As vias públicas do Recife compõem o cenário para os cidadãos que, diariamente, correm contra o tempo para cumprir suas obrigações, sejam elas pessoais ou profissionais. Em variados modais, circulam pela cidade buscando garantir o direito de ir e vir, mas a falta de mobilidade atrapalha o ritmo da população. Recife é a cidade com o trânsito mais lento do Brasil, segundo estudo realizado pela empresa Tom Tom, atuante no ramo de GPS. Se levarmos em consideração a exatidão dos números para exemplificar a imobilidade recifense, o mesmo estudo constatou que 60% das vias públicas da capital pernambucana são congestionadas.
Quem percorre as ruas do Recife conhece de perto os malefícios do trânsito travado. Mas a imobilidade não faz o povo deixar de usar o espaço público: a necessidade obriga mais de 1,6 milhão de habitantes a circularem pelas vias da Veneza Brasileira. E também por obrigação e profissionalismo, trabalhadores enfrentam diariamente o trânsito recifense. Um deles é José Cristóvão de Aguiar Xavier, 44 anos de idade, dos quais quase sete dedicados à função de motorista de ônibus.
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De acordo com o profissional, não há transtorno que ofusque sua paixão pelo volante. “Adoro ser motorista de ônibus. Antes de trabalhar com coletivo, dirigi caminhão de carga por 13 anos. Infelizmente o trânsito é muito complicado em quase todos os cantos do Recife, mas quem é profissional precisa gostar do que faz”, comenta. José é mais um personagem do especial "O trânsito sou eu", produzido pelo LeiaJá, cujo objetivo é mostrar que o trânsito é feito por pessoas, numa ótica que vai além dos problemas estruturais das cidades.
Nas mãos de seu José está a missão de transportar centenas de passageiros todos os dias. Responsabilidade a mais para o trabalhador, pois à frente de um ônibus, ele cuida da própria vida e zela pelos demais. Assim como ele, cerca de 6 mil motoristas atuam no transporte público do Recife e Região Metropolitana (RMR), vivendo corriqueiramente a imobilidade que assola grandes cidades. De acordo com o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), os coletivos são utilizados, diariamente, por 1,8 milhão de passageiros da RMR, bem como existem 2.900 ônibus pertencentes a 13 empresas do ramo. Todos esses números dão a dimensão do cotidiano de condutores e usuários, jogados aos pecados estruturais que dificultam ainda mais o fluxo das vias públicas.
Seis dias por semana, quase sempre a partir das 5h, seu José inicia seu bravo expediente. Ele é responsável por um dos coletivos da linha Nova Descoberta/Afogados, cujo ponto de partida é a Zona Norte do Recife e tem em seu percurso bairros da área Oeste da cidade. Com o sorriso estampado, o motorista ajeita a camisa, encaixando o último botão, e alinha a gola. Ele busca estar apresentável aos passageiros, a partir de uma postura profissional que preza, além do visual, por uma boa receptividade. “É bom sair com o carro e receber os passageiros com um sorriso e bom dia. Esse deve ser o comportamento de todo motorista”, diz.
Do terminal de Nova Descoberta, periferia recifense, seu José segue para mais uma viagem. O relógio marca 8h, enquanto que ele registra sua segunda viagem no expediente. São, ao todo, cerca de oito horas diárias de trabalho, cujas dificuldades se iniciam já na saída do terminal. Ruas estreitas, carros estacionados irregularmente, caminhões descarregando produtos para os comerciantes da região, fluxo de pedestres entre a pista, trabalhadores usando carros de mão, motoqueiros descendo e subindo ladeira com extrema velocidade... A lista de problemas é extensa, enquanto a atuação de orientadores de trânsito é inexistente em muitos bairros periféricos. É justamente nesses locais onde começa a imobilidade da RMR, assim como as reclamações dos condutores. No caso de seu José, um simples trajeto de 26 quilômetros só é possível de ser feito em torno de duas horas, somando a ida e a volta. “É complicado! Muita gente já começa a atrapalhar o trânsito daqui. O camarada têm que ter calma”, relata o motorista.
