaram as mil cópias do disco, precisamos fazer mais.

É muito difícil viabilizar um projeto musical novo, autoral, mas você já tem uma história longa na música e um peso, uma importância pela sua participação na Nação Zumbi. Fazer parte da Nação é algo que abre portas para o Combo?
Minha experiência com a Nação Zumbi abre portas para estúdios, para saber o que quero na minha música e chegar a um produto final de um disco com um resultado bom. Quando eu falava quem era, as pessoas que trabalham gravando, mixando, abriram as portas para que eu fizesse um trabalho bom. Chamei Kassin, BiD, Buguinha pra mixar o disco, fui ao Casona, que para mim é o melhor estúdio de Pernambuco, com equipamentos de ponta. Mas para a questão de shows é outra história. Nestes 20 anos de Nação Zumbi eu só chegava nos lugares para tocar, então eu não conheço o empresário que compra o show, produtores, então é muito difícil vender o show de uma banda que está começando agora e está no primeiro disco, ainda que a imprensa nacional e até internacional fale bem, as pessoas querem bandas que sejam conhecidas, tenham a música na novela, um clipe bombando. Tipo a Nação quando começou. A gente foi logo para uma gravadora grande que se encarregou de colocar a música no Fantástico, que é um programa nacional, em trilha de novela, e deu um 'bum' com a banda. Com o Combo a gente teve um projeto aprovado pelo Funcultura que já deu um grande empurrão porque permitiu gravar o disco, mas a coisa de fazer shows a gente ainda está engatinhando.

E qual a expectativa para 2014?
A gente não tem uma pessoa que venda o nosso show. Eu conversei com Fabinho Trummer (da banda Eddie), que me falou que ele é quem faz isso. Eles têm 25 anos de banda e ele está à frente. Estou engatinhando ainda neste processo e a gente vai se organizando aos poucos. Agora, para o carnaval, lançamos propostas para o Governo do Estado, as prefeituras do Recife e de Olinda, vamos ver o que vai acontecer. Estamos mandando também propostas para o Sesc de São Paulo, que seguram muito a onda do artista brasileiro.

Muita gente nas redes sociais e na imprensa tem associado o som do Combo como uma ‘verdadeira sonoridade Mangue’, falando até em uma retomada da ‘estética Mangue’, associando este trabalho diretamente ao movimento. Você concorda com isso, o Mangue ainda existe?
O Mangue está muito forte agora na cidade. Quando a gente começou, a vegetação era bem escassa, tinha mais lama que verde no mangue (risos). Hoje a gente vê que o Mangue está bombando. E tudo aquilo que aconteceu naquela época com a música, as artes plásticas, o cinema, a gente chamava de Mangue. Era uma parada de cooperativa. O Manguebit foi a imprensa criou. Chico e Fred falavam de mangue pelo fato da cidade ser um estuário, que deságua no mar e que foi criada no aterro. Era uma coisa mais de protesto mesmo, e batizaram de Mangue. O maracatu já existia, o que a gente foi juntar o pop com o regional. E essa é a música que eu sei fazer, não adianta eu juntar uma garotada e dizer: ‘vamos fazer punk agora’. É melhor pegar uma pitada disso e colocar em cima de uma batida de maracatu, de uma ciranda e transformar essa música regional numa música universal, que se a gente for tocar na Inglaterra as pessoas vão se identificar. Se o povo acha que é Mangue então é Mangue. E a gente é bem mais tropical do que a Tropicália, porque eles copiavam muito o rock’n’roll, aquele rock ‘paz e amor’, os Beatles, os hippies daquela época, e a gente tenta ser bem mais regional, traz os tambores, os batuques, a macumba, o coco. E as pessoas que sempre têm um destaque com arte são as que têm uma pitada regional. Vou citar (o grafiteiro) Derlon, que tem um grafite regional. A gente cresceu vendo aquela textura que ele pegou e passou para as paredes com as latas. A gente tem mais futuro aqui fazendo uma coisa regional com umas pitadas bem modernas.

