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No ano de 2016, a Ordem dos Advogados do Brasil contabilizou pela primeira vez a marca de 1 milhão de advogados no Brasil. A expectativa de trabalhar como servidor público, ter estabilidade e assumir grandes causas ajudam a explicar esse número, mas nem só de honorários e concursos se faz a advocacia. 

Em um país como o Brasil, que tem altos índices de desigualdade social, uma minoria da população tem condições financeiras de pagar por serviços jurídicos, sobrecarregando as defensorias públicas. Diante desse cenário, a atuação voluntária de advogados populares que prestam assessoria jurídica, e daqueles que assumem causas sem cobrar honorários, a chamada advocacia pro bono (do Latim “para o bem”), pode ajudar muitas pessoas a ter acesso à Justiça. 

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Neste 8 de dezembro, Dia da Justiça, o LeiaJá ouviu advogados que trabalham gratuitamente para ajudar pessoas e grupos que precisam de apoio jurídico para conhecer o que move essas pessoas a dispor de seu tempo e força de trabalho sem retorno (financeiro) nenhum em troca. Confira: 

“Eu não acredito em um modelo de justiça segregador”

Danielle Gondim Portela tem 44 anos e além de advogada é historiadora e foi candidata a governadora de Pernambuco. Ela decidiu estudar Direito por um desejo de começar a trabalhar mais de perto com pessoas e por ter um senso de justiça aguçado. “Com 15 anos me tornei alfabetizadora de adultos para transformar a vida de outras pessoas pelo método [de ensino] Paulo Freire, e aí resolvi ser professora, pois o saber só tem sentido se promover transformação social. Isso me levou ao Direito e nele podemos ir para mil áreas”, explicou ela. 

No Direito, Danielle seguiu a advocacia popular, voltada a causas de cunho social e desejada por poucos profissionais pois, segundo ela, é pouco lucrativa. Militante feminista há vários anos, Danielle advoga gratuitamente em defesa de mulheres vítimas de violência e também em ações por moradia popular. Na visão da advogada e historiadora, a advocacia pro bono, ou seja, sem cobrança, não é uma forma de caridade exercida pelos advogados, mas um meio de garantir a justiça para todos e a manutenção de premissas básicas da democracia. 

“Eu não acredito em um modelo de justiça segregador e inacessível a uma boa parte da população. A advocacia pro bono vem no sentido de diminuir essas desigualdades, o advogado é um dos principais pilares para garantia do estado democrático, intervindo diretamente na ampla defesa. A partir dessa perspectiva eu não entendo pro bono nem popular como caridade. A minha pauta de advocacia pro bono é social, política e identitária. Por grupos historicamente invisibilizados, em uma advocacia que muita gente não quer, um instrumento de luta social para grupos vulneráveis”, disse Danielle.

“O Direito é um instrumento de luta política”  

Pedro Josephi tem 29 anos e há seis é advogado. Ele conta que decidiu se tornar advogado por acreditar que o exercício da profissão pode ajudar, ainda que parcialmente, a reparar injustiças sociais. 

“No exercício da minha profissão eu posso sanar injustiças, promover justiças e formular teses que possam beneficiar a população que mais precisa de justiça social, de acesso ao judiciário e de mecanismos de transformação social. O Direito é um instrumento de luta política e a escolha por ser advogado é porque a advocacia é a propulsora das modificações dentro do direito, ela constrói teses para que o judiciário possa se debruçar”, afirmou ele.

Os motivos de trabalhar gratuitamente para quem precisa, segundo ele, é a percepção de que o Brasil é um país muito desigual e que a Defensoria Pública (órgão que oferece advogados gratuitamente) não tem pessoas e recursos o suficiente para atender à demanda. “No nosso país há um déficit muito grande na defensoria pública e na assistência judiciária para os mais pobres. Em razão disso eu atuo de forma pro bono (do Latim “para o bem”, causas sem cobrança de honorários) para ajudar àqueles que mais precisam. Acredito que é importante que nós que nos formamos e nos tornamos advogados demos uma contribuição, temos que dar uma contribuição à sociedade. A forma de dar essa contribuição é por meio da advocacia pro bono”, disse o advogado. 

Além de assumir gratuitamente as causas de algumas pessoas que não podem pagar pelos honorários, Pedro também é advogado popular, centrando sua atuação profissional em ações de comunidades, movimentos sociais, associações e coletivos de pessoas que precisam de auxílio e consultoria jurídica. O motivo, segundo ele, é o desejo de ajudar a gerar justiça social reparando desigualdades históricas. 

“O que me faz ter essa vontade é a consciência política de que nós vivemos em um país extremamente desigual, vivemos numa sociedade de consumo com muitas violações de direitos, sobretudo da parcela mais pobre da sociedade. A justiça social pode ser minimamente alcançada com essas ações que nós entramos, visando minimamente reparar os danos que essas pessoas pobres sofrem, e garantir alguns direitos, como educação, saúde”, afirmou Pedro. 

