Nesta quarta-feira (26), a defesa do Pai Edson de Omolu entrega o recurso contra a setença que o condena a 15 dias de prisão por perturbação do sossego. A sentença foi dada no final de março e desde então o caso tem ganhado grande repercussão e levantado o debate sobre intolerância religiosa.
O autor da denúncia contra o pai Edson foi o seu vizinho de frente, José Roberto Monteiro de Lemos. Eles moram em duas pequenas casas, uma em frente à outra, 70 e 70 A, em Águas Compridas, Olinda. O juiz responsável pela sentença é Luiz Artur Guedes Marques, do Juizado Especial Criminal da Comarca de Olinda. O juiz não se pronuncia sobre a decisão. Ao todo, foram 15 dias de prisão, convertidos em prestação de serviço à comunidade.
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Para pai Edson, o caso é mais um exemplo de preconceito contra negros e povo de terreiro. "É o resultado de uma sociedade racista. O racismo começou com este vizinho em especial e termina com a sentença. É o resultado de uma sociedade que enxerga o povo negro, de terreiro e os nossos cultos como inferiores, sem ordem, que não têm teologia. A nossa teologia é tão única como qualquer outra, a nossa forma de louvar é tão bela como qualquer outra, a nossa forma de rezar é cantando", pontua o sacerdote.
Os atritos entre pai Edson e o vizinho José Roberto já duram há anos. O babalorixá conta que já foi preciso chamar O GT de Racismo da Polícia Militar para que os rituais pudessem ser realizados. "Sempre que a viatura não vinha, o vizinho colocava o som bem alto para prejudicar o ritual", conta. Além disso, há queixas na Delegacia de Peixinhos contra José Roberto por perturbação do culto. O vizinho também já foi levado coercitivamente à Central de Plantões da Capital e autuado por ameaça.
Na denúncia de José Roberto, é colocado que o som dos atabaques permanece até altas horas da noite. Pai Edson nega. Segundo o babalorixá, os eventos que envolvem os toques ocorrem quinzenal e mensalmente começando às 17h e indo até as 21h no máximo. "Como viu que aqui era acompanhado pela polícia, temos CNPJ, licença de bombeiro, toda documentação, ele passou a prestar várias queixas falsas por perturbação de sossego em dias e horários em que a gente não está realizando nenhum tipo de atividade", recorda o religioso.
Além disso, Edson diz que é o próprio vizinho quem costuma botar caixas de som com música elevada. A informação é ratificada por outra moradora da rua, a costureira Rosangela Pereira da Lima Batista, de 48 anos.
"O som dele [de José Roberto] incomodava muito. Eu saía de manhã, voltava de noite, e o som estava ligado. Acho que isso é uma despeita, uma inveja que não tem fundamento. Eu nem sabia que existia esse espaço [terreiro] aqui. Não tinha zoada de chamar atenção. Eu acho assim, para ter uma denúncia, deviam ter mais moradores, o incômodo não pode ser só dele", diz Rosangela, que mora há três casas de distância.
O babalorixá prevê que se a sentença não for revogada, haverá uma forte reação. "Se essa sentenção não for revogada, se esse processo não for trancado, não houver ação efetiva do Estado, nós vamos começar a entrar numa Guerra Santa. Porque veja, o povo de terreiro vai chegar um ponto que vai começar a reagir. Nós temos os nossos mais velhos sendo agredidos, morrendo de enfarto ou pressão alta porque o terreiro estpa sendo invadido, porque o evangélico vai lá e bota uma caixa de som dizendo que ali é lugar de demônio. As pessoas vão reagir, é natural do ser humano. Quando a ordem social é quebrada, há violência. A partir do momento que a gente perceber, e a gente está percebendo isso, que as lei só servem e só estão sendo interpretadas para nos prejudicar, essa lei não será mais obedecida e aí nós vamos ter uma luta muito grande nesse país como outros países no mundo têm conflitos em torno das religiões", sentencia.