Você é um fundador de uma das bandas citadas quase unanimemente como das mais importantes das últimas décadas na música brasileira. De dentro, como participante desta movimentação, você pessoalmente também acha que a Nação Zumbi é realmente tão importante na história musical do Brasil?
Eu sinto que sim, porque um artista como Caetano Veloso já chegou pra mim e disse que o Afrociberdelia era o disco de cabeceira dele. Gilberto Gil passou uma tarde com a gente no estúdio falando muito bem da música, do jeito que Chico cantava, que ele já conhecia esses tambores, mas que nunca pensou que alguém poderia dar uma pitada que transformasse isso numa coisa nova, porque o maracatu já existia há 300 anos, e a banda não é uma banda de maracatu, é uma banda que tem influência de maracatu, coco e ciranda. Na época em que a gente começou, eu não tinha uma oficina com o mestre Luiz de França, eu só o via com o maracatu nas festas que eu ia, no pátio de Santa Cruz, quando os cortejos se reuniam para adentrar o Recife. O que eu conhecia era de ver e ouvir, nem eu nem ninguém da percussão do Nação Zumbi participou de nenhuma oficina, a gente cresceu ouvindo. A cooperativa Mangue deu um 'bum' muito grande na nossa cultura de dizer ‘isso aqui é uma sambada, um cavalo-marinho, um maracatu rural, maracatu de nação’, ajudou muito a cultura do Recife.

Você chegou a entrar em contato com produtores mais conhecidos como Gutie (do festival Rec-Beat) e Paulo André (do Abril pro Rock, que foi empresário da Nação Zumbi)? Eles estão sabendo do seu novo trabalho?
Paulo André levou o disco da gente para essas feiras que ele sempre vai na Europa, distribuiu para grandes empresários e produtores. Gutie convidou a gente logo que lançou o disco para fazer o Rec-Beat. Em uma conversa com Paulo André, ele disse que não ia chamar a gente pra tocar no Abril pro Rock porque a gente já tinha tocado no Rec-Beat... A gente fica assim, porque é um disco bom, todo mundo tá elogiando... Em Bruxelas a gente é o primeiro lugar numa rádio de lá – e acho que isso deve ser fruto da distribuição de nosso material que Paulo André fez –, mas tem que parar com essa coisa de ‘tocou em um festival não vai tocar no outro’. Acho que se o produto é bom, as pessoas têm que abrir a porta pra gente tocar aqui mesmo. Como a gente vai se tornar grande nacionalmente se a gente não consegue ser grande na nossa cidade? Os produtores locais têm que abrir mais a cabeça. Jornais de Belo Horizonte falaram bem do nosso disco, O Globo falou bem, a Folha (de São Paulo), a Rolling Stone falou bem. Eu acho que tá na hora de algum produtor pegar a gente também.

Você citou jornais do Sudeste e já morou em São Paulo com a Nação Zumbi, mas hoje mora aqui. É daqui que você está trabalhando com o Combo. Existe um plano de ir ao Sudeste com a banda? Você acha que se o Combo estivesse em São Paulo agora teria menos dificuldade para se infiltrar no mercado?
Se a gente estivesse morando em São Paulo estaria sim tocando mais. Mas eu não tenho vontade de morar em São Paulo, a gente tem que fazer essa ponte São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Recife, Belém, porque os artistas de Salvador moram em Salvador e conseguem ir com as bandas e blocos deles para todos estes lugares do país. A mesma coisa tem que acontecer com o Recife, a gente não tem que ser um retirante. Hoje tem internet, dá pra subir a música e mandar pro mundo todo. Aqui é que a gente tem que fazer, com os produtores daqui, com as rádios daqui, com os governos daqui, com o Sesc daqui... Quando a música da gente ficar grande aqui, o Brasil todo vai aceitar.