Uma retribuição à sociedade

Tiago Pereira tem 34 anos, é advogado desde 2016 e ainda durante o período em que estudou na Faculdade de Direito do Recife (FDR) criou o projeto de extensão Além das Grades, que presta assistência jurídica gratuita com foco em unidades prisionais femininas de Pernambuco. O projeto dá atenção especial a detentas que estão em prisão provisória, mas também auxilia aquelas que já foram julgadas. 

O advogado explica que decidiu estudar Direito por sempre ter tido um senso de justiça forte e conta que se sentiu ainda mais interessado pelo curso depois de encontrar e ler um exemplar da Constituição Federal de 1988 que seria jogado no lixo. A falta de recursos financeiros foi um fator de dificuldade que ele superou estudando em um cursinho mantido por estudantes de medicina da UFPE, chamado Portal. 

“Ainda nos primeiros dias de aula, eu consegui um estágio voluntário na Defensoria Pública do Estado. Com um mês de aula impetrei o primeiro Habeas Corpus em favor de um vizinho que estava preso provisoriamente há mais de um ano pelo crime de tráfico de drogas. Não consegui a liberdade dele, mas o juiz marcou a audiência e o sentenciou com certa rapidez. Depois, uma colega pediu para defender um primo dela que também estava preso provisoriamente. No final do primeiro período eu já tinha um projeto para atuar voluntariamente prestando assessoria jurídica nas unidades prisionais do estado”, contou ele. 

Entre as motivações de Tiago, está o fato de ter estudado em escolas e também em uma universidade pública, fato que lhe faz querer dar um retorno à sociedade pelo dinheiro público investido em sua formação profissional. Questionado sobre as razões de focar a atuação em penitenciárias femininas, Tiago explica que há uma situação ainda mais grave de abandono no sistema penitenciário feminino. De acordo com ele, enquanto nos presídios masculinos as famílias e esposas visitam mais os presos, é muito comum que as detentas sejam abandonadas pelos maridos e familiares, muitas vezes restando apenas as suas mães. 

O objetivo do projeto, ao auxiliar essas mulheres, vai além de resolver questões jurídicas, mas também visa entender a história das detentas, de suas famílias e ajudar essas pessoas de forma integral. “O que me moveu foi essa questão de injustiça. O "Além das Grades" tem uma visão humanitária, de tentar compreender as circunstâncias de prisão das pessoas, da família”, afirmou.

No que diz respeito à importância da advocacia gratuita em favor de pessoas presas e muitas vezes nem mesmo julgadas, Tiago explica que as desigualdades sociais do Brasil e a falta de condições financeiras dos mais pobres para pagar um advogado tornam essa atividade um meio essencial para que a Justiça seja feita. “Na realidade do nosso país, advogado é muito caro, os preços da tabela da OAB são muito elevados e muita gente deixa de correr atrás de seus direitos por isso. Esse trabalho voluntário faz as pessoas poderem buscar seus direitos. A gente pode trazer um pouco de dignidade às pessoas para os direitos delas serem efetivados de fato, é muito gratificante”, disse ele. 

Na última quinta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) rejeitou por unanimidade o pedido de revisão de sentença de uma idosa de 65 anos presa por carregar seis gramas de maconha esquecidos na bermuda. Grinauria Francisca dos Santos foi condenada a seis anos de reclusão e multa equivalente a R$ 15 mil.

O Projeto Além das Grades, que presta assessoria jurídica para presos em Pernambuco, havia entrado com um pedido de revisão criminal por considerar a pena muito dura. Os advogados salientam que a condenada é usuária, mas foi punida como traficante. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também havia emitido um parecer favorável ao caso.

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Grinauria foi detida no dia 29 de junho de 2014. Ela estava indo visitar uma companheira na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima (CPFAL), mas foi flagrada com um resto de cigarro com 6 gramas de maconha na bermuda, que ela alega ter esquecido que portava. O caso da idosa foi configurado como tráfico de drogas com agravante de ter sido cometido nas dependências do estabelecimento prisional.

"O que teve que pagar por trazer consigo um papelote de maconha – a própria liberdade e uma multa ridiculamente alta para o seu padrão de vida, por ser pobre – mostra-se tão estupidamente desproporcional, que parece piada imaginar que alguém fosse traficar com um papelote, que ela usaria para fumar. Pois é, e estamos falando de uma usuária, que desde o início assumiu essa condição. Acontece que da condenação não teve direito nem a apelar, porque sua defesa se omitiu", diz o Além das Grades.

Segundo o grupo de advogados e estudantes de Direito, o TJPE chamou Grinauria de 'afoita' porque estava prestes a entrar na penitenciária com maconha no bolso. Para o Além das Grades, o resultado é vergonhoso. "A elite judiciária reproduzindo a obviedade que Carnelutti [autor da área de Direito Penal] já constatara, a de que o preso pode sair do cárcere, mas o cárcere não sai dele, termina o acompanhando pro resto da vida. É a tal rotulação, o direito penal do autor. Se tivesse sido julgada pelo fato em si, não deveria sequer responder ao processo. A questão seria resolvida em um juizado criminal"

Grinauria tem seis netos e já enterrou dois dos quatro filhos. O Além das Grades agora pretende entrar com um recurso especial no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

O projeto Além das Grades, que presta assessoria jurídica gratuita para presos em Pernambuco, está tentando reverter a sentença dada a uma senhora de 64 anos, moradora do Prado, Zona Oeste do Recife. Grinaura Francisca dos Santos foi condenada a seis anos de prisão mais pagamento de multa após ser flagrada com seis gramas de maconha.