"Estou vivendo no inferno"
José Roberto Monteiro de Lemos é aposentado, tem 60 anos e mora com a esposa e filha - diz que tem outros sete filhos a quem ele suplica que não se envolvam na situação. "Estou vivendo no inferno", diz o aposentado sobre a atual relação de conflito com o babalorixá.
Como é de se supor, há muitas divergências entre as versões contadas pelos dois envolvidos na história. José Roberto garante que os toques de atabaque chegam até meia-noite e que o pai Edson o provoca, batendo na parede e caçoando do idoso.
O aposentado também chama de improcedente a denúncia de que ele seria preconceituoso com a religião da Umbanda."Eu também sou babalorixá. Pai de santo só cristo, eu sou um zelador, sou espírita. Como eu vou ter preconceito se eu também sou da religião antes que ele?", coloca o vizinho.
Enquanto o sacerdote diz que o autor da denúncia já foi autuado por ameaça, José Roberto conta que ele e a família já foram ameaçados pelo babalorixá. "Ele apontou o dedo para mim e disse que ia acabar comigo e disse que depois seria minha mulher e minha filha", relembra o idoso.
Sobre colocar som alto, José também diz ser mentira. "Meu som nunca foi de chegar à noite, é difícil eu botar som. Quem fazia isso era um vizinho que se mudou, botava das 6h da manhã e não tinha hora para acabar. Se eu quero, eu boto dez horas da manha e vai até as 11h. Quando é dia de festa, São João, Carnaval, obviamente éliberado", diz, em seguida perguntando a uma vizinha próxima se o som dele incomoda, ao que ela responde que não.
Repercussão
Diversas entidades repudiaram a decisão do juiz Luiz Artur Guedes Marques. O Conselho Estadual de Direitos Humanos emitiu uma nota de apoio ao Pai Edson de Omolu. Dizendo-se bastante preocupado, o conselho destacou que não foi realizada a aferição dos níveis máximos de intensidade auditiva do local durante a cerimônia com atabaques.
O Ministério dos Direitos Humanos também enviou uma comitiva ao Estado para acompanhar o caso. Foi solicitado junto à Ordem dos Advogados do Brasil - seccional de Pernambuco (OAB-PE) a intervenção no processo com base no parecer jurídico que está sendo construído em caráter de urgência pela seccional pernambucana para o envio do processo para a Justiça Federal.
No dia 18 de abril, uma audiência pública foi realizada no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) sobre intolerância religiosa com participação de mais de 160 pessoas entre lideranças religiosas, procuradores da Justiça, sociedade civil, parlamentares e polícias Civil e Militar. A audiência ocorreu a pedido de vários representantes de religiões de matriz africana que foram ao MPPE frustrados com a suposta perseguição sofrida por Pai Edson.
Edna Jatobá, vice-coordenadora do Centro Estadual de Direitos Humanos, esteve na Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro, o terreiro de Pai Edson, no dia 8 de abril. O objetivo foi prestar solidariedade e verificar se os atabaques de fato incomodam a vizinhança. A conclusão de Edna é que não há tal incômodo.
"Eu tive até dificuldade de me localizar. Fui até o final da rua, baixei o vidro do carro para ouvir o som e saber onde era, mas eu não conseguia escutar", afirma Edna. "Não percebi uma situação que ia além dos limites, primeiro porque começa cedo e termina cedo. Naquele dia, terminou bem antes das 22h. Também são poucas pessoas, entre 15 e 20, que batiam palmas e entoavam cânticos ao som de dois instrumentos. Este caso revela um cárater preconceituoso com relação às religiões de matriz africana e pode abrir precedente para que outros pais de santo e terreiros sejam condenados da mesma forma", complementa, reforçando que outras religiões costumam fazer barulhos muito maiores em áreas residenciais.
O advogado de Pai Edson, Antonio Teobaldo, definiu o caso como "claramente perseguição". "Até no processo', ele lembra, 'testemunha nenhuma foi contra o rapaz. É inacreditável". A costureira Rosangela Pereira foi uma das testemunhas. O LeiaJa.com não conseguiu contato com o delegado de Peixinhos, onde as diversas queixas foram prestadas.