E como anda Peixinhos? Você tem uma longa história de agitação cultural no bairro e o Combo é uma continuação disso. A quantas anda o Nascedouro?
Quem tem banda e gosta de música continua fazendo sua música. O nascedouro, na última gestão, ficou deixando a desejar, porque não teve manutenção. Então o cupim tá comendo o palco, o alambrado caiu no meio do campo de futebol, tá largado ali. Mas a vontade de trabalhar com arte e cultura existe com as ONGs que estão lá e dão suporte à meninada. O Nascedouro é uma coisa fantástica, é um lugar que tem um palco imenso, uma sala massa na qual dá pra trabalhar com dança, teatro, música, mas está parado. A gente esbarra até na coisa geográfica de estar na divisa entre Recife e Olinda. A prefeitura de Olinda diz que não tem dinheiro para manter o lugar e a do Recife diz que não tem voto, então não vai gastar dinheiro ali. Enquanto isso, é cupim comendo o palco e ferrugem comendo o alambrado. Teve um retrocesso por causa da política.

Sobre este retrocesso nas políticas públicas de cultura. Como você vê as atuais gestões locais no que diz respeito à cultura?
Parou. Até o SIC municipal do Recife parou. Parou no final da última gestão e foi cancelado agora. Temos uma secretária que não é atual no Recife – e o que funciona é a capital, que tem verba. Temos um diretor de música que não é da cidade (Gilmar se refere a Patrick Torquato, Gerente de Música da Fundação de Cultura Cidade do Recife)... Essas coisas só acontecem no Recife! O cara não é daqui, não gosta da música pernambucana e declara isso em qualquer lugar, que a música daqui não é boa, não é vendável, mas é o diretor de música daqui. Como é que a gente vai viver? A gestão está deixando a desejar. O Recife, nestes anos, cresceu muito por causa da música daqui, com Chico Science, Fred 04, Cannibal (da Devotos), Zé Brown (do Faces do Subúrbio), todas essas pessoas mostrando sua música. Eu conheço muita gente que vem aqui pra ver o que acontece na Zona da Mata, no subúrbio, mas as secretarias de cultura investem muito nessa coisa das bandas do Sul e do Sudeste que já tocam o ano todo e o pessoal de lá está cansado de ver por lá. Aí se paga uma fortuna pra esse povo vir tocar aqui enquanto a gente não consegue passar nos editais de lá. Então não tem nem um intercâmbio, esse povo que toma conta do carnaval pensa nisso. De negociar coisas do tipo ‘a gente vai trazer Carlinhos Brown, mas vai mandar Zé Brown pra Salvador, vamos trazer Marcelo D2, mas vamos mandar o Eddie pro Rio', coisas assim. E a gente sempre pagando uma fortuna pra esse povo vir do Sudeste pra cá, para os melhores palcos, e quando chega a quarta-feira de cinzas a gente vê que nada mudou.

A Nação Zumbi está há sete anos sem lançar disco e foi aprovado em um grande edital para lançá-lo. Como está a produção do novo disco? É verdade que Marisa monte fará uma participação especial?
O disco está sendo finalizado agora, Jorge (Du Peixe) está gravando as vozes. Fomos contemplados neste edital da Natura. A Marisa Monte acho que vai gravar com a gente, ela sempre fala que é uma das melhores bandas do país e que ficou muito feliz de fazer essa turnê com alguns membros da Nação Zumbi. Eu acho que ela tem vontade de sentir a percussão, os tambores tocando, a música dela é mais baixinha, mais conceitual.

Você está envolvido em outros projetos musicais?
Estou com uma paquera com o maestro Ademir Araújo, a gente está no maior sarro (risos). A gente fez uma música homenageando o Maracatu Leão Coroado, que fez 150 anos em dezembro. Talvez a gente participe da abertura do carnaval com ele. Vou recitar a letra:

Vermelho e branco é Leão
Vermelho e branco é Xangô
Vermelho e branco é meu amor
Seu mestre se consagrou
Sua rainha se coroou
Seu baque é ancestral
Sua calunga de cera é tradição do carnaval
Luiz de França perpetuou
Pelas ruas do Recife encantou
Segunda-feira dos Eguns
A cidade fica encantada
Maracatu é religião
Nosso maracatu nação é Leão Coroado

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