Atento ao volante e às surpresas que surgem perante o ônibus, o motorista tenta driblar as complicações das vias públicas. É preciso respirar fundo e continuar com os olhos atentos para não se meter em acidentes. Mas manter a tranquilidade num fluxo caótico nem sempre é possível, e por isso seu José busca ser paciente independente do transtorno. Passada a imobilidade da periferia, se engana quem pensa que as vias mais centrais são o 'paraíso' para os motoristas de ônibus. Eles enfrentam, mais uma vez, sequelas da falta de mobilidade, além dos conflitos que podem surgir com outros condutores. É no trânsito onde os ânimos podem se alterar quando a educação fica em segundo plano, além disso, motoristas de coletivos nem sempre são vistos com bons olhos pelos outros personagens do trânsito. Porém, seu José defende seu comportamento diário: “Procuro respeitar os outros motoristas e sempre andar na minha faixa, mas tem gente que critica motorista de ônibus. As pessoas precisam saber que é difícil dirigir um veículo desse porte”, justifica o trabalhador. E na luta diária da imobilidade, seu José também tem suas queixas. Para ele, entre as pessoas que compõem o trânsito, os motociclistas são os que “dão mais trabalho”.
Após mais uma viagem de trabalho finalizada sem acidentes, seu José se mostra tranquilo e com a sensação de dever cumprido. Mas ele sabe, por toda experiência e relatos de colegas, que nem sempre o desfecho pode ser sem problemas. Segundo o trabalhador, o trânsito se resume a uma rotina difícil, mas necessária, porque tanto ele quanto os passageiros precisam do transporte público. Sobretudo, a postura de cada indivíduo infelizmente nem sempre será a correta. “Mas se cada um fizer a sua parte, o trânsito ficará melhor”, complementa José.
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Por um trânsito melhor
Segundo o instrutor de direção defensiva Nilton Miranda, todo cidadão que faz parte do trânsito - partindo da ideia de que as pessoas são responsáveis pelo fluxo e comportamento nos espaços públicos - pode tomar atitudes para diminuir os problemas do dia a dia. É muito provável que condutores, passageiros e pedestres se deparem com discussões e erros que causam acidentes, mas o lado emocional deve estar equilibrado para que os imprevistos não terminem em discussão. “São necessárias mudanças de mentalidade e muita esperança para que as coisas melhorem. No caso dos ônibus, quando o cliente (passageiro) é mal educado a orientação para o motorista é que ele responda com gentileza. A partir do momento em que o motorista age positivamente, o usuário é induzido a agir da mesma forma. Mas quando o condutor não consegue gerenciar o conflito e discute, o risco de acidentes aumenta”, explica o instrutor.
Miranda tem experiência em capacitações direcionadas para motoristas de ônibus e reconhece que o dia a dia desse profissional apresenta inúmeros desafios. “Dirigir ônibus, principalmente urbano, não é nada fácil, pois as adversidades são muitas. Trânsito, horários apertados para cumprir, falta de estrutura em muitos terminais, passageiros estressados e nervosos são alguns exemplos de dificuldades. Quando falamos em direção defensiva, conscientizamos nossos motoristas da responsabilidade que é dirigir um coletivo, porque os veículos de maior porte são sempre responsáveis pela segurança dos menores”, justiça.
Para evitar acidentes, o instrutor explica que o motorista de ônibus precisa entender em quais circunstâncias ele precisa reduzir a velocidade. “A orientação é que, ao se aproximar de qualquer tipo de cruzamento ou interseção, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, e mesmo que tenha a preferência deve trocar pela segurança. A gente sabe também que muitos motoqueiros se envolvem em acidentes de trânsito e para evitar acidentes com esses condutores, trabalho durante as capacitações a direção preventiva, em que o motorista de ônibus aprende a ampliar sua visão periférica, se antecipando, prevendo e evitando o acidente”, descreve o educador. Por fim, o instrutor insiste na importância da educação no trânsito e respeito aos outros condutores, passageiros e pedestres. “A solução pata melhorar o dia a dia é a educação, o conhecimento das normas de trânsito, porque o trânsito só vai melhorar quando a gente mudar”, finaliza.
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