Nas últimas semanas, a aparição de pessoas fantasiadas de palhaços assustadores, principalmente em ruas desertas dos Estados Unidos, Austrália e até em algumas cidades do Brasil, tem causado polêmica e alimentado o medo de pessoas que tem pavor dos persongens de nariz vermelho. Apesar do recente debate, o medo do palhaço é algo comum entre crianças e adultos e em casos de pavor agudo, pode até evoluir para uma patologia clínica específica, chamada de coulrofobia.
Esse tipo de fobia é reconhecida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e pode causar ataques de pânico, falta de ar, arritmia cardíaca, suores e até náuseas. A figura circense do palhaço geralmente é relacionada ao personagem que é alegre, bobo, mas também pode representar tristeza. Fisicamente, as vestimentas são coloridas, o rosto é pintado de branco, o nariz é vermelho, os pés são grandes e desproporcionais ao corpo e as sobrancelhas se destacam.
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Em 1961, o pesquisador e antropólogo Levi-Strauss escreveu que o medo humano pelo mascarado é algo natural. Em suas pesquisas, Strauss explica que a máscara e a fantasia proporciona certa liberdade em quem está por trás e elimina temporariamente deveres com a sociedade. Para ele, a liberdade pode passar a sensação de perigo para as pessoas porque não há uma obrigação de pessoa civil, enquanto se está mascarado. Sigmund Freud também traz à tona a contradição existente em um grande sorriso, e a face desfigurada, como o personagem do Coringa, causando um “vale misterioso” que pode gerar dissonância cognitiva, levando pessoas a terem medo de palhaços.
Em 1995, a jornalista Rebeca Arruda, hoje com 22, completava um ano de vida. Como tradição em muitas famílias brasileiras, sua mãe resolveu dar uma festa e contratou um palhaço para animar a festividade. Rebeca conta que em todas as fotografias de seu aniversário ela aparece tensa e muito assustada. "Não pareço feliz em nenhuma foto", completa. Para ela, o medo da figura do palhaço sempre foi constante em sua vida, mas nunca atrapalhou sua rotina.
"Tinha um senhor que subia em um ônibus que eu pegava, e ele tava vestido de palhaço pedindo dinheiro, aí eu ficava meio tensa", relata. Para ela, o principal medo é quando associam os palhaços a coisas assustadoras. "Eu tenho pesadelos e isso atrapalha meu sono, então eu evito assistir filmes desse teor ou ler notícias que remetam a isso", explica. De acordo com a psicóloga clínica Priscilla Figueiredo, do site Psicologia para Curiosos, ter medo de palhaços não significa que você tem coulrofobia.
Instinto de proteção x coulrofobia
Para a psicóloga, o fato de pessoas estarem assustadas com recente aparição de palhaços macabros é vista como um instinto de proteção. "Quem tem a fobia tem pavor de qualquer imagem dos palhaços, sejam fotografias ou pessoas fantasiadas de forma assustadora ou não, isso é muito subjetivo", assevera. Um estudo realizado por um Hospital no Reino Unido mostrou um resultado negativo, quando um grupo decorou a enfermaria infantil com imagens de palhaços.
No total, mais de 250 crianças, na faixa etária de 4 a 16, relataram não gostar das imagens. A clínica esclareceu que durante a infância é mais comum que a fobia se desenvolva, mas nada impede o desenvolvimento já na vida adulta. "A coulrofobia é patológica e traz prejuízos a rotina saudável de quem sofre com essa síndrome. Crianças com menos de cinco anos reagem a rostos diferentes e isso pode criar uma mensagem de perigo para elas", detalhou a psicóloga.
A estudante Ana Beatriz, 23, conta que o medo por palhaços se manifestou por volta dos 12 anos, quando começou a assistir filmes de terror que abordavam a temática de forma bizarra. "Eu tenho um medo que me incomoda profundamente, mesmo que o palhaço esteja bonitinho em uma festa de criança, eu fico assustada", falou. Com a onda dos palhaços macabros rondando pelas ruas, Ana lamenta que sua fobia tenha voltado à tona mais forte.
Em 1986, Stephen King escreveu o romance “It” (A coisa), que até ganhou uma adaptação para os cinemas e o vilão é um palhaço assassino. Com um remake para estrear em 2017, fãs cogitaram que onda dos palhaços macabros poderia ser um marketing da direção do longa. King se manifestou em sua conta no Twitter e pediu calma e menos histeria. De acordo com ele, “a maioria deles é boa, anima as crianças e faz pessoas rirem”.
De onde vem o medo dos palhaços?
Para a psicóloga Priscila Figueireido, existem duas hipóteses que podem ser relacionadas à repulsa de pessoas à figura do palhaço. Uma delas sobre o nosso inconsciente coletivo, que acredita na ideia de que donos dos narizes vermelhos são ruins. "É algo cultural e que está impregnado em nosso senso comum a partir de livros, reportagens, filmes e histórias contadas, mesmo", esclarece.
Uma outra teoria é a vestimenta do palhaço, que é peculiar e chama muita atenção. "Para uma criança pode ser muito impactante a questão da fantasia e do diferente", completou. É como se o palhaço representasse o misterioso e o incerto e errado em certas formas.
Atuando como palhaça há 13 anos, Enne Marx (foto à esquerda), integrante da ONG Doutores da Alegria e do grupo As Levianas, explica que entende a fobia como algo natural, não só com o palhaço mas também com outras figuras folclóricas. "É uma figura exuberante e, como foge do humano e entra no universo do fantástico e da imaginação, é comum que algumas pessoas possam se assustar".
Para ela, o grande problema é quando pessoas despreparadas se aproveitam da linguagem do palhaço macabro para fazer o mal. Enne, que interpreta a palhaça Mary En em palcos de teatro, defende a arte dos palhaços macabros, na medida em que sejam feitas por profissionais e estudiosos da área, pesquisadores do assunto.
"A gente sabe da tradição que existe nos EUA dos palhaços macabros. A intenção não é roubar, nem matar, nem fazer nada contra ninguém. É apenas uma linha de trabalho antiga e mais séria. São realmente assustadores, sobretudo por causa da maquiagem mais exuberante e de traços mais fortes", aponta. Na sua concepção, é uma arte diferente do palhaço de circo e também precisa ser respeitada.
A psicóloga cita duas formas de tratar a fobia de palhaços. A primeira é uma abordagem da psicoterapia, que acredita na exposição ao medo, quando o profissional coloca o paciente em contato com o que ele tem mais medo. "Eu acho essa técnica agressiva e invasiva e evito utilizá-la", relata.
A segunda é a terapia psicanalítica, quando o profissional tenta entender o que foi que levou a pessoa a ter esse medo de algo e qual relação do perigo com o palhaço, por exemplo. "Nessa, a pessoa escolhe quando está pronta para se expor e não é algo traumático".
"O palhaço tem sua beleza, seu lugar e merece respeito"
Enne Marx lamenta que essa onda de palhaços assustadores tenha levado a população a associar a figura do palhaço profissional pejorativamente. "É uma grande confusão de comunicação e de generalização, eu sou palhaça e não estou assustando ninguém, pelo contrário, gosto de fazer as pessoas sorrirem".
De acordo com a profissional, ser palhaça é um trabalho difícil e você tem que se entregar a pesquisa, porque as vezes é doloroso."Você vai encontrar o seu próprio ridículo e mostrar sua própria verdade, se não for uma trabalho fabricado, claro". Para ela, essa onda de palhaços macabros é uma resposta à atualidade violenta recorrente, mas que o palhaço tem sua beleza, seu lugar e merece respeito.
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