O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro: "os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres". Ao pedestre, é garantida a preferência sobre todos os demais modais de transporte, cuidado reforçado em vários artigos da lei de trânsito.
A preferência não se deve necessariamente a questões urbanísticas ou de engenharia de tráfego, mas a uma questão humanitária. O desrespeito ao pedestre pode facilmente terminar em morte ou em ferimentos graves. Quem caminha é de longe o mais frágil na disputa por espaço (e tempo) do trânsito de uma metrópole. No especial 'O trânsito sou eu', procuramos enxergar a mobilidade pelo vipés humano.
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"É bem complicado você ser pedestre em um lugar onde as pessoas não têm respeito. Na hierarquia do trânsito, o pedestre vem primeiro, sempre o menor tem mais prioridade. Aqui não, aqui o maior tem mais prioridade", reclama a cantora Karina Moutinho. Ela diariamente faz seus principais deslocamentos a pé pelas ruas do centro do Recife, onde mora, e sente na pele o quão desprotegido é o pedestre no trânsito da metrópole. Por motivos óbvios, os atropelamentos são o tipo de acidente com a maior taxa de morte.
A estrutura urbana (ou a falta dela) também é um fator sério de risco e estresse para quem cumpre seus trajetos caminhando. Em um estudo de 2012, Recife foi ranqueado como a quarta pior cidade do Brasil na qualidade das calçadas. Buracos, bocas de lobo, desníveis, entulho, barracas e até a ausência de calçadas: são muitos os obstáculos para se caminhar na cidade. O que muitas vezes empurra os pedestres para o meio da rua, onde ficam ainda mais desprotegidos.
Na hora de atravessar uma rua ou avenida, o momento mais tenso. Karina reclama: "O sinal demora muito para abrir e depois que abre para o pedestre fecha rapidinho". É muito comum semáforos destinados a pedestres demorarem vários minutos para fechar para os automóveis, fazendo com que muitas pessoas achem que está quebrado ou desistam de esperar, se lançando a uma travessia que pode terminar em tragédia.
A pedestre também chama atenção para as dificuldades ainda maiores de quem tem limitações físicas: "Os cegos se guiam pelo barulhinho dos semáforos, mas quase nenhum semáforo tem o barulho, então eles não podem atravessar sozinhos, dependem sempre de outras pessoas". Para cadeirantes, a missão de trafegar pelas calçadas é um verdadeiro desafio, para não dizer impossível.
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Pedestre e mulher
Se caminhar já deixa a pessoa desprotegida por envolver a interação desigual com carros, motos, ônibus e bicicletas, a sensação de fragilidade se dá também em relação aos riscos de assalto e ao assédio. As 'gracinhas' ditas por homens a mulheres no meio da rua trazem muitas vezes insegurança. Apesar de fazer questão de diferenciar comportamentos e abordagens, afirmando que nem tudo é assédio, Karina confessa: "Eu ando com o fone de ouvido pra não escutar muita gracinha".
Há uma outra limitação de mobilidade para ela. À noite, Karina não chega nem sai de casa a pé, pois é 'muito esquisito'. A violência urbana interfere também no itinerário que ela escolhe para chegar a seu destino. Mais um limitador, além das calçadas instransitáveis e das vias que, dominadas por veículos automotores, não são nada receptíveis aos pedestres. "Eu me adapto às situações. Não tenho como vencer isso", finaliza Karina Moutinho.
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Respeito e empatia
"Uma vez, na Rua Velha, veio um ciclista e bateu na minha vó, já uma senhora, que foi derrubada. E o ciclista saiu como se nada tivesse acontecido", lamenta, enquanto caminha, a pedestre Karina. Quantas vezes, em nosso veículos, preferimos buzinar em vez de diminuir a velocidade, esperar, ao avistar um pedestre no meio da rua?
Em dia de chuva, a falta de empatia fica ainda mais evidente. Muitos motoristas ignoram as poças d'água, molhando os pedestres. Ou não se importam se as pessoas estão tomando chuva e as deixam esperando indefinidamente para atravessar uma via movimentada. "Já é um costume do brasileiro pensar só nele mesmo", resume Karina, fazenso também um pedido: "Quando você se coloca no lugar da outra pessoa, você sente mais o problema dela. Se coloquem mais nos lugares dos pedestres".
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