A idosa está há três anos e três meses na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima (CPFAL). Foi detida no dia 29 de junho de 2014 na revista da CPFAL, quando ia visitar uma companheira. “Eu tinha um bar, aí havia virado a noite trabalhando e tinha um resto de cigarro no bolso da bermuda que esqueci de tirar, porque eu era viciada, graças a deus não sou mais”, conta Grinauria.

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O caso da mulher ficou configurado como tráfico de drogas, com agravante de ter sido cometido nas dependências de estabelecimento prisional. Grinaura diz que praticamente só restava papel consigo na ocasião do flagrante. A mulher responsável por detê-la, conta a idosa, ainda hoje pede desculpas pelo que fez quando se encontram. 

Para o Além das Grades, a pena foi multo alta para o tipo de crime. “A nossa sociedade tem a ilusão de que quanto maior a punitividade, maior a sensação de segurança e acaba se preocupando mais em punir do que educar. 64% das mulheres estão presas por questão do tráfico de drogas e muitas foram presas com pouca quantidade de droga”, diz Amanda Cavalcante, integrante do projeto.

A maior saudade da comerciante são seus netos, assunto que faz ela se emocionar imediatamente. É avó de seis pessoas, alguns ela considera como filhos. Teve três filhos, fora um de criação. Dois deles morreram, a filha não a visita e o último, o adotado, aparece volta e meia. 

Quando Grinaura visitou a família durante o salvo conduto a que tem direito, diz ter ficado bastante envergonhada de exibir a tornozeleira eletrônica. “Eles [os netos] pensam que eu estou no Rio de Janeiro”, diz emocionada.

A idosa conta que não consegue arrumar trabalho no presídio, como concessionada, por causa da idade avançada. Afirma orar diariamente pedindo sua soltura antes do fim do ano. “Aprendi que a Justiça é lenta. É  fácil entrar, mas para sair é difícil”, finaliza. 

O Além das Grades entrou com um pedido de revisão criminal. A ação é direcionada para aqueles já condenados que querem que o tribunal reveja a decisão.

As adolescentes do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Santa Luzia, no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife, vão poder assistir a cinco sessões de cinema a partir da próxima sexta-feira (28). Após as exibições, realizadas pelo projeto Além das Grades, haverá um debate com convidado sobre o tema exibido.

Os filmes levantam questões como sexualidade, empoderamento feminino, machismo e LGBTfobia. Os encontros acontecerão nas seguintes datas: 28 de julho, 11 de agosto, 25 de agosto, 8 de setembro e 22 de setembro.

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Na primeira sessão, será exibido o documentário Dindas, dirigido por Lara Buitron. O filme foi gravado dentro da ala LGBT do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb), localizado no Complexo do Curado, no Recife.  A própria diretora participará da discussão.

Já no dia 11 de agosto, o vídeo exibido será “Liberté, Égalité, Robeyoncé”, que traz a história de Robeyoncé Lima, primeira transexual a ser aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco. A advogada será a convidada do debate pós-exibição. 

“Trabalhar esse projeto dentro de uma unidade de internação é muito importante porque é transformar um lugar tão duro, como essas unidades, em local de reflexão, de transformação, de construir conhecimento”, diz a integrante do Além das Grades Amanda Cavalcante. O projeto de cine-debate se encerra no dia 22 de setembro com um diálogo entre as adolescentes e um psicólogo.

Além das Grades –  Criado em 2012, o Além das Grades é um projeto de extensão da Faculdade de Direito do Recife, cujos integrantes são estudantes de Direito ou profissionais da área. 

Entre as atividades desenvolvidas pelo grupo está a assistência jurídica voluntária em Unidades Prisionais de Pernambuco. Atualmente o grupo atua na Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima (CPFAL), em parceria com o Centro de Treinamento Bíblico Rhema.

O Além das Grades, projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), promoverá mais um debate nesta segunda-feira (24). Atuante em prol dos direitos humanos e na área de assessoria jurídica voluntária, o grupo traz o tema "Eu vejo cores em você: cárcere, estigma e superação", propondo uma reflexão acerca dos preconceitos sofridos por pessoas que saíram do sistema carcerário.

O debate contará com as participações do advogado Daniel Cesar e da assistente social Socorro Freire. O evento será realizado a partir das 18h30, no Auditório Tobias Barreto, na Faculdade de Direito do Recife, área central da cidade. A entrada é gratuita.

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De acordo com a organização do debate, o ato procura apresentar depoimentos de pessoas que já viveram em presídios e agora tentam extinguir os malefícios oriundos da prisão. Na ocasião, o público ainda poderá conferir uma exposição montada no hall da Faculdade, dando destaque a quadros pintados por presidiários. 

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